Como você define “plantas do futuro”?
Samuel Soares de Almeida – Esse é um projeto que tenho no Museu Goeldi, apoiado pelo Probio, em que tentamos identificar um grupo de plantas de utilização econômica e com possibilidade de, em médio e curto prazo, reunir informações técnicas e científicas sobre elas, para que pudessem servir de oportunidades. A idéia é constituir um portfólio com essas plantas que poderiam interessar a investidores. São oito categorias de uso de plantas: medicinais, alimentícias, fibrosas, aromáticas, oleaginosas, forrageiras, ornamentais e biocidas ou tóxicas. Fizemos um workshop em Belém, separamos oito grupos de espécies afins dessas plantas, e a partir de uma lista inicial, conseguimos filtrar aquelas sobre as quais temos mais informações. Isso depois de fazer um levantamento preliminar de 2.000 espécies. Fizemos uma peneira até 650, e depois 100. São espécies sobre as quais existem mais informações técnicas suficientes para podermos compor portfólios, e que isso possa interessar a alguém que queira investir. Ou seja, plantas com potencial econômico forte, considerável, e com informações suficientes para quem possa investir no negócio. A idéia é que elas possam ser uma nova economia, uma economia do futuro, baseada na biodiversidade. Que possa ser uma economia diferente do extrativismo.

E em alguma delas já existe investimento ou são totalmente novas nesse campo?
Samuel Soares de Almeida – A maioria delas, principalmente as frutíferas e as oleaginosas, é de plantas já no mercado. Nós a consideramos plantas do futuro porque existe um potencial ainda inexplorado dessas espécies; não estão exauridas em seu potencial econômico. Falta verticalizar o processamento dessas espécies e de seus produtos aqui na região, que é a questão da nova economia. Um exemplo é o açaí, hoje uma planta do presente, mas com um potencial muito grande de crescer no mercado. Nós ainda exportamos sua polpa bruta, os energéticos e bebidas estão sendo feitos no Sudeste, nos EUA, no Japão. Estamos exportando polpa de açaí, matéria-prima sem processar.

E vocês querem mobilizar investidores com capacidade de criar e utilizar essas plantas na Amazônia?
Samuel Soares de Almeida – Perfeito. A idéia é movimentar a economia da Amazônia e manter a floresta em pé. A essas oito categorias de que falei não incluímos a madeira. Não que sejamos contra ela, mas para nós a vocação da Amazônia é florestal, e não pode deixar de ser florestal, em nome da madeira, da pecuária removermos toda a cobertura da floresta. As populações futuras daqui vão viver do quê? A vocação e fisionomia da Amazônia são marcadas pela floresta. Hoje há aproximadamente 400, 500 mil pessoas nos estados do Pará e do Amapá vivendo do açaí. Imagine quando conseguirmos concentrar pelo menos os dois andares dessa cadeia produtiva aqui na região? A meu ver, até diminuirá a pressão sobre os recursos naturais.

Você tem algum cálculo de quanto isso pode gerar?
Samuel Soares de Almeida – Tenho uma informação do professor Alfredo Roma, um economista da Embrapa, que mostra um cenário para 2050. Se conseguirmos na Amazônia alavancar essa economia – incluindo venda de carbono, agricultura em grande escala, que pode ser feita nas áreas já desmatadas, essa bioeconomia, com pólos de química fina, de indústria farmacêutica, cosméticos, biocombustíveis – seriam US$ 50 bilhões, isso mais ou menos na metade deste século. É o equivalente ao que a Amazônia iria faturar nesse período com minérios – o carro-chefe dessa região hoje. Ou seja, queremos fazer com que a Amazônia deixe de ser o que tem sido hoje: um grande almoxarifado de recursos naturais. Em 10 anos, posso dizer com certeza que essa economia poderia gerar dez vezes mais riqueza e dinheiro do que gera hoje a madeira – em torno de R$ 1 milhão por ano.

Você diz que essa mobilização tem de estar ligada a políticas públicas, portanto, é uma ação de governo. Como o governo do Pará reage a isso?
Samuel Soares de Almeida – Para mim, falta avançar muito nisso. Não existem políticas públicas para incentivar produtos florestais não madeireiros. Estamos querendo chegar pelo menos no pessoal do Instituto de Desenvolvimento Florestal (Ide-flor), criado agora devido à Lei de Gestão Florestal, editada no ano passado. Foi criado o Serviço Florestal Brasileiro em Brasília e o estado teve de criar seu instituto. Se não houvesse esse aporte legal nós ainda não teríamos. É um problema sério, os estados amazônicos estão sempre a reboque da legislação federal, não têm iniciativa própria. Um exemplo, a Zona Franca de Manaus, onde tem o distrito industrial, foi criada há 40 anos. Economicamente é um sucesso, o governo dá incentivo fiscal para se produzirem produtos eletro-eletrônicos. Por que o governo não poderia também adotar mecanismos de incentivo fiscal, políticas públicas para pólos de plantas aromáticas, oleaginosas e biocombustíveis?

Nunca ninguém pensou nisso?
Samuel Soares de Almeida – Nós pensamos, mas nunca conseguimos. Na verdade falta mais pressão da sociedade. O que existe aparece por geração espontânea, o empresariado se une. Hoje, temos uma das maiores áreas de plantio de dendê da Amazônia na região entre os municípios de Moju e Acará. Os empresários foram lá, foi feito um zoneamento pela Embrapa – que viu que a terra era propícia – e começaram a plantar. Hoje já tem indústria beneficiando. Pode até ter empresa lá incentivada pela antiga Sudam, pelo Basa, mas não partiu de uma política pública. Só depois o governo se interessou e deu incentivo. A mesma coisa com os sistemas agro-florestais da colonização japonesa, em Tomé-Açu, no nordeste do Pará. Há 70 anos o município foi colonizado pelos japoneses, hoje são cerca de 30 a 40 mil. É incrível como eles conseguem, numa área de solos pobres, ser tão produtivos como quem está num solo de terra-roxa. Isso só com o sistema que eles manejam. Implantaram sistemas agro-florestais, os Safis, onde plantam culturas anuais, como abacaxi, e misturam com pupunha, cupuaçu. Eles têm uma cooperativa, e num módulo de 50 hectares conseguem ter um padrão de vida equivalente ao do fazendeiro que está logo ali em Paragominas, e que precisa de mil, dois mil hectares para ter um padrão comparável ao daqueles japoneses. Estão ali há 70 anos e continuam naquela mesma região.

E assim como eles não saem, deve ter muita gente querendo ir para lá…
Samuel Soares de Almeida – Exato. Por isso que eu digo, essa nova bioeconomia da Amazônia pode gerar um movimento contrário, de antiêxodo rural. Ou seja, as pessoas vivendo miseravelmente, que saíram de suas cidades e moram hoje na periferia de Manaus, Belém, Santarém, podem fazer o caminho inverso e voltar para suas regiões. Logicamente, haverá uma descentralização dessa urbanização da região amazônica com isso, mas a meu ver será melhor. Se alguém vai de To-mé-Açu ou de Castanhal para Belém é para estudar. O japonês manda o filho para ser agrônomo, engenheiro florestal. (…)

Entrevista publicada originalmente na edição nº 565, de 13/4/2007, do Jornal da Ciência (boletim impresso da SBPC).

EDIÇÃO 90, JUN/JUL, 2007, PÁGINAS 53, 54, 55