Segundo Câmara Cascudo, “… em algumas Regiões a transformação em Lobisomem acontece numa noite de sexta-feira sempre meia noite numa encruzilhada , onde repetindo os atos de um cavalo rolando no chão, a pessoa transforma-se…”.

      Dito isso, fica claro como o povo brasileiro acredita em seres extraordinários. O povo de Piracicaba também é assim; senão vejam:
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                   COBRA GRANDE, SER MITOLÓGICO DO IMAGINÁRIO COLETIVO

      A cidade de Piracicaba estava excitada. A notícia de que naquele domingo chegaria a “verba” para o pequeno zoológico municipal, transformou a cidade. O zoológico só abria às nove horas da manhã do domingo. Defronte os portões do zoológico, uma multidão nunca antes vista, formavam de modo espontâneo e ordenada uma fila defronte do guichê de vendas de ingressos. Seu Zé Modesto, porteiro vitalício, não estava compreendendo aquela multidão defronte do zoológico e imaginou que algo anormal estava por acontecer. Ciente de seus deveres, desempenhado há mais de vinte anos, telefonou ao prefeito, informando-o do que estava acontecendo. O Zé Modesto estava preocupado, pois na abertura do zoológico, só estariam presentes a dona Maurina, uma italiana de mais de um metro e oitenta de altura e cem quilos de massa; o tratador e um guarda municipal.

      O prefeito, alarmado, achando tratar-se de alguma coisa planejada pela oposição, chamou o chefe de polícia militar, pedindo um destacamento, ligou para a Rádio difusora de Piracicaba, anunciando que a oposição estava fazendo uma reunião defronte ao zoológico. A Rádio Difusora chamou a estação de TV regional e repassou o recado. A TV regional fez um link com São Paulo e mostrou aquela multidão defronte ao zoológico. Todos os jornais tablóides da região enviaram urgentemente uma equipe com fotógrafos e jornalistas ao local. Um assessor de um assessor do ajudante do governo do estado de são Paulo disparou que estava havendo uma revolução armada em Piracicaba. O governador, que estava no Palácio da Boa Vista, em Campos de Jordão; chamou a Guarda Nacional e invocou que as forças armadas deveriam dirigir-se imediatamente a Piracicaba para debelar a rebelião. Ordenou ainda que reforçassem aguarda do Palácio do Morumbi e todas as autarquias importantes. O presidente da República, em viagem pelos Emirados Árabes, fez apelo urgente para que a Segurança Nacional montasse barreiras defronte ao Palácio da Alvorada, para impedir que os revolucionários adentrassem o Palácio da Alvorada e à casa do Palácio do Buriti e Granja do Torto. As redes de televisão em boletins extraordinários davam notícia de que uma massa humana sem precedentes iniciava uma revolta em Piracicaba, que poderia alastrar-se pra todo o Brasil. A CNN tentou fazer contato com Piracicaba, mas o Zé Modesto não falava inglês nem espanhol e o contato com a CNN foi definida por ela como que os revolucionários já haviam invadido o zoológico e tomado o poder, montando um “bunker” dentro da casamata, onde funcionava a Administração do zoológico. Chegaram três helicópteros, num deles estava o “Comandante Mário”, que relatava ao vivo para o âncora Zé Luiz Antena, da invasão dos revoltosos na sede administrativa do zoológico. A cidade começou a entrar em polvorosa e a curiosidade aumentou. Chegava gente aos magotes, inclusive das cidades vizinhas: Rio Claro, Limeira, Cravinhos, Sorocaba, Itu, Santa Rosa de Viterbo, São Simão, Campinas, Charqueada… .

      O Zé Modesto, apavorado com o barulho da turba que gritava “Abre, Abre, Abre,….”. Além do barulho dos carros e dos helicópteros, viu um soldado tentando arrombar o portão principal e foi até o quadro de força, na esperança de desligar a energia elétrica do zoológico e acalmar a multidão. Mas, nervoso como estava e pelo fato de estar com um revólver numa da s mãos, tocou sem querer com o revólver nos pólos de fontes de energia, o quê provocou uma chama enorme e uma explosão, ouvida até cinco quilômetros distante dali. O choque que o Zé Modesto recebeu foi tão grande, que o revólver disparou todas as cinco balas. O pobre do Zé Modesto ainda conseguiu sair da cabine de força, mas andou poucos passos e caiu desmaiado, talvez pela enorme descarga elétrica recebida.

     O âncora Zé Luiz Antena, comentando imagens ao vivo, bradou aos quatro cantos que o porteiro do zoológico foi assassinado pelas costas pelos rebeldes e mostrava as imagens gravadas ao vivo. Mostrou cerca de dez vezes em um minuto!

       As imagens mostradas e os comentários foram levados ao ar também pela CNN, inclusive traduzindo as palavras do Zé Luiz Antena. Tais imagens ganharam o mundo.

      Nessa altura, o pátio de estacionamento do zoológico já contava com mais de cinqüenta mil pessoas. Tanques de guerra, com o Exército, distribuíam atiradores de elite entre os barrancos e tentavam conter a multidão, entre aturdida e curiosa.

      Já eram mais de oito helicópteros, que passeavam suas câmeras nas jaulas dos animais, apavorados estes também pelo barulho. A SWAT estadual chegou ao local e afastou os “revoltosos” que estavam defrontes à portaria do zoológico e explodiram com bombas plásticas os portões do zoológico e entraram, protegidos por escudos e máscaras de gás até onde estava o corpo inerte do Zé Modesto. Seu corpo foi envolvido em mantas térmicas e colocado sobre uma padiola e trazido às pressas para fora do zoológico, onde foi introduzido num ônibus/hospital das Forças Armadas, para os primeiros socorros. Nesse instante, entrou no recinto do zoológico, toda uma guarnição da Polícia Militar do Estado, cerca de cinquenta homens armados e protegidos com escudos, dezoito guardas municipais, a Swat, e começaram a varredura do zoológico, tudo filmado pelas câmeras com TV transmitindo direto para doze países do mundo. Na redação do Jornal e TV, o Zé Luiz Antena disparava reclamações e exigia providências das autoridades civis, públicas e eclesiásticas, sobre como pode ter acontecido uma revolução dessas no nariz de todos, sem que ninguém houvesse percebido. Bradava também em querer saber o quê os rebeldes queriam e quais seriam suas intenções com aquela “Intentona”.

      Depois de mais de duas horas, extenuados, vagarosos e sem graça, todos aqueles militares saíam, um a um de dentro do zoológico. Não havia nem sinal de nenhum rebelde dentro do zoológico: absolutamente nada!

      De posse dessa informação, vermelho de raiva, o Zé Luiz Antena resolveu comparecer pessoalmente ao “front”. Chegou de helicóptero, perseguido da massa, dos fotógrafos e câmeras de TV. Foi até o ônibus/hospital. Queria saber pela boca do Zé Modesto qual a razão daquilo tudo.
O Zé Modesto por sua vez já havia se restabelecido. Ao seu lado, estava o vereador Goiabinha, do PV. Este último havia segredado ao Zé Modesto, que a culpa em parte dessa confusão era dele, pois ele havia falado para várias pessoas que encontrou nas ruas, tão alegre estava pelo fato, que Piracicaba receberia naquele domingo a “primeira verba federal para o zoológico da cidade”; ora sendo o povo formado por pessoas muito simples, acreditaram que “verba” era um animal diferente de tudo que conheciam e assim tanta gente se dirigiu ao zoológico, dando início àquela confusão toda.

      Esta história do vereador Goiabinha foi repassada ao Zé Luiz Antena pelo próprio e confirmada pelo porteiro Zé Modesto.

      Difícil foi convencer ao povo que queria adentrar ao recinto do zoológico que não havia nenhum bicho chamado “verba” naquele zoológico. A dispersão do povaréu foi feita aos poucos: primeiro a Swat, depois os policiais militares e a guarda municipal. Depois os fotógrafos e jornalistas dos tablóides e pasquins regionais, depois foi a vez de o Zé Luiz Antena bater em retirada. Depois do âncora de TV, todo o povo foi embora.

      Da repercussão local, nacional e internacional, não se sabe ao certo: a CNN se fez de desentendida e nunca mais falou da revolução em marcha no Brasil. Na verdade, nem meus amigos que moram em Piracicaba até hoje, como o Dirceu Berti, jamais falaram novamente nesse “causo”, nem os pasquins; ninguém!

      -Mas que é verdade é; eu juro!
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Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.