Evento de lançamento será na Câmara Municipal de São Paulo, nesta segunda-feira, 20 de maio de 2013, durante a solenidade em homenagem ao centenário de nascimento de Pedro Pomar, a partir das 19h.

Quem observa a qualificação e juventude dos atuais quadros de lideranças comunistas do Brasil talvez não dimensione a força do ideário e da história que este partido carrega, que torna suas lideranças tão especiais e distintas no cenário político nacional. Quando parece que o comunismo é uma ideia envelhecida, conforme querem fazer parecer seus adversários, surgem personalidades capazes de mostrar sua atualidade em meio às crises capitalistas e aos ataques à democracia.
Mas a persistência dessa força não é fruto de alguma novidade sensacional, despontada dos espetáculos pós-modernos da política, ao mostrar lideranças cativantes e ousadas. Muitas gerações de militantes ousados construíram a força desse idealismo e dessa prática política. Muitos pagaram um preço alto para figurar nessa constelação de pioneiros. É essa herança que forma os novos comunistas. Gente como Pedro Pomar deixou um legado que não pode ser ignorado por aqueles que despontam na militância.
Bertolino já demonstrou a eficácia de sua pesquisa e a graça e força de sua escrita na biografia de Maurício Grabois, outro comunista que permeia a trajetória de Pomar, entre outros textos. A apresentação da biografia é de Adalberto Monteiro, jornalista e poeta que preside a Fundação Maurício Grabois e o prefácio de Haroldo Lima, um dos fundadores da Ação Popular (AP), que trabalhava com Pomar na Organização do partido quando ocorreu a Chacina da Lapa.
Este novo texto é uma comovente e sólida homenagem aos cem anos de Pedro Pomar, celebrados neste 2013, e uma contribuição à história das lutas políticas do século 20, sob o ângulo daqueles que a fizeram ao custo da própria vida.
Pomar é dessas lideranças que merecem muitas narrativas biográficas. Sua trajetória permite sutilezas de perspectiva que vão da ação política, ao pensamento estratégico, atravessando os reflexos históricos e pessoais de sua passagem entre nós. Muito do que ele viveu, continua pulsando na vida política atual, muitas vezes sem solução efetiva. Rever sua disposição de enfrentar certas questões ajuda-nos a refletir sobre elas e perceber como é atual a prática política de Pedro Pomar.
O jornalista Osvaldo Bertolino é o autor que se debruçou sobre depoimentos e documentos para confirmar o que já se desconfiava desse grande brasileiro, trazer à público fatos inéditos que permaneciam velados pelas mortes brutais daqueles que o acompanharam em suas batalhas e conectar elementos de sua trajetória que vão fazendo cada vez mais sentido, conforme a pesquisa exaustiva e meticulosa do autor avança.
Um ser político de seu tempo, vivendo as contradições e dualidades da guerra fria e enfrentando as opressões e oligarquias violentas que comandavam o Brasil, Pomar não era homem de meias verdades. Suas atitudes e decisões podiam desagradar ou confrontar camaradas, assim como disputavam os adversários do comunismo. Resgatar essas contradições e mágoas deixadas pelo caminho, e compreendê-las em seu contexto, é parte do desafio do autor.
Junto com os fatos cotidianos que saem da penumbra para ganhar a história, a nova biografia revela a vida de Pomar num painel cativante e rico de detalhes em que podemos viver a história do Brasil, do partido e do movimento comunista internacional como se estivéssemos lá. Mais que um relato curioso da história, que interesse apenas a pesquisadores, “Pedro Pomar, Ideias e Batalhas” ganha o leitor pela crescente épica de sua narrativa.
Originário de uma família que o formou para grandes coisas, Pomar tem sua trajetória política, desde a juventude, envolta em grandes eventos históricos, já no coração da Amazônia com a militância em Belém, no contexto da Revolução de 1930, ou fugindo da prisão com o camarada, João Amazonas, nos distantes anos 1940, enquanto o velho mundo se incendiava com o avanço nazifascista. Se o mundo vive sua remodelação geopolítica após a 2ª. Guerra, no Brasil, o comunista se reconstrói após o golpe repressivo do Estado Novo.
Em meio a tudo isso, Pomar apenas torna sua habilidade política cada vez mais conhecida, junto à intelectualidade e aos artistas que se unem com o avanço do partido junto aos anseios do povo brasileiro. É Pomar que recepciona Pablo Neruda quando o poeta veio participar do comício gigante a Luís Carlos Prestes, no estádio do Pacaembu, em 1945. Forças retrógradas reagiam, banalizando atentados à imprensa popular, incêndios de jornais do Partido, agressões a sindicalistas, prisões arbitrárias e espancamentos.
É também Pomar, acompanhado apenas de Diógenes Arruda, que garantem em 1947, na tribuna do parlamento, a defesa do povo e do Partido, quando a legenda comunista e os mandatos vitoriosos de sua bancada são cassados à revelia da Constituição e da vontade dos eleitores. Ambos tinham sido eleitos pelo Partido Social Progressista (PSP).
Pomar também estava na linha de frente de outras batalhas, ao lado de João Amazonas e Maurício Grabois, na célebre Conferência Extraordinária, de 1962, que reorganizou a histórica legenda de 1922 e garantiu sua continuidade revolucionária. Dois anos depois, com o golpe militar de 64, ele prepara a resistência armada contra o regime ditatorial.
Em meio às pretensões brasileiras de acompanhar os EUA na Guerra da Coreia, Pedro Pomar, que dirigiu os principais jornais do Partido, pôs mais lenha na fogueira iniciada por Elisa Branco, presa ao se manifestar pela paz. Terminou o Brasil não enviando tropas à Ásia para participar da primeira grande derrota norte-americana.
Os momentos históricos vão se alinhavando na biografia de Pomar, mostrando-nos o padrão de sua participação política, assim como iluminando fatos distantes da historiografia, que passamos a ver com novos olhos. Os olhos de Pomar e outros comunistas. É assim, por exemplo, com a intensa oposição que leva ao suicídio de Vargas, a eleição de JK ou as mudanças que começam a ocorrer no mundo comunista irradiado da União Soviética.
Como revelam a narrativa de Bertolino e a análise de Haroldo Lima, este período, ao final dos anos 1950 e início dos 1960, é seguramente o mais definidor da trajetória política de Pedro Pomar, como de tantos outros dirigentes comunistas. “Aí é que vai aparecer sua têmpera ideológica, sua visão consequente de classe, sua percepção histórica do que estava em jogo, sua coragem para a defesa de ideias, tudo aquilo que vai fazer dele, como de alguns outros, dos maiores dirigentes comunistas do Brasil”, diz Lima na apresentação.
A partir dos posicionamentos de Pomar, Bertolino põe os pingos nos is da divergência que se formou entre dirigentes partidários para a formação do PCB e a reorganização do PCdoB, em 1962, sob a neblina que cobria a luta comunista internacional naquele período. Pomar está entre os três dirigentes (Amazonas e Grabois) que construíram os novos e decisivos rumos da luta comunista. Possibilitaram que o Partido, mesmo na clandestinidade, assumisse novos compromissos com os brasileiros e com o resto do mundo a partir de novas ênfases, novas alianças e opção pela luta armada contra a ditadura.
O assassinato de Pomar interrompeu a potencialidade de atualização de muitas de suas análises táticas, como aquelas sobre a Revolução Cultural na China ou da Guerrilha do Araguaia. Análises feitas no calor do momento e no silêncio da clandestinidade poderiam ser profundamente revistas diante da riqueza de informações que vieram a público posteriormente. Assim como os dirigentes destacados mortos na chacina da Lapa, os depoimentos sobre a guerrilha também se perderam, sequestrados pelos militares.
Bertolino revela o humano de Pomar, embora protagonize tantos eventos maiúsculos da nossa história como um daqueles revolucionários forjados de metal inoxidável. O homem de carne e osso tomba no crime hediondo reconstituído com maestria pelo autor, a Chacina da Lapa, tornando o Ano Novo de 1977 mais sombrio para os comunistas brasileiros. 
É desse esforço em busca do imponderável que o pesquisador encontra os laços perdidos e os ata construindo a coerência do comunista filho, esposo fiel de mulher comunista, pai, avô, amigo. Uma busca insana pela vida clandestina desses heróis dos anos de chumbo, que Bertolino faz parecer simples e rica de detalhes, ainda que avaliando o ruído dos depoimentos controversos.
Pomar é de um tempo maniqueísta em que os valores como a amizade são vividos com intensidade e sem ambiguidades. É essa a relação que o homem tem com seu partido, com seus camaradas, com suas ideias, em particular, com o inseparável João Amazonas. “Nesses anos todos se selou uma sólida amizade entre mim e Pomar. Considerava o Pomar um dos meus melhores amigos, além de companheiro de partido, com o qual sempre estive junto, com o qual sempre conversei, sobre os problemas até os mais pessoais, inclusive. Com a morte do Pomar, perdi um desses amigos que a gente não consegue refazer ainda que voltasse à juventude”, diz Amazonas em um dos depoimentos comoventes que o livro eterniza e que expressa uma sensação que todos temos após ficarmos amigos de Pomar ao conhecer sua vida.