Foi assim: chegou, distribuindo sopapo, dando rabo de arraia, arregaçando a banca. Depois partiu pra dentro do Josias, deu-lhe três catiripapos, embolou-se com ele no chão, fez miséria na cara do coitado – navalha correu da têmpora ao queixo do infeliz e foi aquela sangreira danada.

      Terminado o serviço no moço, foi em demanda de Bento, preto alto, bonito, xodó das moças. Pegou o bicho pelo calção quando ele tentava pular janela de dona Ninha adentro. Do jeito que puxou, esborrachou o cabra na parede da casa de frente. Foi um baque e uma queda. Disparou uma ruma de chute, assim, seqüenciado – deve de ter estourado tudo lá dentro, que Bento foi ficando com a boca vermelha e, dali um pouco, foi é golfada de sangue.

      Mal acabou com o nêgo, foi atrás de Maria. Ela tava era inocente de tudo que rolava lá na baixa. Quando viu ele apontado no pé da ladeira, primeiro riu, fez menção de descer do muro onde pousava o corpo roliço. Desistiu quando percebeu a cara dele fechada, de boi brabo.

      Num instante, entendeu tudo. Num movimento de ginasta, pulou pra dentro, se enfiou pela porta da sala, foi bater no fundo do quintal. Levantou o arame da cerca e ganhou o descampado.

      Ele chegou no portão metendo os pés. O velho Tonho veio com o seu qué isso e tomou um cachaço. Foi pro chão. É quando o muito vale pouco: eram vinte anos contra sessenta.

      Já na sala, foi demolindo tudo. Invadiu os quartos, virou as camas, distribuiu tapa nos moleques, olhou feio as meninas, e deu de cara, na cozinha, com dona Maria – gordota, baixa, mas de queixo erguido, colher de pau na mão, olho duro. Contornou a velha lhe sustentando as vistas e foi pro quintal. Farejou, se agachou, olhou o chão, campeou o rastro de Maria e pulou a cerca. Correu pelo mesmo descampado no rumo da moça.

      Ele e Maria sumiram no mundo – ninguém sabe, ninguém viu. Nada também se conhece sobre as razões dele para tanta miséria feita; nem as dela, para fugir.

      Bento não tem o que dizer: a boca, antes cheia de sangue, agora tá é cheia de terra.

      Josias carrega até hoje a cicatriz e, desde aquele dia, se fez mudo, cara de estátua, olhos de rancor do mundo.

      Quem podia dar umas pistas eram dona Maria e o esposo. Mas, dois dias depois do acontecido, a família meteu as tralhas todas no lombo de um caminhão e se mudou.

      De modo que só sobraram os talvezes, possam-ser e quem-sabes.

      Quem anda investigando a coisa toda é o delegado seu Unias. Era doido por Maria, mas ela vivia dizendo que não namorava gente da corja da polícia. Dái que ninguém sabe se é pelo carinho, ou se pelo despeito, que ele teima em procurar a raiz do assunto.

      O que fica pra todo mundo é uma história por saber. Mas eu não conto agora não, que tô é cansado.  Semana que vem, quem sabe.