Esta é a Estação da Mogiana em Cravinhos, nos dias atuais. Esta foto é de 2001, do fotógrafo Dirceu Baldo. A estação foi desativada definitivamente em 1971. Atualmente serve ao Departamento de Água e Esgotos da Prefeitura Municipal de Cravinhos.

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      Corria o ano de 1959 em Cravinhos – SP (Brasil). Início do mês de outubro; calor forte.
     
      Tarde de certa sexta feira… . 
     
      Na plataforma da estação da Mogiana, alguns funcionários da prefeitura montavam pequeno palanque, que dava para a praça defronte à estação de trem. Por ordem do prefeito da época em fim de mandato, Manoel Arantes Nogueira, janista inveterado, improvisou-se um teste do som; os alto-falantes foram montados defronte à Casa Takekawa, próximo da Casa da Lavoura e fim de linha da Serrana -Cravinhos. A plataforma estava nos trinques: tudo limpo e bem polido, inclusive a sala de espera, os banheiros, etc. Bandeirinhas volpianas, feitas de papel de seda multicores enfeitavam os beirais da estação, do lado de dentro e do lado de fora.

      A razão do reboliço era a esperada visita do candidato à presidência da república, digníssimo Sr. Jânio Quadros.Jânio começava sua campanha com o mote de “varre, varre, vassourinha; varre, varre a bandalheira; o povo já está cansado, de viver dessa maneira…”. Como seu mandato anterior de governador de São Paulo estava em alta, Jânio resolveu percorrer de trem o interior de São Paulo, talvez lembrando feito de Lênin durante a Revolução Russa de 1917.

      Jânio iria parar em tantas cidades quanto possíveis, pois seu inimigo figadal da política também era de São Paulo: Adhemar de Barros quase venceu Jânio na eleição de governador. A diferença de um por cento dos votos a favor de Jânio foi bastante contestada à época. Por sorte, ou competência, Jânio fez um governo popular e ficou bastante valorizado pelo eleitorado, inclusive pelos adhemaristas. Daí a importância das visitas às cidades. Cravinhos estava no roteiro, pois o prefeito antecessor, Pedro de Gásperi (1952 a 1955), era adhemarista. Jânio precisava detonar a campanha de Adhemar, pois esse seria seu adversário na eleição presidencial, além do Marechal Lott.


Foto histórica de uma composição do trem da companhia Mogiana. Muitas cidades paulistas ainda mantém estações transformadas em museus à céu aberto, mostrando salas da estação, locomotivas e vagões. Em Campinas existe um museu excepcional, aberto à visitação.

      Foi pelo telégrafo, em código Morse, que o chefe telegrafista da estação Mogiana de Cravinhos, Sr. Toninho, neste dia vestido de camisa social, colete e gravata borboleta, que chegou a informação: Jânio havia acabado de chegar à estação de São Simão. A parada para o pequeno comício iria demorar de quarenta e cinco minutos a uma hora, portanto o Sr Toninho avisou o prefeito Manoel Nogueira, que dentro de uma hora e meia, Jânio estaria chegando a Cravinhos. Manoel Nogueira conferiu o discurso de boas-vindas que leria do alto do palanque, escrito com esmero. Leu e releu. Um assessor da prefeitura sugeriu então que o prefeito deveria usar a Banda Municipal de Música, a popular “Chorosa”, para abrilhantar o evento. Dito e feito: o prefeito mandou vir todos os integrantes da banda.

      O fato é que ninguém conseguiu encontrar o Seu Benedito, o negro que era o chefe e maestro da banda Chorosa. Todos os integrantes da banda estavam a postos no palanque. O telegrafista já havia recebido a mensagem do colega de São Simão, que Jânio já estava embarcando no trem. As crianças do Grupo Escolar João nogueira já estavam perfiladas na plataforma da estação, abanado pequenas bandeiras do Brasil; o discurso do prefeito estava decorado, a estação estava bonita, só faltava chegar o Seu Benedito, o comandante da Banda Chorosa. Na janela do telégrafo da estação, um guarda civil “tomava conta” do trabalho do Sr Toninho, nosso ilustre telegrafista. De repente, o guarda civil saiu correndo com um bilhete do telegrafista ao prefeito: O trem que trazia Jânio já havia saído de São Simão!


Estação Mogiana da cidade de São Simão, que precedia à de Cravinhos. A foto mostra a estação pioneira, nos anos da fundação da companhia, fim do século XIX e início do Século XX.

      O prefeito, em cólicas, pedia que encontrassem o seu Benedito bem rápido; ele foi encontrado no Bar dos Palmarin, na Rua Quinze: estava bêbado como um gambá!

      Despejaram água quente pela goela abaixo do maestro da Chorosa, ao mesmo tempo em que ele era carregado nos braços de dois praças da guarda civil. Um assessor aflito segurava o nariz do maestro para que ele engolisse um copo cheio de bicarbonato de sódio com água, na verdade, fizeram-no deglutir três copos cheios da panacéia.
     
      Vestiram o maestro também no trajeto; afinal a banda chorosa estava “fardada” e o maestro tinha que estar à altura do evento. O maestro foi depositado defronte o prefeito que pediu que imediatamente distribuísse aos músicos as pautas cifradas do Hino Nacional Brasileiro. O prefeito queria fazer assim a saudação ao futuro presidente da república.

      O maestro mal teve tempo de dizer que não tinha nenhuma partitura ali, quando o trem, trazendo o candidato à presidência chegou, com a locomotiva a lenha, envolvida em fumaça e vapores da caldeira parou com certo estrondo na estação de Cravinhos.

      Rapidamente, o prefeito e seus assessores subiram no vagão principal para cumprimentar o candidato e o retiraram do comboio, levando-o pás mão (e braços) do prefeito até o palanque.

      O Seu Benedito, maestro da Chorosa, ao invés de esperar pelas falas do prefeito e do candidato, a um comando de voz exagerado, fez cm que a chorosa atacasse o samba à moda paulista de autoria do compositor Eduardo Souto, a única música que a Banda chorosa tocava “de ouvido”, decorado, pois era a música que ensaiavam todos os encontros em todas as semanas, por longos anos: Tatu Subiu no Pau.

      A confusão se estabeleceu, o prefeito pedia para a banda parar, o seu Benedito eufórico não ouvia, o candidato presidencial achou-se ofendido e desprestigiado. Desceu rapidamente do palanque e embarcou no comboio, a caminho de Ribeirão Preto.

      Há quem diga que quando o Dr. Palma assumiu a prefeitura de Cravinhos (1959 a 1963) não quis mais manter a Chorosa. Muitos desafetos acreditam até hoje que a cidade deixou de receber benesses, pela falta de partitura do Hino Nacional; além de um estadista do porte do Jânio ser homenageado por uma música bem caipira:

      – “Tatu subiu no pau/EH, EH, EH/Tatu subiu no pau/Que diabo que vai ser?….”

N. A.: abenção Eduardo Souto!

Póstfácio:

1) A Companhia Mogyana de Estradas de Ferro, foi criada em 18 ou 21 de março de 1872, pela Lei Provincial nº 18.A sede ficava na cidade de Campinas, SP. Sua criação tinha o objetivo, dentre outros, de transportar café e gado, além de passageiros (trens mistos). Em 1946, com a aprovação da Nova Ortografia da Língua Portuguesa, o “ipsilon” foi suprimido da grafia original, passando a chamar-se “Companhia Mogiana de Estradas de Ferro”. A Mogiana foi desativada em 1971, quando mais de oitocentos quilômetros de linhas foram retiradas e centenas de cidades inclusive Cravinhos, deixaram de contar com estrada de ferro; até os dias atuais! O ACAS denota e enfatiza que, além de passar a haver a concorrência do transporte ferroviário (a Rodovia Anhanguera passou pela região entre 1954 a 1957), a data de desativação coincide também com a perda da hegemonia da região de Ribeirão Preto, cujo epíteto era “a capital do café”,como maior produtor mundial de café, para os estados de Minas Gerais e espírito santo; ainda que o estado do Paraná continuasse a produzir,porém em escala menor. A perda da hegemonia dos cafeicultores da região de Cravinhos deveu-se principalmente à praga, conhecida como “ferrugem africana” que destruía todos os cafeeiros e a única solução encontrada pelos cafeicultores, uma vez que os governos não quiseram intervir; foi a erradicação completa dos cafeeiros (vide texto do ACAS “O Café de Jacu”). Cumpre lembrar que uma parte dos fundadores e mantenedores da Companhia Mogiana foram cafeicultores de posses. Sem o “ouro negro” para exportar, a receita da Mogiana despencou e o governo do estado de São Paulo desistiu de mantê-la, por falta de receita autosustentável.

2) Em 1923, ao compor o samba à moda paulista "Tatu subiu no pau", o compositor Eduardo Souto procurou diversificar seu repertório com uma peça bem ao estilo de Marcelo Tupinambá. Criou então uma obra tipicamente caipira, baseada em motivos folclóricos e que apesar dessa característica apareceu com grande destaque no carnaval. Para tal sucesso contribuíram seus métodos de divulgação que incluíam a execução repetida das músicas nos pianos da Casa Carlos Gomes, com distribuição das letras aos transeuntes, e até a criação de um bloco que freqüentava a Festa da Penha, RJ. Para fora do Rio de Janeiro, iam os discos de sua orquestra, gravados pela Casa Edison, da qual foi diretor artístico por vários anos. Ainda em 1923, criou a Orquestra Eduardo Souto com a qual gravou na Odeon as marchas carnavalescas "Goiabada", "Tatu subiu no pau" e "Só teu amor", o cateretê "Piracicaba", o maxixe "Meu bem", o samba carnavalesco "Espanta bode", a toada carnavalesca "Só pra machucar" e o cateretê carnavalesco "Nego véio", todas de sua autoria. Ainda nesse mesmo ano, sua música "Tatu subiu no pau" deu nome a uma revista dos Irmãos Quintiliano apresentada no Teatro São José. Fez ainda as músicas para a revista "A maçã", também dos Irmãos Quintiliano e apresentada no Teatro Recreio. 

      Trinta e seis anos depois, a música “Tatu subiu no pau” fez essa lambança em Cravinhos; pelo menos como visto pelo cravinhense ACAS, que tem licença poética para escrever este conto/causo, fato que se não aconteceu, deveria ter acontecido.

 Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.