Hoje, enquanto arrumava minhas lembranças, encontrei uma caixinha de jóias e resolvi abrir. Ali encontrei peças valiosas, folhas secas, papéis de cartas, botões, santinhos, retratos amarelados pelo tempo e muita luz, planos, projetos e sonhos, enfim, pedacinhos de vida, que às vezes vivi e… às vezes apenas escondi. Diante de tanta beleza, deixei de lado minha timidez, pequenos segredos, mistérios, observações … e resolvi dividir meu tesouro com vocês. Peguei a película de uma fita e comecei a puxar, eis o filme que vejo:

      Uma bela mulher caminhando pelas ruas de Pedro II. Era Maria Emília Freire Lopes.

      Minhas lembranças ficaram marcadas pelo seu perfume, mas principalmente pela elegância de seus gestos.

      Neste momento eu sinto uma vontade, que é muito maior do que eu, de falar do brilho, da flor, dos sonhos, e… da fala firme, gestos nobres, temperamento forte, voz de comando… Já pensou dar ordens com a leveza de uma música?… Daquela pequena cidade ela olhava o mundo e vivia o que ele tinha de melhor.

      Tia Maria Emília, como a chamava, na verdade era minha madrinha. Madrinha de consagração. Sempre que a encontrava tomava a bênção e minha mão ficava perfumada. Aquele aroma ficava comigo e me embriagava de carinho e amor.

      Nossos encontros eram casuais, na rua, na igreja, na praça. Às vezes entrava na casa de mãe Adelaide, sua irmã, para pedir a bênção e ficava encantada com um cata-vento que derramava água respingando vida. Olhava aquelas lâminas que cortavam a água, dividindo o canto, que caía em pedaços de sonhos. E aquele vento fresco, molhado invadia a casa, um barulho delicioso que chegava em companhia do silêncio.

      Suas pequenas gentilezas, como arrumar meu cabelo, apertar um laço de fita, uma palavra agradável, um beijo na mão, transformaram-se em sentimentos para nunca esquecer… Seus vestidos de linho, seda ou renda, em nenhum momento parecia suntuosidade, era de uma simplicidade que encantava.

      Andava pelas ruas como quem ignorava o tempo… esquecia a pressa, acreditava apenas na alvorada. Carregava o saber com a leveza dos tecidos esvoaçantes.

      Recostada numa cadeira de balanço, sobrava elegância… aquele movimento que às vezes embala o sono, apenas realçava sua beleza.

      Lembro de ainda menina, ter descido à rua do clube, com meus irmãos. Chegamos para uma visita, sua casa ficava numa esquina, o encantamento foi total. Sabe aquela casa com ar de nobreza? Com móveis, quadros e peças que te aguçam a curiosidade? Ficamos na vontade, nenhuma travessura. A mesa foi montada e tomamos café com leite, acompanhado de bolo de goma, ainda quente. Inesquecível!

      Saber viver numa cidade pequena, rompendo os costumes sem alarde… Suas renúncias tinham a suavidade da brisa fresca do alvorecer… Sabia tomar decisões, mudanças que alimentavam seus dias…

      Costumava iluminar seus espaços, o sol não dormia e quando piscava, as estrelas sorriam, os caminhos nem sempre tinham a mesma direção, mas chegavam… nunca esperou o futuro, soube vivê-lo no passado. Caminhadas que hoje simbolizam certezas e saudades…

      A sua juventude permanente me enfeitiçou e hoje quando abri minha caixinha, fui tomada pela magia do silêncio…

      O silêncio também é uma forma de amar. Os olhos falam mais que a boca. E foi assim que gritei meu amor. Alguém escutou? Não sei. O importante é que amei. Agora busco as palavras para esta declaração, talvez seja muito pequena, não tem a emoção do encontro, não tem o brilho do olhar… é a verdade revelada.

      Tia Maria Emília deixou Laura Rosa. Uma flor, uma mulher… É o perfume e a elegância que ficou.

 

    

Lúcia Ana de Mélo e Silva, Assistente Social, Assessora parlamentar da Câmara dos Deputados em Brasília. Brasília, 14.10.2007