Logo Grabois Logo Grabois

Leia a última edição Logo Grabois

Inscreva-se para receber nossa Newsletter

    Comunicação

    O lenhador

    Um lenhadô derribava as árve, sem percisão, e sempe a vó li dizia: meu fio: tem dó das árve, que as árve tem coração. O lenhadô, num muchocho, e rindo, cumo um sarvage, dizia que os seus conseio não passava de bobage. Às vez, meu branco, o marvado, acordano munto cedo, pegava nu seu machado, […]

    POR: Redação

    6 min de leitura

    Um lenhadô derribava
    as árve, sem percisão,
    e sempe a vó li dizia:
    meu fio: tem dó das árve,
    que as árve tem coração.

    O lenhadô, num muchocho,
    e rindo, cumo um sarvage,
    dizia que os seus conseio
    não passava de bobage.

    Às vez, meu branco, o marvado,
    acordano munto cedo,
    pegava nu seu machado,
    e levava o dia intero,
    iscangaiano o arvoredo.

    E a vó, supricano im vão,
    sempe, sempe li dizia:
    meu fio: tem dó das árve,
    que as árve tem coração.

    Numa minhã, o mardito,
    inda mais bruto que os bruto,
    sem fazê caso dos grito
    da sua vó, que já tinha
    mais de setenta janero,
    botô nu chão um ingazero,
    carregadinho de fruto.

    Doutra feita o arrenegado
    inda fez munto pió:
    disgaiô a laranjera
    da pobrezinha da vó,
    uma véia laranjera,
    donde ela tirô as frô
    prá levá no seu vistido,
    quando, virge, si casô,
    há mais de cincuenta ano,
    cum o difunto, o falicido.

    E a vó, supricano im vão,
    sempe, sempe li dizia:
    meu fio: tem dó das árve,
    que as árve tem coração.

    Do lado do capinzá,
    adonde pastava o gado,
    tava um grande e véio ipê,
    que o avô tinha prantado.

    Despois de levá na roça
    cuma inxada a iscavacá,
    debaxo daquela sombra,
    nas hora quente do dia,
    vinha o véio discansá.

    Se era noite de luá,
    ali, num banco de pedra,
    cuma viola cunversano,
    o véio, já caducano,
    rasgava o peito a cantá.

    Apois, meu branco, o tinhoso,
    o bruto, o mau, o tirano,
    a fera disnaturada,
    um dia jogô no chão
    aquela árve sagrada,
    que tinha mais de cem ano.

    Mas porém, quando o mardito
    isgaiava o grande ipê,
    viu uns burbuio de sangue
    do tronco véio corrê!
    Sacudiu fora o machado,
    e deu de perna a valê!

    E foi correno…correno!

    Cada tronco que ia vendo
    das árve, que ele torô,
    era um braço alevantado
    dum home, meio interrado,
    a gritá: Vai-te, marvado!
    Assassino! Matadô!

    E foi correno! correno!

    Cada vez curria mais!

    Mas porém, quando já longe,
    uma vez oiô para atrás,
    vendo o ipê alevantado,
    cumo um home insanguentado,
    cum os braço todo torado…
    cada vez curria mais!

    Na barranca do caminho,
    abandonado, um ranchinho,
    entre os mato entonce viu!
    Que vê si apara e discansa,
    e o ranchinho por vingança,
    im riba dele caiui!

    E foi correno, e gritano!
    e as árve, que ia topano,
    o que má pudia vê,
    cumo se fosse arrancada
    cum toda a raiz da terra,
    numa grande disparada
    ia atrás dele a corrê!

    Na boca da incruziada,
    veno uma gruta fechada
    de verde capuangá,
    o home introu pulo mato,
    que logo que viu o ingrato,
    de mato manso e macio,
    ficô sendo um ispinhá!

    E foi outra vez correno,
    cansado, pulos caminho!

    Toda a pranta que incontrava,
    o capim que ele pisava,
    tava crivado de ispinho…

    Curria e não aparava!

    Ia correno sem tino,
    cumo o marvado, o assassino,
    que um inocente matô!

    Mas porém, na sua frente,
    o que ele viu, de repente,
    que, de repente, impacô?

    Era um rio que passava,
    ali, naquele lugá!
    O rio tinha uma ponte:
    o home foi atravessá!

    Pôs o pé.. Ia passano.
    E a ponte rangeu quebrano,
    e toca o bicho a nadá!

    O bruto tava afogano,
    mas porém, sempre gritano:
    socorro, meu Deus, socorro
    socorro, que eu vô morrê!

    Eu juro a Deus, supricano,
    nunca mais na minha vida
    uma só árve ofendê!
    Entonce, um verde ingazero
    que tava im riba das agua,
    isticou um braço verde,
    dando ao home a sarvação!

    O home garrô no gaio,
    no gaio cum os dente aferra,
    foi assubino, assubino…
    e quando firmô im terra,
    chorava cumo um jobão!

    Bejano o gaio e chorano,
    dizia: Munto obrigado!
    Deus te faça abençoado,
    todo ano tê verdô!
    Vô rebentá meu machado!
    Não serei mais lenhadô!

    Depois desta jura santa,
    pra tê de todas as pranta
    a graça, o perdão intero
    dos crime de home ruím,
    foi se fazê jardinero,
    e não fazia outra coisa
    sinão tratá do jardim.

    A vó, que já carregava
    mais de setenta janero,
    dizia que neste mundo
    nunca viu um jardinero
    que fosse tão bom assim!

    Drumia todas as noite,
    dexano a jinela aberta,
    pra iscutá todo o rumô,
    e às vez, inté artas hora,
    ficava, ali, na jinela,
    uvindo o sonho das frô!

    De minhã, de minhã cedo,
    lá ia sabê das rosa,
    dos cravo, das sempreviva,
    das maguinólia cherosa,
    se tinha durmido bem!

    Tinha cuidado cum as rosa
    que munta vó carinhosa
    cum os seus netinho não tem!
    Dizia a uma frô: Bom dia!
    Como tá hoje vremêia!
    Dizia a outra: Coitda!
    Perdeu seu mé! Foi robada!
    Já sei quem foi! Foi a abêia!

    Despois, cum pena das rosa,
    que parece que chorava,
    batia leve no gaio,
    e as rosa disavexava
    daqueles pingo de orvaio!

    Ia panhano do chão
    as frô que no chão cai!

    Despois, cum as costa da mão,
    alimpano os pingo dágua,
    que vinha do coração,
    batia im riba do peito,
    cumo quem faz confissão.

    Quando no sino da ingreja
    tocava as Ave Maria,
    no jardim, ajueiado,
    pidia a Deus pulas arma
    das frô, que naquele dia
    no jardim tinha interrado!

    E agora, quando passava
    junto das árve, cantano,
    chei dágua carregano
    o seu véio regadô,
    as árve, filiz, contente,
    que o lenhadô perduava,
    no jardinero atirava
    as suas parma de frô!

    Fonte: www.interpoetica.com