Amazonas nos conclamou a superar a crise do marxismo e do socialismo como uma tarefa notável, maior desafio de nosso tempo. O sentido que tem a crise do socialismo no seu pensamento, após anos de reflexão e elaboração sobre o tema, foi bem expresso no 8º Congresso, em 1992 e, sem dúvida, está na base dos ulteriores sucessos do PCdoB em vir enfrentando a crise e se fortalecer no cenário político brasileiro.

O 8º Congresso e a crise do socialismo

O 8º Congresso fala de crise interior do marxismo, que não é a primeira. Reporta-nos à crise da II Internacional, da qual Lênin emergiu como homem extraordinário de pensamento e ação revolucionária, desenvolvendo o marxismo para as condições de seu tempo.

A análise da crise dos anos 89-91, que leva ao fim dos Estados socialistas na URSS e Leste Europeu, alcançando até a Albânia, tem por ponto de partida os eventos de meados dos anos 50, que se aprofundou com a dominação revisionista desde Kruschev até Gorbachev. Essa análise do 8º Congresso envolveu fatores objetivos e subjetivos.

Não é crise de decadência, mas de desenvolvimento do marxismo e do socialismo. Reclama novos procedimentos científicos, para a reelaboração da teoria da construção do socialismo. Num determinado momento da construção avançada do socialismo, com Stalin e PCUS à frente, a vanguarda não esteve à altura teórica de interpretar os fenômenos novos que surgiam. A teoria revolucionária se apresentava em fase de estagnação, gerando um vazio e o descenso da onda transformadora.

Esse enfoque do 8º Congresso apontava para formular de maneira nova, a teoria revolucionária, defendendo e desenvolvendo os fundamentos marxistas, para uma teoria atualizada que abarque os problemas do nosso tempo. Estagnada como está a teoria não poderá cumprir sua missão.
Portanto, a crise do marxismo e do socialismo se resolve fundamentalmente no campo teórico.
A consciência da crise foi se impondo progressivamente: as perspectivas e impasses das revoluções do último quarto do século XX; a débâcle do Leste e ausência do campo socialista como sistema de Estados; a poderosa ofensiva ideológica do capital financeiro, sob hegemonia norte-americana, que perdura até hoje. Esse quadro impôs nova realidade ao movimento transformador, de defensiva estratégica, período de crise ideológica, ao qual poderíamos agregar uma crise programática e uma crise orgânica dos partidos revolucionários.

O pensamento de Amazonas

João Amazonas foi o principal ideólogo do Partido, homem de ação, político experiente, com uma obra prática e ideológica saliente. Seu pensamento foi elaborado na ação e para a ação, e de certo modo se confunde com o pensamento do PCdoB, de seus congressos. Abarca várias dimensões – teórica, ideológica, política, estratégica, tática, internacionalista, de ação de massas. Devido à sua formação marxista consolidada, esse pensamento tem papel central no exame dessa crise. Foi a alma da elaboração do 8º Congresso, acima descrita.

Pode-se falar que há dois marcos essenciais do pensamento e ação de Amazonas – 1962 e 1992. Um deriva do cisma histórico do movimento comunista, de 1956, do qual emergiu a reorganização do PCdoB; o outro, deriva da confirmação de uma derrota estratégica do movimento operário revolucionário com a queda da URSS e do leste europeu no fim dos anos 80. Para Amazonas, a elaboração do diagnóstico da crise do marxismo e do socialismo nasce com as contendas ideológicas de meados dos anos 50, após a morte de Stálin. Não se configurou em toda a inteireza, desde o início, mas se acertou no atacado, e a vida comprovou esse acerto. O tema abarca, assim, décadas, e ainda está em curso, mostrando quanto são prolongados tais combates.

O marco de 1962 tem Amazonas como protagonista destacado. Ele fora participante da célebre Conferência da Mantiqueira, em 1943, que reorganizou o PCB após as pesadas ofensivas da ditadura do Estado Novo, e passa a integrar o Secretariado Nacional. Vai fazendo suas experiências e consolidando suas concepções. No documento “50 anos de luta” (de 1972) ele vai relatar a falta de estabilidade da orientação política do PCB (direitismo em 45-46; esquerdismo do manifesto de agosto de 1950; certo artificialismo do Programa de 1954; direitismo escancarado do manifesto de março de 1958), relacionando-a com o pouco domínio do marxismo-leninismo. Faz curso na URSS em 55-56, que julgou importante, embora com críticas a seu esquematismo pró-soviético. Lá presenciou in loco a mudança da direção do PCUS, em prol de Kruschev. Sistematizou, anos depois, sua convicção da existência de um golpe nesse processo, e a ausência de reação da classe operária e do PCUS.

A reorganização do Partido Comunista do Brasil em 1962 nasce do embate frente a esses processos, e frente ao nacional-reformismo oportunista que tomou de assalto o PCB. Amazonas foi afastado da direção, apodado como “stalinista”, passando anos no RS e, após o 5º congresso, encabeça com Grabois, Pomar e outros o Congresso Extraordinário de reorganização do PCdoB em 1962.

Foram anos de intenso confronto ideológico, nos quais se buscou desmascarar o “revisionismo contemporâneo”, expresso nas opiniões encabeçadas pelo PCUS – a competição e coexistência entre capitalismo e socialismo, e o caráter do Estado e do Partido, “de todo o povo”. Registre-a aí a coragem da frontalidade que caracterizou Amazonas. O novo posicionamento tirou conseqüências no campo internacionalista – estabelecendo-se a ligação com China e Albânia, primeiro, e depois o rompimento com a China, face à teoria dos três mundos. Construiu-se campo internacional do marxismo-leninismo no combate anti-revisionista.

Tal combate perdurou por quase 45 anos, nos quais Amazonas amargou, junto com o PCdoB, forte pressão pelo isolamento ideológico.

No plano da reflexão nacional, mantém-se o pensamento de duas etapas estratégicas da revolução brasileira, que vem da 3ª. Internacional e da análise que se fazia da realidade brasileira – o caráter nacional, democrático, antiimperialista e anti-feudal da revolução na primeira etapa, e socialista na segunda. Esse relativo mecanicismo no pensamento do Partido, com o tempo, cedeu lugar a uma compreensão mais interligada das duas etapas. Nova conclusão só vai ser extraída nos marcos do aprofundamento da crítica e autocrítica no 8º Congresso em 1992.

Com a Perestroika e avanço da crise do campo socialista, relança-se em outro patamar exame da crise do socialismo, preparando o terreno do aprofundamento do exame da crise do socialismo que está na base da permanência e êxitos do PCdoB desde então. Retrospectivamente, pode-se verificar método de João Amazonas: esse foi um programa de investigação e pesquisa, válido ainda hoje, que esteve na base de toda sua produção até 1996-7. A teoria da traição dos dirigentes à frente do PCUS era insuficiente. Tampouco era suficiente bradar contra o stalinismo, ou deixar de refutar as mentiras e calúnias contra Stálin. A causa real era sim o abandono da causa do socialismo, a longa transição do socialismo ao capitalismo que se processara na URSS, mas elas provieram de erros reais na construção do socialismo na URSS e no modelo único de socialismo que se erigiu, com Stálin à frente. Eis aí o enfrentamento de certa unilateralidade que se verificara no combate – correto – ao revisionismo.

Enfim, chegou-se àquela conclusão já explanada do 8º Congresso – a teoria, ao não ter respondido às exigências da evolução social, entrou em crise”. De 1992 a 1998, Amazonas vai dar curso ao seu programa de investigação e extrair notáveis contribuições teóricas. Circunscreva-se aqui uma, absolutamente central: não há modelo único de socialismo. Daí partiu a re-descoberta de Lênin, a categoria da transição ao socialismo, o papel do capitalismo de Estado nessa transição. Essa foi a pedra angular que permitiu a João Amazonas descortinar os novos lineamentos do Programa Socialista do PCdoB para o Brasil.

Seu programa de investigação findou pelo exame da questão do Partido, à importância a dar aos desvios de concepção do partido e sua luta, que levvaram à degenerescência os partidos de molde soviético. “O Partido é força decisiva da revolução”, se ele degenera, degenera a obra de construção da nova sociedade. Afinal, o socialismo trata do primeiro regime econômico e social construído conscientemente, pela vontade humana. Sem teoria revolucionária não há edificação da nova sociedade.

As perspectivas

É preciso superar a crise no campo da teoria, desenvolve-la criadoramente, renovar o marxismo revolucionário; superar o dogmatismo que empobrece a criatividade e a dialética.

Socialismo não se firmará num golpe só – é mais difícil e complexo, não linha reta; é toda uma época de transição do capitalismo ao socialismo, com diversas etapas e fases intermediárias.
Não há modelo único de revolução e edificação do socialismo – diversidade de caminhos e modos na conquista do objetivo comum. Nessa luta, patriotismo e internacionalismo proletário se coadunam. Não há nação soberana sem Estado Nacional soberano.

A saída para o Brasil é o socialismo, abordado em cada aproximação, não mais como bandeira de propaganda, mas sim atuando no curso dos acontecimentos políticos cotidianos, lutando pela hegemonia do proletariado revolucionário, forjando a luta de amplas massas, e fortalecendo seu partido, o PCdoB.

Socialismo não é perspectiva longínqua, inacessível, mas sim exigência do desenvolvimento histórico. Sua realização vitoriosa depende da justa direção dos comunistas, resulta da luta tenaz e consciente das massas.

Esses são alguns dos ricos legados do pensamento de Amazonas, que se confundem com o próprio pensamento do PCdoB. Como ele mesmo disse, em perspectiva: “Assim será o século XXI – no início trevas, depois luz”. O socialismo vive

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* Alguns pontos que foram desenvolvidos em palestra no seminário sobre o pensamento de João Amazonas, IMG/SP, 27 de maio de 2004