Os números são eloqüentes. A política anunciada mais ainda. A direita – a mais reacionária socialmente, a mais liberal economicamente e a mais pró-americana internacionalmente – depois de várias décadas conduziu sua campanha sem dificuldades, de acordo com seu programa.
Ela ganhou facilmente a eleição presidencial em 6 de maio com Nicolas Sarkozy (53%), e conservou a maioria absoluta na Assembléia Nacional em 17 de junho. Até hoje esse tipo de sucessão no calendário eleitoral sempre favoreceu a autonomia presidencial a ir de vento em popa.

Os institutos de pesquisa anunciaram uma Câmara de direita, ocupando de 400 a 500 cadeiras das 577 existentes. Na realidade, a mobilização da esquerda no segundo turno diminuiu as diferenças. A maioria presidencial conseguiu 346 colocações frente a 231 deputados de oposição: 227 de esquerda – dos quais 190 socialistas, 15 de vários partidos de esquerda, 19 do PCF e 4 Verdes – e, ainda, 4 de centro. Mesmo com as eleições parlamentares adiadas para um segundo turno, a vitória da direita – por meio de ardis – em quatro rounds é clara e ressonante.

A direita ganhou por seus princípios. Consultados, os eleitores de Sarkozy mencionaram como motivo a luta contra a insegurança (39%), contra a imigração (29%), pela redução da dívida pública (23%) e pela diminuição de impostos (21%). Entre os que votaram em seus adversários havia preocupação, principalmente, com a redução das desigualdades sociais (44%), a luta contra a exclusão e a instabilidade (25%), a preservação do sistema de saúde (23%).

Essa corpulenta direita ainda foi bem sucedida numa batalha: a de atrair racionalmente, por meio de seu programa, o voto da extrema-direita que representa 15% do eleitorado há 20 anos.

Uma França no seio dos acontecimentos internacionais

Pelo mundo, com efeito, essa dupla eleição assume a importância que a França nele exerce: 6ª potência em termos de PIB; 5º comércio exterior; 3ª em orçamento militar, exportador de armas e potência nuclear, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU; antiga líder de um império, principalmente na África, soberania neocolonial, mais ainda pelos profundos laços humanos urdidos pela história e a emigração. A França desfruta igualmente – apesar do declínio de sua língua pelo mundo – de um prestígio atribuído a sua cultura e a seu passado, onde ainda domina a Revolução Francesa.

Com isso, num mundo dominado pelo imperialismo estadunidense, ela freqüentemente funciona como força de compensação ou de resistência mesmo no interior do bloco de forças dominantes. As contradições interimperialistas, com uma evidente ótica anti-hegemonista, manifestaram-se no grande dia em que a França se contrapôs aos EUA e seus aliados por sua guerra contra o povo iraquiano. Mesmo Paris conseguiu passar a impressão de tomar a dianteira na ONU, numa ampla aliança, apoiada por Moscou e Pequim, e, além disso, por dezenas de países contrários ao belicismo anglo-americano.

Herança de uma tradição social e democrática

Pelo fato de a França ter conseguido permitir-se tamanha audácia frente ao grande irmão americano – ao qual ela permanece ligada no Pacto Atlântico, e do qual ela se aproxima a passos largos após essa mesma guerra – ela retira de sua história interna, política e social, uma tradição de luta e de independência na qual seu movimento operário sempre desempenhou um papel determinante, arrancando de sua burguesia as liberdades, os direitos democráticos, um Estado de bem-estar.

Eis aí o objetivo da contra-ofensiva reacionária, delineado desde os anos 1970 por uma burguesia ávida por recuperar o que teve obrigação de conceder. Ela opera em um novo contexto em que seus ataques (privatizações, desregulamentações, cortes sociais particularmente) não aparecem mais diretamente camuflados sob forma do governo francês, mas sob a da União Européia, apresentados como uma fatalidade externa intrinsecamente com as melhores intenções, segundo ela.

E, naturalmente, é no terreno de sua reconquista que a direita reencontra seus mais sérios obstáculos, despertando cada vez mais um movimento popular na defensiva, mas muito combativo – como em relação à questão dos aposentados em 1995, pelos quais a França invadiu as ruas, ou ainda como, um ano antes, contra a precarização do emprego dos jovens que arrebata milhões deles até fazer o governo recuar em relação a seu projeto de Contrato de Primeiro Emprego.

Do mesmo modo, esse espírito popular obteve, pouco antes, outro êxito, sem precedentes: a reprovação em 29 de maio de 2005 do Tratado da Constituição Européia (TCE), por 54,64% dos eleitores consultados, ao fim de um extraordinário debate nacional, derrotando a opinião de que as primeiras pesquisas previam 2/3 para o “Sim”. A estupefação das elites européias chegou ao máximo. Elas não haviam previsto um “plano B” e esse tratado, anteriormente aprovado por unanimidade pelos Estados, foi rejeitado. Além disso, o voto combateu o “mau exemplo” na Europa. Esse grande acontecimento – maior da recente história política francesa e européia – revelou o espírito de independência do povo francês, que renegou de um só golpe todos os partidos que aprovaram o Tratado, que não representam menos de 95% da Assembléia Nacional; a direita governamental certamente, mas também o Partido Socialista (PS) (à frente de 22 das 26 regiões) e seus aliados Verdes.

O referendum revelou principalmente uma clara divisão de natureza social, se não de classe. Os mais de 15 milhões de votos “Não” saíram das camadas populares (39% operários, 71% desempregados, 67% empregados), do campo, dos pobres e com menos escolaridade do que os “Sim”. O voto “Não” foi mobilizado pelos partidos mais à direita e mais à esquerda no tabuleiro político e também pelas minorias no interior dos partidos tradicionais de poder, adquirido pelo voto politicamente correto do “Sim” incondicional a uma Constituição federalista e ultraliberal. A ruptura política entre as elites e a população trouxe desvantagens para a esquerda: 56% dos eleitores socialistas e 60% dos Verdes optaram pelo “Não” contra a indicação de seus partidos.

Mas esse abalo político não provocou uma reestruturação tão significativa do sistema de partidos políticos. E é nesse contexto que a eleição presidencial, com as regras, hábitos e poder das estruturas políticas, tendeu a voltar a fechar o interregno. Isso é o que manifestaram, de maneira contundente, as eleições de 2007.

Ordem política e crise social

Houve uma contra-ofensiva de direita. A grande burguesia sai, com efeito, melhor posicionada. Para que sua expressão política, a direita, levasse a melhor ela deveria obter os votos não apenas das camadas intermediarias, mas também de algumas camadas populares. Sua equação é simples. Ela deveria mostrar os interesses de sua classe eficientemente, o que envolve a inteligência de não colocá-la em perigo diante da maioria de que aí é vítima. Aos olhos daquela, ela deveria mascarar suas intenções muito bem para procurar apoio.

Para ganhar uma parte das camadas populares a direita dispõe de uma estratégia política interna clássica, com os mais variados instrumentos possíveis: dividir, opor uma parte contra outra. É aí que a estratégia “segura”, com suas conotações muitas vezes xenófobas, torna-se poderosa para enfraquecer a consciência de unidade de classe, em formação ou restauração.

A originalidade de Sarkozy não foi ter se colocado nesse caminho estratégico, mas de ter se saído bem ao enfatizar as contradições ao máximo – fator de força em curto prazo e de fraqueza em longo prazo. Isso não seria possível a não ser frente a uma esquerda estruturalmente fraca e sem tê-la diagnosticado enquanto tal. Ao contrário do que parece essa situação da esquerda não é fruto principalmente de circunstâncias excepcionais, de uma conjuntura passageira, mesmo se fatores desse tipo tivessem sido expostos naturalmente. Porque se ela teve audácia política para que o presidente – o mais reacionário da 5ª República – pudesse propor para o cargo de ministro alguns dirigentes socialistas, mesmo afastados, ela teve principalmente base para que o acordo político fosse forte nesse propósito para muitos deles aceitarem. Assim, ao gerar uma real dinâmica de poder à direita, não uma recentralização, Sarkozy conseguiu distanciar essas personalidades da “esquerda”.

Ao contrário, o voto “Não” à Constituição da UE teria mostrado um caminho possível, em longo prazo, que ameaçaria o poder: uma revolta coletiva das camadas populares. Ao destacar essa divisão não poderia senão favorecer a esquerda, e não os euroincrédulos de direita, conforme claramente havia indicado a campanha de 2005. Desse modo, com as camadas populares novamente divididas no debate decisivo a direita afastou, de um só golpe, esse risco de unidade popular. Essa estratégia originou-se do novo ciclo capitalista iniciado em meados dos anos 1970, por muito tempo delineada pela palavra crise e que, com efeito, gerou uma ruptura social, marginalização de grupos da população.

Dois fenômenos ligados e contraditórios se desenvolveram então: uma paralisação estrutural massiva, de um lado, traz uma forte aspiração por segurança no emprego, na saúde, nos rendimentos (salários, aposentadoria etc) com mobilizações concretas para fazer cumpri-los, mas, de outro, a desestruturação social favorece a miséria moral e material, base da insegurança, acentuada pela interferência em sua origem de reações secundárias favorecendo a manutenção do poder. Em outras palavras, a direita se sustenta politicamente das conseqüências sociais geradas por ela. É um circuito fechado, tanto que a esquerda não representa mais uma alternativa e esperança, mas um simples contrapeso parcial.

É que as experiências governamentais da esquerda (1981-86, 1988-93, 1997-2002) acostumaram o povo da França durante 15 dos últimos 26 anos a ver os governos conduzidos pelo Partido Socialista. A esquerda mostrou sua faceta de integração ao sistema depois de ter aumentado as esperanças nos anos 1960-70. Com o afastamento, depois de muito tempo sem qualquer perspectiva de tomada do poder, ela não se conservou.

Ao longo desse período é que uma parte do voto popular – obtido primeiro pela esquerda, devido à crise – amparou-se em uma rejeição do sistema sem consciência de classe. O voto seguro, antiimigracao, consolidou amplamente a Frente Nacional durante duas décadas, antes de ser absorvido amplamente pela direita clássica.

A dupla tradição francesa – social e de independência – conheceu então uma inegável derrota. Entretanto, mesmo ganhando todas as eleições, essa direita sabe que tem diante dela belos anos. Seu programa anti-social se chocará com as mesmas forças que ela conseguiu derrotar, mas que não desapareceram. O primeiro teste disso foi a “TVA social”, cujo debate desencadeado entre os dois turnos por Laurent Fabius fez um leve furo na “bolha”, ao revelar a intenção do governo de realizar, por meio desse encargo, uma transferência de rendimentos aos mais pobres em detrimento dos mais ricos. Fator de ascensão da esquerda entre os dois turnos, ela assim levou a direita a se dividir muito rapidamente; o ex-primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin ameaçou obstruir o Parlamento. O grande jogo entre os interesses de curto e longo prazos e as contradições desse jogo já bastante manifestas.

À direita: unidade de classe

À direita, a formação majoritária (a União por um Movimento Popular, UMP) – criada em 2002 para (e pelo) o presidente Chirac, e quase única, pois é proveniente da fusão das principais doutrinas da direita clássica – elegeu como seu ministro do interior Nicolas Sarkozy. Este, então, partiu em campanha com a mais ampla coalizão de direita para um primeiro turno depois de 40 anos.

Mas, no fundo, a vitória de Sarkozy é fruto amadurecido de um longo avanço da direita, de sua adaptação às manobras da grande burguesia. A família política da qual ela provém é, por certo, geneticamente, a família gaullista. Quando ela se apodera das rédeas do poder, ao examinar os anos 1960, quais seriam suas características? Em política interna a promoção de uma burguesia nacional industrial, apoiada em um Estado intervencionista. Em política internacional, um desgaste, se não uma adversidade, com os Estados Unidos e a construção européia; a que se acrescentam uma emancipação concedida e um apoio aos países árabes diante Israel. Que são, então, à direita, seus concorrentes (aliados ou opositores de circunstância): os atlantistas, os liberais, os europeístas democrata-cristãos e os colonialistas racistas. Como se observa, 40 anos mais tarde há um desmoronamento da direita. Os valores atuais de Sarkozy são precisamente os mesmos dos adversários de De Gaulle, mas isso não deve ter acontecido de um só golpe em 2007. As eleições de Giscard D’Estaing e a criação, então, da UDF claramente com Jean Lecanuet, é a etapa intermediária que obriga progressivamente o pálido campo gaullista ase alinhar, depois se unir, aceitando ponto por ponto a total re-inversão do programa gaullista – tudo simplesmente porque aquele não corresponde em mais nada aos interesses da grande burguesia franco-européia.

À esquerda: apagar a lembrança de 2002

As forças de esquerda, por sua vez – que havia ganhado a votação intermediária depois de 2002 devido à sua presença no seio de um grande movimento popular com a juventude – sentiram o pêndulo voltar-se em sua direção, e isso indicava o retorno às disputas. Os socialistas, escaldados pela experiência de 2002, escolheram uma candidata totalmente diferente e até inesperada: Ségolène Royal. Ela venceu com facilidade as eleições primárias, organizadas pelo PS; Laurent Fabius, ex-primeiro-ministro e ex-presidente da Assembléia, da ala esquerda moderada; e Dominique Strauss-Kahn, ex-ministro da economia, de orientação social-liberal, blairista, pró-americano, partidário do “Sim”, como Ségolène Royal, da qual é bastante próximo. O prestígio de Ségolène Royal, então, afigurou-se como irresistível e a França se preparou para receber, pela primeira vez, uma mulher no mais alto cargo do Estado.

A mídia, desde então, realçou o face a face previsível (mas não seguro) entre Nicolas Sarkozy e Ségolène Royal. Após um ano movimentado, seu percurso “irresistível” terminou. Ela, que havia sido dada como vencedora até o final do ano, perdeu em algumas semanas de campanha de 7 a 8 pontos nas pesquisas que anunciavam a vitória de Nicolas Sarkozy como certa.

Desde o primeiro turno, a esquerda tinha de fato perdido, expondo sua fraqueza com apenas 36,5%, entre todos os seus candidatos. Ela perdeu 5 pontos em cinco anos. Isso, malgrado uma incontestável movimentação gerada por Ségolène Royal, única candidata em condições de sair vencedora, que obteve de uma só vez 10 pontos a mais que Lionel Jospin e 2 a mais que a soma dos três candidatos que ela substituiu. Os Verdes, os comunistas e a extrema-esquerda conseguiram 8 pontos no total.
Ségolène Royal obteve, apesar de tudo, no segundo turno perto de 17 milhões de votos. Ela foi majoritária nas camadas populares e na juventude, devido a lutas recentes. Mas a derrota foi bastante humilhante, apesar desses números significativos.

Profundo enfraquecimento da esquerda

Se depois da derrota ocorreram desavenças na esquerda, longe de ser um efeito de conjuntura, essa derrota se deu principalmente pelo enfraquecimento tendencial da esquerda após 1981.
Esta esquerda, na verdade, em 35 anos é a mais fraca. Em seu interior o peso relativo da social-democracia clássica ainda está aumentado. O potencial da esquerda radical em 2002 (14%) diminuiu para 9% e alguns candidatos não passaram de 5%. E o espaço da oposição aumentou mais do que no primeiro turno graças apenas a um candidato centrista proveniente das fileiras da direita, por ter ameaçado tomar o segundo turno do candidato socialista. A evolução qualitativa e quantitativa da esquerda francesa está em pé de igualdade. O enfraquecimento de longa duração de seu núcleo operário e comunista arrastou juntamente a sua sucessão. As taxas de sindicalização são as mais baixas da Europa (7-8%).

De uma perspectiva concreta e inevitável constata-se haver aí uma ligação entre evolução das categorias salariais e voto comunista num primeiro estágio e, num segundo, uma repercussão sobre o conjunto da esquerda. O PCF perdeu seus votos continuamente, mas por ter abrandado. O PCF, na verdade, em 30 anos passou de mais de 20% para menos de 5%. A maior parte desses 15 pontos foram perdidos em momentos-chave da história da esquerda francesa. A subida ao poder em 1981 de François Mitterrand como primeiro presidenciável aceitável da esquerda. As situações seguintes, sem tirar conclusões generalizadas e abstratas, são claras: as duas participações governamentais – a primeira (1981-84) conduziu o PCF a um novo recuo (- 5 pontos) em 1986; e a segunda (1997-2002) a também menos cinco, num total de 14 pontos a menos.

O recuo das formas organizadas de esquerda é regularmente disfarçado pelas agitações espetaculares dos movimentos sociais. A força desses movimentos (às vezes com milhões de manifestantes) destoa da grande modéstia das estruturas organizativas.

Dispersão da esquerda antiliberal

Na esquerda, as vítimas da polarização personalizada das disputas eleitorais são praticamente todas as forças, menos o PS.

A força do voto “Não de esquerda”, o movimento anti-CPE de março-abril de 2005, e outros indícios, parecem, no entanto, ter favorecido em 2005-06 a perspectiva de uma ampliação do eleitorado de esquerda do PS. Alguns levam em alta conta uma candidatura comum e um forte re-equilíbrio da esquerda em seu favor, com um cabedal eleitoral que poderia se encontrar facilmente muito acima de 10%. Mas no final de 2006 a unidade e a coerência cederam lugar à dispersão e à confusão.

As formações de princípio trotskista foram as primeiras a jogar papel nesse cenário. Rapidamente a possibilidade de uma candidatura única da esquerda do PS foi dificultada pela Luta Operária (LO), pequeno grupo confuso, mas midiático, usando seus direitos mediante uma publicação eleitoral para concorrer na primeira esfera com Arlette Laguiller, e principalmente forte devido à legitimidade adquirida em 2002. Ela chegou a passar na frente dos candidatos de esquerda do PS, com o recorde de 5,7%. Algumas pesquisas previam-lhe mais de 10%. A LO anunciava, sem surpresas, sua brusca candidatura solo, praticamente de início, apresentando novamente seu candidato preferido.

Até a Liga Comunista Revolucionária (LCR) se lançou sozinha, apesar de suas ligações com outras forças de esquerda. Com seus efetivos quase tão marginais quanto os de sua concorrente, e muitas vezes aliada LO, a LCR participou em 2002, mas com perfil oposto. Ela obteve, com um jovem desconhecido, de 27 anos de idade, Olivier Besancenot – verdadeira surpresa – mais de 4%. Isso ultrapassou até o candidato comunista, Robert Hue, e nas últimas semanas rapidamente alcançou Arlette Laguiller.

Se a LCR tivesse partilhado com a LO um mesmo velho princípio trotskista seria de uma cultura política totalmente inversa, diferente, influenciável e intelectual, e contaria com os quadros mais influentes, menos no movimento operário. Em algumas eleições recentes ela deixou transparecer a busca por certa respeitabilidade para a esquerda.

Com um terceiro candidato, oriundo da mesma família política, a extrema-esquerda em 2002 obteve 3 milhões de votos (10,4%), o dobro de 1995, e principalmente um resultado sem precedentes nos anais da história. Em 2007 não houve esse impulso, retornando aos 5,8%. O êxito anterior não levou – isso é verdade – a nenhuma fixação social importante. Essa extrema-esquerda é mesmo mais fraca, mais tímida do que seus antecessores dos anos 1970. E a sua incapacidade de aumentar organizacionalmente é uma demonstração a mais da evolução midiática do sistema político e da vida política deixada pelo antigo PCF – vazio não preenchido pela esquerda do ponto de vista social e organizacional e apenas muito parcialmente do ponto de vista eleitoral.

Em compensação, essas duas formações conseguiram conquistar um lugar no debate político. A LO ajudou a legitimar seu discurso de classe contra classe ao modificar, em 2007, com seu apelo – pela primeira vez – o voto no PS no segundo turno. A LCR, além disso, conseguiu consolidar sua passagem: Besancenot tomou o lugar de Arlette Laguiller com legitimidade midiática, com o voto da juventude e o popular, e um verdadeiro impulso nas eleições parlamentares. Ela conseguiu aumentar sua influência continuamente, dobrando seu número de votos, chegando a 2% – ou a maioria dos votos da extrema-esquerda – destacando-se muitas vezes como liderança na esquerda do PS.

O PCF e os antiliberais

Depois do lançamento das candidaturas de Laguiller e Besancenot, a idéia de uma estrutura, um programa, e candidato comuns não teria sido mais bem representada em 2006 do que pelo Coletivo Nacional de Ação – um grupo antiliberal que reuniu 800 comitês locais organizados pela campanha do “Não”. Ele envolveu o Partido Comunista (PCF), alguns pequenos grupos e personalidades de inúmeras outras organizações políticas, sindicatos e associações, a minoria dita “isolada” da LCR e uma corrente social de esquerda. Após meses de esforço o projeto desmoronou no final. Os comunistas, potencialmente majoritários nesse movimento, decidiram propor como candidato à presidência sua secretária nacional Marie-Georges Buffet, ex-ministra. Um referendum entre os membros do PCF obteve mais de 96%.

Ela concorreu com dois outros candidatos: Yves Salesse, mediador experiente de um clube de meditação, mas desconhecido do grande público, e Clementine Autain, jovem auxiliar de um líder socialista de Paris, feminista, próxima da corrente refundadora do PCF. O sistema da eleição, apesar de sua complexidade (não se podia votar da mesma forma em todos os comitês!), fez, no entanto, surgir uma confortável maioria para Marie-Georges Buffet, responsável por 63% de participações. A reunião nacional (um verdadeiro congresso) que deveria escolher o candidato não decidiu nada. Manifestou-se então uma dupla indignação proporcional. A minoria, mesmo de comunistas, acusou o PCF de ter manipulado a vitória de sua representante, impedindo de concretizar um acordo de cúpula, segundo o qual o candidato deveria ser “consensual”. E a maioria insurgiu-se contra as repercussões qualificadas de “anticomunistas”, fazendo com que esse voto majoritário legítimo fosse contestado sob pretexto de que seu vencedor seria a secretária nacional do Partido Comunista Francês.

Consumava-se uma ruptura. Amargamente, as minorias reuniram 300, dos 800, comitês em 20 e 21 de junho, lançando – não sem contradições internas – a candidatura de José Bové, considerado por alguns produto de uma nova formação política (que poderia ser, segundo Yves Salesse, menos dependente do movimento operário).
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Os comunistas divididos

Esse drama de fins de 2006 explica-se em grande parte pela mistura de debate que percorre a esquerda da esquerda (unidade e/ou diversidade) com aquele debate maior específico que percorre os comunistas (identidade e/ou agrupamento). Durante décadas, o PCF obteve o voto da esquerda, a mais operária, popular e radical. Depois de um período de enfraquecimento o PCF introduz a esse debate uma “mutação” ideológica e organizacional e entra logo em seguida ao governo dito da esquerda plural (1997-2002). Em menos de dez anos essa dupla procura de revitalização de legitimidade, esforçando-se para afastar os fantasmas do passado, leva a um resultado contrário ao anterior: divisão em dois, eleitoralmente e, mais ainda, em termos de efetivos – em três. Além disso, esse partido, tradicionalmente militante e disciplinado, termina desmoralizado e dividido – o que, por sua vez, enfraquece e divide a esquerda em seu conjunto.

Se o PCF em 2002 obteve um resultado minúsculo de 3,6% isso poderia parecer não ser senão uma vítima passageira de uma experiência governamental desacreditada daquele período. Ele logo avançou, por certo ligeiramente, nas eleições parlamentares (5%), mas perdeu proporcionalmente em relação a 1995. Com 1,9% em 2006 a hesitação não seria mais permitida. Esse resultado mostrou definitivamente que não havia nenhum suporte comunista independentemente das conjunturas e que nenhuma retificação faria mais ressurgir espontaneamente um eleitorado comunista natural. Nessa época houve a perspectiva das eleições parlamentares (naturalmente mais favoráveis ao PCF do que as presidenciais, como em 2002). Quando, enfim, o PCF obteve 4,7% das urnas, o índice mais fraco da sua história, paradoxalmente ocorreu – avaliadas as condições – aos olhos de todos os observadores e, sobretudo, no coração dos militantes, uma espécie de renascimento. Em lugares que as pesquisas previam a perda de metade dos votos, 18 dos 21 deputados foram reeleitos. O que é pior, reeleições em velhos distritos foram notórias, como as do presidente do grupo comunista na Assembléia, Alain Bocquet, que passou de 39% a 47% no primeiro turno e foi reeleito com 69% no segundo. Ao mesmo tempo, essa concentração do eleitorado comunista destaca igualmente a ampliação da marginalização dos resultados de inúmeras circunscrições. Em razão disso, o voto comunista não aparece mais massivamente como um eleitorado social e politicamente diferenciado na esquerda, como ocorreu durante décadas, mas mantém-se como opção admissível em certas configurações frente à direita.

Evolução da esquerda

Depois dessa dupla derrota, mesmo com o segundo turno das eleições parlamentares revelando-se mais venturoso que o previsto, o PS ficou dividido, por suas tentações centristas e suas correntes isoladas na esquerda, entre a legitimidade de seus dirigentes e a de sua deplorável candidatura. A esquerda antiliberal sofre alterações.

Os comunistas estão preparando um congresso para o final de 2007 e alguns setores propõem a criação de um novo partido.
Os Verdes estão reduzidos.

Por toda parte, a palavra-mestra é refundação, usada por todas as correntes para relançar algo novo, re-alinhar uns a outros, o que produz, num primeiro momento, um movimento geral de dispersão, com profunda convicção de que ao mudar os nomes as coisas melhorem. Há uma fraqueza orgânica da esquerda, social e organizacionalmente, profunda e não superficial. Ganhar as próximas eleições está certamente em sua pauta, mas para mudar a sociedade falta-lhe o essencial.

A França e o mundo, amanhã

Que papel internacional a França pode jogar em nível mundial e, em primeiro lugar, no ponto central de suas relações com os Estados Unidos? O presidente desempenha um papel institucional e real essencial no âmbito das relações internacionais e de defesa. “Minha atribuição no relacionamento com os EUA é conhecida”, diz Sarkozy, “ela me vale algumas críticas na França”. “Eu não sou inexpressivo (…) Assumo essa amizade, estou orgulhoso dessa amizade (…) Eu a reivindico”.

A personalidade do eleito explica claramente a correlação de forças atual e a futura. Nicolas Sarkozy marca o último suspiro da tradição gaullista em nível de Estado, em parte conservado por Jacques Chirac. Porém, 75% dos franceses desejam uma política internacional distante dos Estados Unidos.

Seu programa internacional está, sobretudo, fora da França, onde ele encontrará, num primeiro momento, seus sustentáculos mais sólidos. George W. Bush, cada vez mais isolado no cenário internacional e em seu país, com a guerra contra o Iraque, pode se alegrar, enfim – com justa razão – por ter um amigo sincero e devotado na presidência da França e no ministério do comércio, o socialista Bernard Kouchner, ex-governador de Kosovo. Aparentemente, o acordo da ordem imperial reina, pois, em Paris.

Ségolène Royal, por sua vez, teria revitalizado a tradição social-democrata moralizadora: democracia, direitos do homem e outros valores tomados como “europeus” diante de certa barbárie, reconhecida no restante do mundo, onde China, Rússia, Índia e Irã são vivamente condenados ou apresentados como perigosos.

Se existe uma diferença verdadeira em matéria de política internacional, amanhã ela se estabelecerá, menos sobre os impulsos de isenção e moralidade, em nome dos quais a França traz do passado conquistas coloniais “emancipadoras”, guerras de “pacificação” ou, mais recentemente, de bombardeios punitivos – que por força da expressão dessa apaixonada alma francesa de liberdade e independência, desafiam a onipotência americana. Hoje, em meio a outros grandes valores partilhados de fraternidade, igualdade e solidariedade internacionalista, parece estar além do bem e do mal.

Patrick Theuret é diretor de publicação da revista Correspondências Internacionais. Tradução de Maria Lucilia Ruy.

EDIÇÃO 91, AGO/SET, 2007, PÁGINAS 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67