Além da conjuntura
Desde meados dos anos 80 do século XX, a estrutura e a dinâmica da produção e do comércio globais foram transformadas pela concomitância entre os movimentos da grande empresa dos países centrais e as políticas nacionais dos emergentes, particularmente as da China. O Brasil, protagonista das décadas anteriores, ficou fora do jogo, golpeado pela crise da dívida externa dos anos 80, depois paralisado pela política cambial e de abertura sem estratégia na posteridade da estabilização dos anos 90. Entorpecido pelas trapaças ideológicas dos economistas comprometidos com a finança, o País não conseguiu acompanhar a reconfiguração espacial e tecnológica dos núcleos manufatureiros globais.
O leitor de CartaCapital, imagino, está incomodado com minhas insistências. Mas não custa repetir. Desde meados dos anos 70 do século XX as transformações na morfologia da grande empresa transnacional deram origem a uma estruturação dos mercados e às formas contemporâneas de concorrência de escala global.
O movimento da grande empresa promoveu a reconfiguração do ambiente internacional. A metástase do sistema empresarial da tríade desenvolvida – Estados Unidos, Europa e Japão – determinou uma impressionante mutação na organização das cadeias produtivas e nos fluxos de comércio. É crescente a importância do comércio intrafirmas e decisivo o papel do global sourcing, fenômeno acentuado a partir da década de 90.
A nova concorrência engendrou simultaneamente: 1. A centralização do controle, mediante as ondas de fusões e aquisições observadas desde os anos 80. 2. A nova distribuição espacial da produção, ou seja, a internacionalização das cadeias de geração de valor.
Centralização do controle e descentralização da produção: esse movimento de dupla face afetou a natureza e a direção do investimento direto em nova capacidade, reconfigurou a divisão do trabalho entre produtores de peças e componentes e os “montadores” de bens finais. E, como já foi dito, alterou a participação dos países nos fluxos de comércio. O propósito da competição entre os grandes blocos de capital é assegurar simultaneamente a diversificação espacial adequada da base produtiva da grande empresa e o “livre” acesso a mercados.
Depois da crise de 2008 e de suas consequências, os países que perderam posição na disputa competitiva da manufatura, sobretudo os EUA, acenam com uma nova rodada de inovações, aquelas que seriam classificadas de “poupadoras de mão de obra”.
Na primeira década do terceiro milênio, o Brasil valeu-se da dotação de recursos naturais (água, energia, terras agriculturáveis e base mineral) e do dinamismo do agronegócio para assumir uma posição defensiva no comércio mundial. A situação benigna das commodities provocou o descuido com a persistência dos fatores que determinaram o encolhimento e a perda de dinamismo da indústria: câmbio valorizado, tarifas caras dos insumos de uso geral e carga tributária onerosa e kafkiana.
O Brasil está em condições de restabelecer uma macroeconomia da reindustrialização, mediante o uso inteligente de suas vantagens e das promessas que se revelaram recentemente nas áreas de petróleo e gás. Não basta concentrar os esforços na manutenção de um câmbio real competitivo ou esperar a queda dos juros produzir automaticamente a recuperação do investimento industrial.
No Brasil dos anos 50, 60 e 70 havia sinergia – como em qualquer outro país – entre o investimento público, então comandado pelas empresas estatais, e o investimento privado. A crise da dívida externa quebrou as empresas públicas encalacradas no endividamento em moeda estrangeira.
Após a estabilização de 1994, apesar dos avanços na área fiscal, os governos sucessivos se empenharam, mas não conseguiram administrar de forma eficaz os gastos de capital. Seria desejável aprimorar a gestão do gasto público e avançar na constituição de um orçamento de capital para orientar as estratégias de investimento privado.
O volume elevado de investimento público em infraestrutura é importante para a formação da taxa de crescimento. Não só: também é decisivo para a política industrial fundada na formação de “redes de produtividade” entre as construtoras e seus fornecedores: encomendas para os provedores nacionais e critérios de desempenho para as empresas encarregadas de dar resposta à demanda de equipamentos, peças e componentes.