Luta histórica pelas reformas democráticas

Na história recente do país, desde a fundação do Partido Comunista em 1922 – e a partir do final da década de 1950 com as propostas do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) –, as lutas pelas reformas de cunho democrático são manifestadas de formas variadas em jornadas de lutas populares. Mas é com a chegada de João Goulart à presidência da República, em setembro de 1961, que a luta pelas “reformas de base” (reforma agrária, urbana, universitária, fiscal, administrativa) desempenhou maior força e dimensão, tornando-se bandeira política de união do movimento social de então e se transformaram em bandeiras do novo governo.

Essa união – povo com novo governo – deu grande impulso à luta por reformas, mobilizando grandes contingentes de trabalhadores, estudantes, intelectuais, desencadeando grande força-motriz política, destampando profundos sentimentos democráticos e populares, sempre contidos pelas forças conservadoras dominantes. Estas – diante do ascenso das luta por reformas de base popular –, desesperadas, passaram por cima da própria legalidade institucional vigente, com apoio de agentes do imperialismo norte-americano, mobilizando as forças armadas e setores das camadas médias da população a deporem o presidente João Goulart e barrarem o crescente movimento reformista, estabelecendo uma forma de ditadura aberta de feição militar.

O fim do ciclo ditatorial e a vitória da luta pela redemocratização do país – que desaguou nas grandes jornadas da luta pelas “diretas já” e, finalmente, na convocação da Constituinte em 1987 – reabriram o caminho da luta pelas reformas democráticas em novas condições históricas. A própria Constituição de 1988 encampou aspectos importantes políticos, econômicos e sociais que exprimiam aspirações reformistas democráticas. A campanha eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989, apresentou de certo modo em seu programa uma plataforma, nessa nova fase, de uma retomada e desenvolvimento das reformas de cunho democrático.

Entretanto, a luta pelas reformas democráticas, expressão de uma resposta avançada à nossa injusta realidade estrutural e a impasses políticos, mais uma vez é truncada com o advento de uma época de ascenso das idéias conservadoras, com o fim da URSS, avanço globalizante do capitalismo e apogeu do paradigma neoliberal, que se transformou na imposição de um modelo único para a América Latina (Consenso de Washington), aceito de maneira geral pelos setores capitalistas dominantes nesse Continente.

No Brasil, a década de 1990 está vincada pela aplicação dessas políticas liberalizantes dominantes, que começaram a se impor no final da década de 1980 e tiveram sua fixação e edificação nos oito anos dos governos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). Hoje, as várias vitórias de governos democráticos, de base popular, na América Latina, são uma resposta política inédita aos estragos causados pela aplicação dessas políticas dominantes neoliberais que agravaram os graves problemas estruturais dos países latino-americanos e caribenhos e jogaram a maioria dos seus povos em uma situação de maior marginalização social.

A vitória original de forças democráticas e de esquerda – expressa na chegada à presidência da República no Brasil, em 1º de janeiro de 2003, de L. I. Lula da Silva, abrindo um novo ciclo político no país –, reascendeu a esperança e a possibilidade da aplicação de um novo projeto de desenvolvimento nacional que procurasse responder aos históricos impasses estruturais brasileiros, retomando assim a definição e consecução das reformas democráticas.

Luta atual entre reformas e contra-reformas

A definição do novo projeto defendido pelo governo Lula foi sendo cunhado resumidamente como: projeto de desenvolvimento nacional com progresso social, soberania nacional e integração solidária continental. Nesse sentido, pela dualidade vivida pelo governo, produto da real correlação de poder político – forças conservadoras economicamente dominantes e detentoras de grande poder político, em contraposição a forças democráticas e progressistas iniciantes na governança –, a aplicação desse novo projeto obteve avanços nos seis anos de governo; contudo, esteve sempre dificultado por pesados entraves resultantes das pressões e de êxitos conservadores.

Nesse contexto, as reformas de cunho democrático, ainda parciais ou mitigadas, “convivem” em meio à concretização de reforma neoliberal (maior liberalização do câmbio e do fluxo de capitais e reforma da previdência, apesar de também parcial) como no primeiro governo, e de constantes pressões reformistas neoliberais (reforma trabalhista, reforma política e tributária conservadoras, nova reforma da previdência).

Pela minha avaliação, a resultante dessa luta entre reformas e contra-reformas (democráticas x conservadoras) é que definirá o êxito pleno da aplicação do novo projeto de desenvolvimento nacional, mencionado acima, assumido pelo programa do segundo governo Lula. A luta pela democratização da sociedade consiste em fundir o avanço da democracia política com desenvolvimento econômico e avanço do progresso social, tornando-se um avanço único, inseparável. Esse é o caminho para o êxito do novo projeto de desenvolvimento nacional com as características assinalas.

Desse modo, as forças interessadas na concretização desse novo projeto e as que lutam ainda para ir mais adiante, em minha opinião, deveriam se unir em torno da consecução da proposta recentemente reapresentada pelo PCdoB, já apresentadas no Manifesto de lançamento do Bloco de Esquerda, em 20 de junho de 2007, de seis reformas democráticas – política, tributária, midiática, educacional, agrária, urbana – que visam promover a mudança nas estruturas políticas, econômicas e sociais a fim de superar o atraso, as desigualdades, a discriminação, a restrição à liberdade política e de opinião. Em relação às forças de esquerda essa plataforma reformista democrática pode ser um meio de encontro e construção da unidade, superando a dispersão e a fragmentação de propostas e de ação hoje existentes.

Momento propício para avanço das reformas democráticas

Em virtude de um conjunto de fatores objetivos e subjetivos, o momento é propício para o avanço da luta em prol das reformas democráticas. Há uma relação de estímulo recíproco no ascenso da luta democrática e popular na América Latina que favorece as forças avançadas no Brasil; começa a se viver a fadiga dos paradigmas neoliberais, agora agravada com a recessão da economia dos Estados Unidos; o governo Lula, diante da investida da direita que subtraiu subitamente uma apreciável parcela de recursos fiscais, – num orçamento com investimento contido e numa situação de desaceleração da economia mundial – pode ser levado a ter de assumir um viés mais à esquerda.

Volta com força o dilema de que o Brasil não deve pagar a crise dos países ricos e dos grandes rentistas, sacrificando mais a maioria da nação. Ou seja, neste momento, diante da aversão ao risco na lógica do mercado financeiro, se deve “pisar no freio”, voltar a elevar a taxa de juros, valorizando mais o real, cortando mais despesas, ou se deve “pisar no acelerador”, superando a política econômica persistentemente contracionista, reforçando a trajetória do projeto de nação com desenvolvimento acelerado, distribuição de renda e integração solidária do continente. A lógica conservadora dominante no Brasil, expressão dos grandes interesses financeiros, é sempre concretizada na defesa do arrocho fiscal e monetário em qualquer situação: na aceleração econômica para conter a inflação, ou na recessão para defender os grandes credores da “aversão ao risco”. Evidentemente, devemos nos empenhar para combater a lógica monetarista ortodoxa, mobilizando as forças democráticas e populares e o pensamento político econômico progressista, porque é essencial sustentar a aceleração do desenvolvimento iniciada em 2007. A volta da retomada do aumento dos juros (ainda altos), congelamento de despesas públicas e do salário mínimo real, contenção da expansão do crédito é, na prática, manter-se no círculo vicioso do desenvolvimento medíocre, vivido pelo Brasil por mais de duas décadas, conhecido como “vôo de galinha”. Não é possível, assim penso, avançar nas reformas democráticas, superando impasses estruturais, sem um crescimento a taxas elevadas e continuadas. Isso não é uma retórica, mas o resultado da história dos países hoje desenvolvidos e dos atuais que buscam uma alternativa dinâmica para crescerem e se modernizarem.

As forças democráticas, populares e progressistas, aproveitando-se dessa situação – influência do avanço democrático e popular no continente, fadiga dos dogmas neoliberais e crise no centro do sistema capitalista, e dificuldade crescente do próprio modelo monetarista contracionista no Brasil –, devem se organizar e se mobilizar, procurando ao mesmo tempo impulsionar o governo Lula para avançar na consecução do projeto de desenvolvimento nacional, voltado para democratização da sociedade, soberania nacional e integração sul-americana.

Opinamos que a luta pelas reformas democráticas devem ser debatidas e desenvolvidas com base nas propostas oferecidas pelos partidos progressistas e de esquerda e pelo movimento social, levando em conta o que já vem sendo defendido e aplicado pelo governo federal no âmbito da educação, do campo e das cidades, das suas propostas de reforma tributária e da TV pública e os projetos de reforma política em debate no Congresso Nacional.

As reformas de cunho democrático ainda são parciais ou mitigadas, “convivem” em meio à concretização de reforma neoliberal (reforma da previdência, apesar de também parcial) como no primeiro governo, e de constantes pressões reformistas neoliberais (reforma trabalhista, reforma política e tributária conservadoras, nova reforma da previdência)

União em torno das reformas democráticas

A proposta de luta em prol das seis reformas democráticas pode se tornar uma referência de unidade das forças avançadas e se constituir numa plataforma de proposição organizada neste momento para se contrapor à influência ainda poderosa das contra-reformas neoliberais, abrindo caminho para vingar o novo projeto de desenvolvimento. Nos marcos da linha democratizante, consideramos como esboço básico dessas propostas de reformas:

A luta por uma reforma política democrática, apesar de propagandeada como a mais importante, tem merecido certo empenho de alguns setores do movimento social e tem sido alvo de debate no âmbito do Congresso Nacional, da mídia e da academia. No âmbito da Câmara dos Deputados– apesar de importante avanço no nível das comissões, a última tentativa de aprovação em plenário, apesar de sucessivos esforços com essa finalidade, depois de varias rodadas– a definição e a aprovação de uma reforma política mesmo parcial, que mudasse o sistema eleitoral, não prosperaram .

Tendo em vista uma compreensão melhor desse embate pode-se distinguir, grosso modo, duas correntes opostas na discussão dessa reforma. Cada qual parte de avaliação distinta e apresenta propostas diferenciadas para as disfunções do sistema político vigente. Segundo o líder da bancada do PCdoB na Câmara dos Deputados, Renildo Calheiros, uma corrente “pretende aperfeiçoar a democracia na direção do fortalecimento dos partidos políticos, na garantia da expressão plural da sociedade e na criação de instrumentos que coíbam a influência do poder econômico no processo eleitoral”. Outra, “é composta por setores interessados em congelar o sistema político-eleitoral, de modo a preservar os espaços de poder que já ocupam. Esses atores políticos vêem as mudanças nas regras eleitorais como instrumentos de manutenção do status quo e, por isso mesmo, buscam introduzir amarras na legislação para impedir o surgimento, e o crescimento, de novas forças políticas”.

O PCdoB se integra na primeira corrente, sobretudo se se considera nosso tempo político, no qual o país atravessa ainda uma fase de democracia em formação, cuja diversidade político-partidária não pode ser representada por apenas dois ou três partidos, sendo dessa forma uma imposição mecânica de um partido de direita, de um de centro e outro de esquerda. Em decisão histórica, o próprio STF, em julgamento acerca da obrigatoriedade da cláusula de barreira de 5%, tomou posição contrária, manifestando-se com base na Constituição de 1988 e de seus princípios pétreos, em defesa do pluralismo partidário e do direito das minorias, contrário ao esmagamento das representações políticas menores. Reafirmamos a defesa da linha de uma ampla reforma política democrática que assegure o pluralismo partidário, o fortalecimento dos partidos e o constrangimento da influência do poder econômico, tornando a participação popular nas eleições menos desigual.

A reforma que vise à democratização da mídia e à defesa e valorização da cultura nacional. A assunção de Lula à presidência da República, e a ocupação de posições de poder e de maior liberdade política pelas forças democráticas e populares, inversamente, não permitiram que essas novas forças galgassem maior acesso aos instrumentos midiáticos de comunicação massiva, mantendo-os nas mãos de grupos monopolistas tradicionais conservadores que, ao contrário, adotaram uma posição de desconfiança e de oposição ao novo governo. Lula ficou sujeito a uma agenda política revanchista e de defesa do pensamento único neoliberal. Por isso, a luta pela democratização da mídia, contra a imposição monopolista, e ligada à defesa da produção que valorize e divulgue a cultura nacional, assume um lugar de importância estratégica para o avanço da democracia e defesa da soberania nacional.

Nesse sentido, a criação de uma televisão pública de âmbito nacional tornou-se um dos grandes objetivos do atual governo e que vem sendo combatido pelas forças conservadoras e oposicionistas. Sua criação significa o preenchimento de uma necessidade cultural atualmente não apropriada pelos sistemas estatal e privado de comunicação e que somente poderia ser ocupada por uma rede pública de comunicação. Esse anseio foi expresso, inclusive, por representantes de diversos setores sociais na Carta de Brasília, resultado do I Fórum Nacional de TV´s Públicas, realizado em maio de 2007, em Brasília.

A criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) poderá ser veículo relevante no avanço democrático, bem como ator no processo de construção da identidade brasileira. Os objetivos fixados se referem ao fomento à produção regional e à produção independente; e direcionamento de suas atividades para finalidades educativas, culturais, artísticas informativas, científicas e promotoras da cidadania. Essa iniciativa do governo merece o nosso apoio, merecendo ainda emendas que democratizem mais a nova TV Pública, como as apresentadas pelo deputado federal Flávio Dino, do PCdoB, democratizando os conselhos administrativo e curador, além de outras, cláusulas no mesmo sentido.

Contudo, a democratização dos meios de comunicação compreende uma luta contra poderosos interesses, porquanto a questão nodal é a liberação para concessão de canais de TV e de radiodifusão para centros de ensino e pesquisa e organizações sociais e destacadamente, a acessibilidade aos registros para implantação das rádios comunitárias, que na atualidade passam por verdadeiro bloqueio, impedindo o acesso ao rádio às inúmeras comunidades das grandes cidades e do interior, que necessitam desse importante meio de comunicação para seu progresso em todos os terrenos.

A luta pela reforma da educação visa principalmente universalizar e elevar o nível de qualidade da educação e estender a rede de cursos técnicos e multiplicar o acesso ao ensino de terceiro grau, a fim de formar uma sinergia com a política de inovação científico-tecnológica e política industrial, sendo um suporte-chave para o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, a educação de qualidade, sem discriminação, para todos, é um fator básico para redução da desigualdade social. Para tudo isso, essa reforma requer grande investimento, definição sistemática e estratégica, planejamento adequado e formas modernas de gestão e meios de controle eficazes.

No terreno da reforma da educação o governo Lula faz um grande esforço, com iniciativas positivas que merecem apoio e outras que devem ser mais bem desenvolvidas e aperfeiçoadas. A campanha “Uma Escola do Tamanho do Brasil”, sintetizadora do eixo educacional da campanha eleitoral de Lula, contemplou propostas de democratização do acesso e garantia de permanência nas escolas em todos os níveis e modalidades de ensino. Também, considerou fundamental a construção de um Sistema Nacional Articulado de Educação, responsável por organizar o esforço de gestão democrática e cooperativa do Estado e da sociedade.

Deste modo, via ações legislativas – como o envio do projeto de lei que trata da Reforma Universitária (em tramitação), do Fundeb (já aprovado), bem como as ações propostas pelo Plano de Desenvolvimento da Educação (PAC da Educação) e ações legislativas pontuais encaminhadas ao Congresso Nacional – o governo procura responder às graves questões de nossa educação. Além disso, o governo Lula apresentou a proposta de Piso Salarial Profissional do Magistério Público da Educação Básica que tramita no Congresso e o Projeto de Lei das cotas de vagas nos vestibulares apoiado pelo governo. O Plano de Desenvolvimento da Educação (PAC da Educação), um conjunto de 30 ações anunciadas pelo MEC, procura atingir um novo patamar de qualidade na educação básica a partir de novos padrões de gestão e de financiamento. A quase totalidade das 36 ações previstas pelo PDE será viabilizada por ações próprias (portarias e decretos) do Ministério da Educação.

A luta pela reforma urbana vem adquirindo maior dimensão pela mobilização crescente dos movimentos de bairros e moradores que assumem as bandeiras pela universalização do saneamento básico, contra a especulação imobiliária e pela moradia decente para todos, do transporte coletivo de qualidade e pela regularização da titulação fundiária, que merecem ser melhor explicitadas. A reforma urbana é necessária porque as cidades “incharam”, cresceram com muita rapidez, onde 85% da população brasileira vivem nos centros urbanos. As cidades necessitam hoje de uma reforma urbana efetiva, com definição sistêmica, que enfrente a especulação imobiliária e permita que a grande maioria da população tenha residência própria; que resolva o problema gravíssimo da falta de saneamento básico, pois boa parte das cidades não conta com saneamento básico, e a grande maioria tem reduzida rede de saneamento. Esta é uma questão de caráter estrutural, que afeta inclusive a saúde da população, tornando ineficaz o avanço no terreno da saúde preventiva; reforma que enfrente o problema da construção de redes de transporte coletivo eficiente. A Reforma Urbana, consistente de um plano de conjunto, é necessária e urgente e não pode ser mais postergada.

Da parte do governo, não conhecemos proposta de definição e ação sistêmica que compreenda respostas aos vários problemas estruturais das cidades grandes, médias e pequenas. As principiais ações de que temos informação sobre o tema urbano se referem ao Fundo de Habitação Social (Ministério das Cidades) e ao Programa de Saneamento Básico e melhorias domiciliares (Ministério das Cidades e Funasa/M. Saúde), ambos constantes como ações do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Não existem proposições legislativas relacionadas a esse tema em tramitação ou cuja apresentação tenha sido anunciada.

A luta pela reforma agrária vem de longe, é a que atingiu maior radicalização política em nossa história recente e, ainda hoje, mobiliza expressivo contingente de massas na luta pela terra. É preciso situar nas condições atuais, tempo e lugar, e na correlação de forças, o embate pela reforma agrária em um país que o capitalismo penetrou em todo campo, mantendo a grande propriedade territorial com variação de dimensões conforme as regiões, gerando uma situação de desenvolvimento desigual: faixas de agricultura intensiva, com o uso de alta tecnologia, extensiva, com baixa produtividade, e até grandes propriedades improdutivas e extensas parcelas de terra devolutas. Reflexo dessa realidade a luta pela reforma agrária adquire diferentes formas e está submetida a muitos limites econômicos e políticos. Hoje, a luta pela reforma agrária tem apreciável contingente mobilizado em torno do MST, Contag e outras organizações de sem-terra. Os movimentos dos sem-terra, na prática, se concentram em implantar os assentamentos, desenvolvendo esforços ainda incipientes, como o MST, para organizá-los numa cadeia integral agro-industrial. A Contag nas regiões sudeste e sul do país, através de suas Federações, está voltada para a defesa de uma política agrícola que sustente e fortaleça as propriedades de tipo familiar e nas regiões nordeste e norte se concentram mais na defesa da bandeira da distribuição da terra.

Na realidade, a ação do governo Lula pela execução da reforma agrária tem se voltado para a compra de terras visando à fixação dos assentamentos e à ampliação do crédito e de algumas concessões para as propriedades familiares. Ao fim e ao cabo vai perdendo espaço para a política simplesmente distributivista, onde somente em determinadas regiões é ainda apreciável a exigência por distribuição de terra e encontra poderoso obstáculo, pelo nível de monopolização do desenvolvimento capitalista no campo, o caminho de construção de uma cadeia produtiva integral, agro-industrial, que organizasse em nível produtivo mais avançado o conjunto dos pequenos e novos proprietários de terra. Visando atualizar a luta pela reforma agrária para responder às novas exigências políticas, econômicas e sociais, do nosso ponto de vista, é necessário: a definição de qual questão agrária é atual no Brasil, a união das forças políticas e sociais necessárias para enfrentá-la e as decorrentes formas econômicas e administrativas alternativas.

A luta pela democratização da mídia, contra a imposição monopolista, e ligada à defesa da produção que valorize e divulgue a cultura nacional, assume um lugar de importância estratégica para o avanço da democracia e defesa da soberania nacional

Reforma tributária – hoje carro-chefe das reformas democráticas

Em face dos acontecimentos do curso político atual, a reforma tributária vai ocupando o lugar de carro-chefe das reformas. A derrota do governo na prorrogação da CPMF “descobriu” e trouxe à tona a realidade crua do sistema tributário brasileiro: a resistência dos mais ricos a bancarem o financiamento estatal. A resposta do governo diante do tombo ao elevar as taxas do IOF e da CSLL – para recuperar parte do que foi perdido, incidindo maior tributação sobre operações financeiras e sobre o lucro – do mesmo modo provocou forte gritaria nos redutos financeiros dominantes. O apoio imediato prestado por lideranças populares e personalidades democráticas à iniciativa do governo e conclamando o povo a lutar por uma reforma tributária democrática e justa, é um sinal dado para o começo de uma luta política fundamental que é reflexo de uma histórica questão estrutural – as profundas desigualdades sociais e regionais do Brasil.

A luta por uma reforma tributária democrática requer ousadia e embate político radical porque envolve muitos e poderosos interesses. É preciso conquistar e construir condições, sobretudo considerando-se a correlação de forças no Congresso Nacional para aprovação de uma reforma que mude o regressivo e concentrador sistema tributário brasileiro, que impõe à população uma das mais pesadas cargas tributárias sobre o consumo. Em nosso país, quem ganha até dois salários mínimos gasta 26% de sua minguada renda no pagamento de tributos indiretos, enquanto o peso da carga tributária para as famílias com renda superior a 30 salários mínimos corresponde apenas a 7%. O imposto de renda tem baixa progressividade, tendo somente duas faixas de rendimento e seu piso inicial de contribuição é muito baixo. Assim também é a desproporção entre a renda do trabalho e a do capital. Os impostos sobre a propriedade são muito baixos, como expressa o pífio desempenho de arrecadação do ITR (Imposto Territorial Rural).

A outra questão de fundo se refere ao problema federativo, por causa do deslocamento produtivo relativo entre Regiões e descompassos relativos ao PIB regional no PIB nacional e respectiva participação na arrecadação do ICMS total. Em função da cobrança do ICMS na origem, a mudança na posição relativa dos entes federados e a política fiscal de disputa de investimentos produtivos – “guerra fiscal” – cria uma situação de maior incentivo à reforma tributária, mas, ao mesmo tempo torna-se o principal entrave à sua realização, porque todos temem que no novo reequilíbrio acabe sendo perdedor. Sem a intervenção política forte da União, construído um novo pacto federativo o impasse perdurará.

O Brasil, na atualidade, apresenta uma realidade de tributação indireta e em cascata onde proporcionalmente pagam mais as camadas pobres e o pacto federativo acaba se fragmentando em face da tensão fiscal. Prevalece uma situação de irracionalidade no conjunto da arrecadação fiscal. Os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso concentraram a arrecadação no Governo Federal e aumentaram fortemente a carga tributária.

A derrota do Governo na prorrogação da CPMF “descobriu” e trouxe à tona a realidade crua do sistema tributário brasileiro: a resistência dos mais ricos a bancarem o financiamento estatal

Os articuladores políticos do Governo Lula anunciaram que o Executivo apresentará neste primeiro semestre do ano uma proposta de reforma tributária. Mas não é fácil mudar tanta deformação. Sem uma mobilização política e social de maior envergadura os resultados serão insignificantes. As forças progressistas e o movimento social precisam defender uma reversão no atual sistema de financiamento do Estado, tendo em vista acelerar seu desenvolvimento e reduzir as desigualdade e discrepâncias, tornando realidade uma reforma que enfrente os pontos-chave: tornar o sistema tributário mais progressivo e equilibrar a distribuição da arrecadação entre os entes federativos.

Algumas propostas, entre outras, se apresentam: elevar a participação dos impostos diretos (sobre renda e patrimônio) no financiamento do Estado brasileiro; o imposto de renda deve contar com, pelo menos, mais uma alíquota acima da atual segunda faixa de renda; o imposto sobre grandes fortunas deverá ser criado como suplementar ao imposto de renda; federalizar o atual imposto estadual de transmissão de herança, que passaria a ter alíquotas progressivas, sendo a metade da arrecadação entregue aos estados; manter a Confins e a CSLL como fonte de financiamento do Orçamento da Seguridade; vincular parte da alíquota da nova Confins ao financiamento do Regime Geral da Previdência Social, em substituição ao atual encargo patronal sobre a folha salarial; transferir a cobrança e a destinação do ICMS totalmente para o destino de forma imediata ou num curto prazo de transição; os estados produtores seriam compensados por suas eventuais perdas num período hábil, através de um fundo compensatório sob controle da União.

Renato Rabelo é presidente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)

EDIÇÃO 94, FEV/MAR, 2008, PÁGINAS 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12