Especialmente dedicado aos alunos,
Professores e pais de alunos
da Escola Estadual Dalcídio Jurandir,
em Ponta de Pedras; e de todas mais
escolas das ilhas do Marajó,
na preparação ao Centenário
de nascimento do escritor marajoara.

 

Construindo a idéia da reserva da biosfera do Arquipélago do Marajó

Camaradas, camaradas, aleluia!
Farinha no prato e peixe na cuia
Fui remando devagar de bubuia
Pra amarrar na beira mea canoa
A idéia faceira e tão boa
Que agora a gente vai contar:

breve história do “Araquiçaua”
Era uma vez o homem do mato dito “bom selvagem”
O famoso guerreiro tremendão
Tupinambá! Olha lá, aonde vai chegar.
Sem o índio danado a gente
Estava lascado no mato sem cachorro
A bom pedir socorro a Deus e aos homens
Lá de riba no Governo do mundo.

Foi ele, sim senhor; quem carregou
No ombro o soldado, o padre e o doutor
Que andaram paresque em andor
Que nem santo de barro com cuidado
Pra não se quebrar no caminho
Mato adentro cheio de espinho
Bem devagarinho, que nem menino
Levado pela mão
Rio abaixo e rio acima na panacarica
A bom remar e rimar no cabo do remo
Até os confins da conquista do país das amazonas…

Deixa estar que o bom tupinambá
Não era índio de brincadeira,
De carnaval ou do Boi no terreiro…
Com ele o tapuia não caia na besteira
De conversar na boa, era pau a pau.
O diabo era o tupi canibal
Caçador de escravo a troco de nada.
E o pior de tudo dessa guerra
Na terra de nosso avô Tapuia
Que o tupinambá comeu muita gente
Assada no moquém
E bebeu sangue vivo sem motivo
Só e só pra conquistar
A ilha do homem chamado Marajó
O índio brabo dito abaeté
Atravessava a baía em ubá
Escondia-se no igarapé
Mas a gente da ilha esperta
Revidava levando a guerra a bordo de igarité:
Nessa contradança doida
Que nem leseira “Remo x Paysandu” de secador
O conquistador tarado não se fez de rogado
Matou nosso avô, se amigou
Com a nossa avó.

Mas, a estória não ficou assim:
Se não me falha a memória o povo da ilha
Filha da pororoca foi à forra.
Cá t'espero meu canibal danado!
O Nheengaíba valente armado até o dente
Não vacilou: quieto esperou o inimigo
Com a zarabatana de paxiúba,
O estrepe de patauá envenenado de 'curabi'
Zup! O guerrilheiro emboscado
Aparece de repente à frente do outro
E assopra a seta e acerta em cheio…
Lá se foi o tremendão rolando
Tonto pelo chão até a morte.

Aquilo era um mistério, um terror
Que o bom selvagem não atinava
Com o poder do pajé açu que preparou
Esse veneno tremendo (na verdade
uma velha matriarca dona do Medo
e senhora do segredo fatal da Jararaca,
a temida bruaca da tribo: Matinta Pirera!):
Assim ficou sendo
Diz-que o “homem malvado”, Marajó:
Aruã, Anajá, Mapuá, Guaianá, Muaná
Samanajá e outros mais guerrilheiros ilhanos
Pela exigência da luta biruta, na paz 'sumanos'
Que na língua-boa Nheengatu do invasor
Eram “nheengaíbas”, povo Língua-ruim chamado
Na verdade, o destemido e bonito povo Nuaruaque.

Oh, por Deus! Veja se presta
Estragar a hora da sesta
Pra continuar essa guerra agora
Que somos todos parentes da mesma
Gente e família misturada
Que deu na “raça” dos Cabocos
Saídos do oco do mato
Cheios de bicho de pé e carrapato.

Por essa via dolorosa arruinou-se a Roça-Comum
Dos povos ribeirinhos e o pirão dos meninos
Foi aberta a brecha por onde entrou a Dor
O colonizador arrastando ao tronco
O negro escravo arrancado do seio
Da mãe África
Pra carregar a cruz em lugar do índio
No calvário amazônico.

Você acha isto direito?
Mas por que diabos esta estória começou
Assim, sem pé nem cabeça?

Aqui não havia “índios”, nem “pretos”, nem “brancos”…
Éramos todos farinha do mesmo saco
Gente da mesma laia na humanidade em flor
A mesma comunidade “Ananatuba”
Vivendo sem nenhum favor, livre de qualquer temor
A não ser o Trovão e o bicho do fundo
Este maior perigo do mundo.
Nossos ancestrais eram duma humanidade
Filha da animalidade misteriosa e divina ao mesmo tempo.
Doze mil anos nos contemplam neste cenário
Onde o antepassado marajoara inventou
A primeira cultura da Amazônia.

A Cobra grande abriu rios, igarapés e furos
Fez e desfez ilhas, aluiu a terra-firme
Trouxe peixes no bucho que depois viraram gente
Pra comer farinha com a boca cheia de dentes.
Ela nos deu a primeira noite do mundo
Pra consolar as fadigas daquele dia enorme
Desconforme
A noite marajoara com as estrelas
Que nascem do ventre da baía escura
Pelo furo da Mucura.
E a lua nua no trilho da canoa
Que ensina a menina a fazer da vida
O amor.

Sabe, antão, por que se quebrou o encanto
A maravilha no coração da Ilha filha da Pororoca?
Porque lá fora mora o perigo: gente que anda
À procura da sorte além do Cabo Norte
Gente que foge do trabalho escravo, da fome,
Doença, a velhice e a Morte…
Vindos de muito longe esses uns
Viram na ilha distante um paraíso perdido
Pra conquistá-lo eles trouxeram o inferno.

Esta miragem sem pavulagem é o Araquiçaua
O sonho de beleza da própria mãe Natureza
No espelho perfeito da menina dos olhos da gente
Legado aos cabocos há muitas e muitas gerações:
Sítio onde o sol ao fim da jornada
Ata a rede e dorme até a madrugada
À espera de um outro dia mais feliz
Donde o astro desperta ao cantar do Galo
Pra reaparecer no Icoaracy
Delírio poético do rio Pará-Amazonas.
 

O Araquiçaua e a renascença

Por um fado safado saído do mato
A metáfora da conversão das coisas:
A mão que flechava à beça queria paz
Quando no fim do dia
Na hora da ave-Maria
Via o pôr sol no leito do Araquiçaua
Eram horas da Oração do Sol
Reza forte desta gente do norte
Diante do sítio sagrado encarnado
Ao rubro sobre o azul e dourado
Mais brilhante do que o ouro dos alquimistas
Desde a terceira margem do rio
Momento imaginado
A viagem acabada de fio a pavio.

Agora o chão da pobreza se levanta
Espanta a tristeza com certeza
Duma futura manhã melhor pra todos.
E a história recomeça com a estrela D'Alva
Quando a gente recobra a memória
Deste nosso povo singular
Com a idéia do Araquiçaua na cabeça
O renascido sentimento da terra no coração
Enquanto viajantes do tempo
Foram parar na vila de Muaná falada
No dia 8 de outubro do ano de 2003
Pensando em todos vocês
A fim de mandar um recado a Brasília
Na Conferência Nacional do Meio Ambiente
Expressando o pensamento da gente.

Dizendo de maneira bacana:
Excelentíssima Senhora dona Ministra
Marina Morena da Silva acreana
Aqui nas Ilhas da terra tapuia temos uma APA
Que não ata  e nem desata
Nós até já fizemos novena e trezena
À Nossa Senhora da divina Conceição
Pra ver se o que diz a Constituição
É pra valer ou não.
Na parte que nos toca: mingau de tapioca
A tal de proteção ambiental
Não tá tão legal…
Mas isto muito nos interessa
Se andar depressa pra vida ficar bacana
Com a reserva da biosfera sendo sinal
De paz e harmonia entre a fera e a gente afinal
Como diziam os profetas do velho e novo mundo.

O por-escrito de Muaná quase naufragou na travessia,
Passou mal no porto quando encostou no Ver-o-Peso
E finalmente chegou no “teso”
Por estrada até o Planalto Central
Cansado, desfigurado..
Onde se perdeu na multidão de pedidos e gritos de urgência
Dentre papéis da luta sem quartel por mais verbas
Na babel de verbos soberbos
Vindos dos quatro cantos do país do pau-brasil.
Como retirante do norte o bilhete cavou a sorte
Saindo da sarjeta pra dormir numa gaveta.


O grito da pororoca

Onde já se viu?
Meia duzia de cabocos mal mandados
A falar de negócio supimpa, lá em cima;
Mandar bilhete à dona Marina
Pra tratar com os brancos da Unesco
Sem mais pedir licença ao patrão, sem segredo
Sem medo em abuso de confiança!
Dava a pensar que dessa vez
Os libertos da Princesa Isabel
Estavam querendo demais…

Mas a Cabanagem não cansa de ensinar
A quem quiser aprender a verdade da Cidade do Pará
Que aqui o sentinela do Norte está atento e forte
Ao contrário da mentira histórica e da ira colonial
A gente ribeirinha nunca quis se separar
Daquilo que mais buscava desde os comecinhos
Antes dos tupinambás, holandeses, franceses e portugueses:
A República Federativa muito ativa a abrançar
As Ilhas e a Terra-Firme manifesta na história natural
No país do Arapari: constelação do Cruzeiro do Sul.
Esta é a verdadeira mensagem de Muaná
A Conferência Nacional do Meio Ambiente de 2003
Com o abraço brasileiro de todos vocês
A pedir passagem e lugar a bordo do Programa MAB
Na Organização das Nações Unidas para a Educação,
A Ciência e a Cultura..
 

Havia uma pedra no meio do caminho…

Nós somos de Ponta de Pedras
Na ilha do Marajó
Aqui as pedras sabem o reverso da história
Com quantas pontas se dá o nó.

Chove em Cachoeira e Dalcído Jurandir já morreu
Debaixo do sol de janeiro no Campinho ele nasceu
E se foi para o Rio
Conquistar o mundo com Alfredo sem medo de ser feliz.
Este menino mulatinho filho de dona Amélia e o major Alberto
Embaixador cultural das crianças nas Nações Unidas
Representante da república literária da criaturada grande
Do vasto Arquipélago e da imensa Terra-Firme.

Na academia do peixe-frito se aprende sem grito
Como foi que a pescada roubou a pedra do reino
Do tralhoto manhoso
Por conseguinte: quem não mergulha fundo
Tem que haver quatro olhos para os perigos do mundo
No ar, terra e mar…
O caboco mora na filosofia da beiro do rio.
O Payaçu Antônio Vieira seja louvado no elogio
Ao Tralhoto em combate ao mal da cegueira
Do espirito de porco.
Eis a “pedra” da história, pessoal!
A pedra da Pedra no Ver-o-Peso que empata
O progresso desta gente da beira do Mercado.

A pedra se remove com a magia do caroço de tucumã
Mas, sobretudo, com a claridão da Primeira Manhã
Na escola como passaporte ao mundo lá fora
Onde se há de saber que o melhor lugar do mundo
É a nossa aldeia ancestral, verdadeira escola da vida:
Por que, paresque, a história dos povos existe
Pra contrariar o script de acadêmicos impolutos,
O ditado caduco dos barões,
A esperteza sofisticada da técnico-burocracia…

Tira-se a pedra do caminho com a lição de Nelson Mandela
Em mente da gente sem história
Restaurando a utopia do Bom Selvagem,
O mito da Primeira Noite do Mundo
O sebastianismo pós-moderno
Que liberta o luso-tropicalismo
Do fado de Casa Grande & Senzala
E converte o inferno verde em novo Éden.
Tudo isto mestiçado com carinho
Como a mãe tira espinho da ferida do filho.

A demanda da Reserva da Biosfera do Arquipélago do Marajó
Encerra toda história desta gente desde as origens ancestrais
E a remete às futuras gerações nas metas do Milênio:
Por elas afinal
Alfredo recomeçará a procura da Terra sem mal
O lugar do eterno Futuro no jogo do caroço de tucumã
Onde não há trabalho escravo, fome, doença, velhice e morte.
Uma nova busca através da Ciência e da Tecnologia
Orientadas pelos valores do Homem e o respeito à Natureza.

 

 

José Varella Pereira, Belém 22/8/2007
aos 103 anos de nascimento do caboco pontapedrense
RODOLPHO ANTONIO PEREIRA, meu pai.