Tenho as melhores lembranças da rua da minha infância. Quando penso na minha rua, a vejo ensolarada no interior do Piauí. A minha rua era o espaço de todas as brincadeiras. A minha rua tinha uma posição estratégica. A minha rua era porta de entrada da cidade. A minha rua me mostrava dia-a-dia o que era a vida.

      No sábado, por exemplo, era dia de feira,  e sempre começava agitado. Pela minha rua passavam homens e mulheres do campo, tangendo seus burros de carga. Levavam surrões cheios de rapadura, sacos de milho, feijão, arroz, farinha e  goma. Era a produção da roça. Também desciam pela minha rua as mulheres com grandes fardos de redes na cabeça, eram  artesãs que desfilavam  mostrando sua arte. Também passavam as mulheres com pequenos balaios de verduras,  os caminhões com suas carrocerias superlotadas de homens, mulheres e crianças disputando espaço com pequenos animais e grandes sacas de legumes. Havia mulheres com cestos, panelas, pratos, colheres, fogareiros… eram as cozinheiras que tinham barracas no mercado.

      Juntavam-se a esses personagens o vendedor de galinhas e o vendedor de criação(bodes e carneiros), as lavadeiras com trouxas de roupa e as mulheres que equilibravam latas d'água na cabeça. Fazendeiros e vaqueiros eram um espetáculo à parte. Chegavam à cavalo, entravam galopando, vinham lado a lado, pareciam iguais. Um olhar atento de criança e podia-se perceber a diferença, no porte dos animais e nas vestimentas, uns usavam  linho, era a representação da fidalguia, os outros, couro, eram os vaqueiros.  Ali no início da minha rua amarravam os animais nas árvores e caminhavam em direção ao centro da cidade, onde fariam negócios.

      A movimentação da minha rua não era apenas no sábado, era diária e   mostrava o cotidiano da vida de uma cidade do interior. Passavam homens e meninos que tocavam jumentos com ancoretas d'agua, paravam de casa em casa, abastecendo os potes, contribuindo assim para a continuidade da vida. Passavam os meninos carvoeiros na minha rua a me lembrar da poesia de Manuel Bandeira. Eh! Carvoeiro. Passavam os trabalhadores, e a rua se vestia de esperança.Passavam os estudantes e a rua se iluminava de sonhos. Passavam os religiosos e a rua se cobria de bençãos.Passavam os políticos e a rua  respirava democracia.As prostitutas também passavam . E a rua se perfumava de carência e  abandono.

      A minha rua me deu uma visão de mundo. Ali aprendi a respeitar as pessoas e compreendi a beleza dos contrastes. A minha rua não era uma rua qualquer. Mostrava-se  imponente e majestosa. Ela era a mais importante. Ela tinha alma. Ela não era só uma rua,  era muito mais. Era uma Avenida. A Avenida Coronel Cordeiro.
 
 

Publicada em 2007, na Coletânea: Prosa e Poesia na terra da Opala – Fundação Municipal de Cultura de Pedro II/PI