Aldo Rebelo responde a Maria Rita Kehl
Cara Maria Rita Kelh,
Li com a atenção devida seu artigo Tristes trópicos, publicado em O Estado de S. Paulo de 26/10/2010, com a mesma acuidade que dedicava aos que publicava no semanário Movimento quando era articulista da seção de Cultura e eu um mero distribuidor e propagandista do jornal em Alagoas. Mudou o mundo, mudamos todos, mas eu não mudei tanto – não a ponto de ver impassível uma pessoa que tenta exibir preocupações sociais escrever um artigo recheado de patranhas que, parafraseando sua formação psicanalítica, poderia chamar de histeria textual.
Seus comentários sobre o relatório e o projeto de lei do novo Código Florestal por mim apresentados à Câmara dos Deputados desfilam um rosários de ironias, acusações e conclusões absolutamente infundadas – como a de querer impingir concentração de renda e da propriedade da terra, extinguir empregos e expulsar famílias para favelas e a marginalidade, incentivar o agronegócio e boicotar a reforma agrária, apoiar o desmatamento, a desertificação do território e a redução da água, de mentir ao pôr o debate em termos entre desenvolvimentismo e ambientalismo, de ignorar o bem-estar das futuras gerações, e outros crimes ou impropriedades abjetos.
A questão é: qual a fonte de suas conclusões? Em um texto de 5.765 palavras presumivelmente decorrentes de meu projeto de lei, dedica apenas 217 a propostas que me atribui, e erra virulentamente nas duas remissões: quando afirma que “o novo código de ´reflorestamento’ propõe reduzir de 30 para 7,5 metros a extensão obrigatória das matas ciliares nas propriedades rurais”; e ao dizer que “outra piada é isentar as pequenas propriedades da reserva florestal obrigatória.”
A primeira coisa que se pede a um crítico é honestidade intelectual – pois, mesmo que ele ache que seus criticados não a tenham, cabe-lhe honrar o exercício da crítica com ao menos a reprodução literal do que julga estar corrigindo. Ao contrário do que você diz, num típico movimento de seguir o estouro da boiada ao “ouvi dizer”, o projeto que apresentei não reduz as áreas de proteção permanentes dos cursos d´água de 30 metros para 7,5 metros. Leia bem o que está escrito no art. 3.º do projeto: a proteção marginal vai oscilar do mínimo de 15 metros para os cursos d’água de menos de 5 metros de largura, ao máximo de 500 metros para os que tenham largura superior a 600 metros.
Os estados poderão aumentar ou reduzir em até 50% essas faixas, desde que respeitem em lei as recomendações do Zoneamento Ecológico Econômico, do Plano de Recursos Hídricos elaborado para a respectiva bacia hidrográfica e “de estudos técnicos específicos de instituição pública especializada.” Ou seja, a possibilidade de aumentar ou diminuir a faixa de proteção leva em conta a diferença dos biomas e ecossistemas, e assim previne o erro da lei atual que abarca a dimensão continental do Brasil e sua diversidade exuberante com números tirados da cartola. E qualquer mudança terá de ser cientificamente justificada.
Considerar como “piada” a isenção de reserva legal nas pequenas propriedades, argumentando que um latifundiário poderá ir ao cartório e subdividir suas terras em glebas de no máximo quatro módulos rurais
é, isto sim, uma anedota. Curiosamente, certos críticos chafurdam na distorção de, ao pretensamente atirar no agronegócio, alvejar os pequenos proprietários e produtores rurais que dizem defender, mas sem noção do que eles são e representam para o Brasil. O eixo de meu projeto de lei é a proteção do pequeno agricultor, transformado em delinqüente por um cipoal legislativo que o Estado promulga mas não aplica – sobretudo contra os predadores da natureza. Os pequenos são perseguidos dia a dia. Não importa aos supostos ambientalistas nem aos burocratas do Ibama que eles ponham comida em nossas mesas com um trabalho penoso e mal remunerado. São a imensa maioria no campo: segundo o Censo Agropecuário de 2006, detêm 4,3 milhões dos 5,2 milhões de propriedades rurais do Brasil, ocupando apenas 24,3% da área (ou 80,25 milhões de hectares), observando-se que 2 milhões de imóveis têm menos de 10 hectares.
A esses predadores da natureza é que beneficia meu projeto, desobrigando-os da reserva legal mas obrigando-os a manter qualquer capão ou nesga de capoeira subsistente na propriedade. Se o “gênio do
mal” que mora em você já teve a idéia de repartir glebas sucessivamente até o mínimo de quatro módulos rurais, imagine o quanto isso seria difícil: uma propriedade de 1 milhão de hectares na Amazônia teria de ser retalhada em 2.500 lotes de até quatro módulos – isso nos locais onde o módulo maior é de 100 hectares. Só os custos de cartório inviabilizariam tal operação, não fosse a ressalva já antecipada na parte do projeto de lei que trata da manutenção da reserva legal: “Em caso de fracionamento do imóvel rural, a qualquer título, inclusive para assentamentos pelo Programa de Reforma Agrária, será considerada (…) a área do imóvel antes do fracionamento.” Ou seja, o gênio do bem que mora em mim brecou a malvadeza antes de que se pudesse insinuar.
No mais, repasso-lhe a recomendação de Truman Capote, para quem um escritor, mesmo um ficcionista, só deve escrever sobre o que conhece.
Atenciosamente,
Aldo Rebelo
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Leia o artigo de Maria Rita Kehl aqui.