A data redonda do desaparecimento de Juca, codinome de João Carlos na guerrilha, coincide com o ano de instalação da Comissão da Verdade, que pode esclarecer o que aconteceu com esse herói nacional e reconhecer a participação do Estado em mais um crime do regime militar.

João Carlos Haas Sobrinho – ou Dr. Juca – era natural de São Leopoldo (RS) e estaria com 71 anos se fosse vivo. Formou-se em 1964 pela UFRGS, onde foi presidente do Centro Acadêmico Sarmento Leite, da Faculdade de Medicina. Dois anos depois, integrou o terceiro grupo de brasileiros ligados ao PCdoB que foram para a China, fazer treinamento de guerrilha. Eram 15 dirigentes comunistas, entre os quais João Amazonas e Maurício Grabois.

Em 1967, de volta ao Brasil, instalou-se no sul do Maranhão, na cidade de Porto Franco, margem direita do rio Tocantins. Lá ele abriu uma clínica na qual atendia à população carente da cidade e arredores. Desta forma, marcou a vida de muitos moradores em um local sem assistência.

Em pouco tempo transformou sua clínica no único hospital da região, que atendia a população de Tocantinópolis e de outros povoados vizinhos, carentes de médicos. Seus feitos, como médico, hoje fazem parte da memória da população. Em um deles, precisou improvisar uma cesariana para salvar a vida de uma mulher; como não tinha bisturi, usou uma lâmina de barbear, salvando a mãe e o bebê, do qual se tornou padrinho.

Na pequena cidade maranhense, também se instalaram outros integrantes do PCdoB, como Maurício Grabois, o líder da futura guerrilha. No diário de Grabois, que veio à tona recentemente, João Carlos é mencionado com reverências: “Desprendido, modesto, corajosos, inteligente e capaz, tinha ainda muito a dar à revolução. (…) Desprezou todas as vantagens que poderia desfrutar de sua profissão para se dedicar de corpo e alma à causa da emancipação nacional e do socialismo. (…) Por onde passou deixou amigos e admiradores (…). No futuro, o povo brasileiro reverenciará sua memória como um dos seus melhores filhos”.


João Carlos Haas Sobrinho conversa com um morador de Porto Franco.

Em 1969, Juca deixou Porto Franco. Partiu apesar dos apelos de moradores e autoridades, em praça pública, para que ficasse. Foi para a região do Araguaia, onde, além de medicar crianças e doentes do lugar, atuou como comandante-médico dos grupamentos armados que formariam a guerrilha no Araguaia. Os documentos da guerrilha lembram o médico como “um dos melhores combatentes, tanto do ponto de vista militar, como no aspecto político”.

 

No livro “Mata! O major Curió e as guerrilhas no Araguaia”, de Lonencio Nossa, João Carlos Haas Sobrinho é descrito como “clínico geral, parteiro, um homem afável, que dizia não acreditar em Deus” e que “ficou para sempre nas lembranças dos chefes de família, nas recordações difusas de quem era criança na época da guerrilha”.

Integrante da comissão militar, o órgão máximo da guerrilha, foi morto em 30 de setembro de 1972, junto com mais dois guerrilheiros, perto da localidade de Piçarra, sendo enterrado à noite em Xambioá. Sua morte foi sempre negada pelo Exército e até hoje ele é dado como desaparecido.


Os corpos de João Carlos Haas e de outros guerrilheiros.

 

Homenagem

Nesta sexta, 40 anos depois da morte de Dr. Juca, ele é lembrado pelo Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul, como ícone do Movimento Médico Estudantil. De acordo com a entidade, uma placa será oferecida à irmã do guerrilheiro, Sônia Haas, que, por sua vez, entregará fotos digitalizadas de João Carlos para compor o acervo do Museu.

Na ocasião, o MUHM celebra convênios com o Instituto Histórico e Geográfico do RS (IHGRS) e com o Centro Acadêmico Sarmento Leite (CASL), para preservar e digitalizar os acervos relativos à história da medicina.