A Dança

Quando Maria Amélia chegou em casa – mais cedo que de costume -, flagrou a Aninha e o Carlos transando.

E foi uma gritaria que, em poucos segundos, todos os vizinhos do barraco estavam sabendo e alguns, curiosos, já compareciam à frente para ver tudo. Minutos depois, saiu o rapaz lá de dentro, com a maior cara de malandro, arrumando as calças e sorrindo para o povo da viela. Por sorte, o tamanco da dona da casa não acerta em cheio seu ouvido. Virou a esquina e sumiu pela escadaria.

Quatro meses depois, lá estava a Aninha de barriga, com a mãe a arrastando, pela orelha, ladeira abaixo. Na descida, alguns meninos formavam um comboio, atraídos pela cena e pela velocidade das duas, que só pararam uma vez para arrumar o chinelo da Aninha, cuja tira se soltou. Pararam em frente à casa do moço. Enquanto uma chorava, a outra batia palmas.

Veio o menino.

“Pode ficar com ela” – já começou Maria Amélia. “Eu nem a conheço”, respondeu o rapaz, já desviando da tamancada e correndo para dentro do barraco. “Vou te mostrar então quem é!”. Aos chutes, ela tentava arrombar à força, enquanto a menina, encostada no poste, com a mão na barriga, chorava.

A porta cedeu à raiva. Ela invadiu o espaço: uns dez metros quadrados de pura sujeira.

Um fogão velho e uns panos pendurados. Ao fundo, uma janela. Havia fugido. Ela foi para fora, grudou novamente na orelha da menina e seguiu até a casa do Senhor Joaquim, ancião da comunidade. Lá, pediu duas porções do chá de erva-fina. O velho, que já vendia a dose preparada, trouxe uma caneca e, aos tapas da mãe, a menina bebeu ainda quente. Depois, soluçando de tanto chorar, entrou na casinha onde havia uma privada para as moças frequentadoras do lugar e, de lá, só gemidos se ouviam. Meia hora depois, com a Aninha ainda tonta, o pagamento – cinco reais – foi feito e as duas subiram o morro. O povo estava vivendo calmamente sua vida e os meninos da rua já haviam sumido. “Isso é pra aprender.”, avisava a mãe. “Tá doendo”, resmungava a menina, que só conseguia pensar no sofrimento e, vez em quando, no Ancelmo, o menino novo do bairro. 

   Luiz Henrique Dias é dramaturgo, diretor da Cia Experiencial O Teatro do Excluído e estudante de Arquitetura e Urbanismo e Gestão Pública. Siga ele lá no twitter: @LuizHD