O movimento dos Afetados pelas hipotecas, o Madrid 12 de Maio (M12M), e outros grupos sociais mais localizados, que colocam milhares de pessoas nas ruas pelo direito à habitação, organizam ações de solidariedade e de resistência aos despejos, ocupam casas, ocupam bancos, denunciam as dívidas abusivas que as pessoas foram obrigadas a contrair para conseguir uma habitação. Demonstram que, com o desemprego e com a crise, chegaram a um limite, à exaustão, e não podem continuar a aceitar uma política que usa a habitação como uma forma de saque e de espoliação das famílias que, para conseguirem acessar a este direito fundamental, têm que pagar preços elevadíssimos e se endividar para toda a vida.

Com esta política apenas lucraram os investidores imobiliários e a banca, que reduziram a habitação a um produto financeiro, a um objeto de especulação. Nesse processo conseguiram apresentar uma iniciativa legislativa popular com três propostas: que a entrega da casa salde a dívida, que as pessoas se mantenham nas casas como arrendatárias a um preço acessível e que estas propostas tenham efeitos retroativos para quem já ficou sem casa.

Esta pressão já começa a gerar frutos. O governo regional da Andaluzia constituído em acordo político pela Izquierda Unida e PSOE, anuncia através da conselheira Elena Cortés um decreto de lei que pretende fazer efetiva a função social da propriedade e parar os despejos em nome do direito humano à habitação. As principais medidas desta lei são a expropriação temporária das casas cujas famílias estejam em risco de exclusão social devido à execução da hipoteca, evitando assim o despejo, assim como fazer um levantamento efetivo das casas desabitadas que são de entidades financeiras e imobiliárias, incentivando à colocação destas no mercado de arrendamento, ou a sanções que podem ir até aos 9 mil euros de coima por a casa estar vazia.

É um passo importante que vem criar finalmente alguns limites às entidades financeiras. Tornar a Andaluzia livre de despejos é, na conjuntura atual uma vitória. Em vez da primazia da propriedade privada que atualmente insiste em sobrepor-se a todos os outros direitos, assume-se como desígnio a função social da propriedade e que a habitação é um direito humano que não pode ser violado.

A guerra não está ganha, mas estas medidas criam um precedente que será importante para muitos outros lugares e para uma outra forma de pensar. Muito será feito para tentar revogar tal medida, provavelmente os lóbis financeiros e o governo central contorcem-se neste momento a encontrar forma de reverter a situação. A luta e a persistência do movimento foram fundamentais para este avanço e continuam a ser necessárias para defender a concretização efetiva de medidas com este espírito.

Há grandes semelhanças entre a realidade do mercado de habitação do Estado espanhol e de Portugal: uma política urbanística baseada na na promoção do endividamento que acompanhou de forma linear a especulação sobre o preço dos terrenos e das residências. O saldo é o excesso de construção, casas com preço muito acima do que deveria ser o seu real valor, milhares de famílias muito endividadas, lucros fabulosos de especuladores e da banca, um mercado de arrendamento débil e quase um milhão de casas vazias, grande parte de fundos de investimento.

Agora, com a crise e o aumento do desemprego, muitas são as famílias que deixam de conseguir pagar o empréstimo, e tal como nos Estado espanhol, muitas delas terão também uma dívida para pagar mesmo depois de perder a casa. “Também em Portugal, uma luta social se torna necessária e medidas corajosas que venham impedir os despejos, em nome do direito humano à habitação”, afirma a correspondente do portal Esquerda.net, Rita Silva, de Lisboa.