O jornalismo ornitorrinco e a herança maléfica de 2013
O recorde mais espetacular do ano de 2013 foi o número de previsões fracassadas. Dia sim, outro também, os jornalões estamparam notícias recebidas com surpresa pelo famoso mercado, que as esperava o oposto. De boca aberta também andaram seus renomados especialistas, a inventar explicações fora da curva para os furos especialmente enormes. Erros que, imediatamente, soterraram com pompa, circunstância e virgens anúncios de futuras tempestades. É intrigante a permanente charlatanice com que os periódicos, diários e semanais, afagam o ego dos conservadores sem que estes se sublevem contra a falcatrua. Ou, talvez, os conservadores desconfiem de que a realidade seja bastante diferente, mas aspiram, tal como os jornalistas e especialistas, a vê-la materializar-se conforme a aspiração.
Este parece o sonho derradeiro dos colunistas e pitonisas da oposição: obter o condão de pronunciar profecias que se auto-cumprem. Daquelas que, uma vez proclamadas, contribuem para a realização do desastre. Uma corrida a um banco disparada por falsa previsão de que vai quebrar pode, de fato, levar à bancarrota um estabelecimento sólido. Mas é impossível evitar uma estupenda safra agrícola escondendo-a sob pragas e tormentas apenas verborrágicas. Criam, contudo, uma espécie ornitorrinco de jornalismo – aquele que retrata o que lhe apeteceria acontecesse efetivamente, não o que, com modesta realidade, ocorre. Daí a freqüente discrepância entre as manchetes e o conteúdo, ainda que este venha narrado como que sob tortura, tão tortuosa é a narrativa.
Diverso é o caso do jornalismo a soldo. Não há como perdoar àqueles que sabem o que fazem. Omitem informações relevantes, adulteram outras, inventam terceiras. Cada um dos desvios é serviço prestado. Digamos que eles fabricam um tipo especial de caixa dois, recursos contabilizados como salário, quando, contudo, resultam de um efetivo domínio do fato inventado ou distorcido.
Essa cumplicidade entre fiéis ingênuos e deliberados bandoleiros que assaltam a reputação alheia, maculam o estafante trabalho de legislar ou de executar tarefas de interesse geral, enriquecendo ao longo da labuta, dificulta identificar a composição da quadrilha que, diariamente, vende engodo à população. Estamos de acordo que as matérias impressas, tanto as assinadas quanto as editorializadas, constituem atos de ofício e aceitável evidência dos crimes assinalados, certo?
Sendo assim, uma legislação democrática, que proteja os cidadãos comuns contra os achaques e calúnias dessa quadrilha de mistificadores e inventores de escândalos, deve ser uma das preocupações de qualquer governo de origem popular. Os antigos gregos já puniam severamente os propagadores de infâmias e em alguns casos de indução de outros a atos perversos, aplicavam a pena do ostracismo, da multa e, eventualmente, impunham até a pena de morte.
O Brasil nunca ultrapassou essa fase porque nunca esteve nela. O jornalismo ornitorrinco e o jornalismo adversativo (o que acrescenta um mas, porém, todavia, contudo a toda notícia positiva) ainda são os controladores do mercado de notícias. O mercado de notícias é o único que os conservadores não desejam livre.
Qualquer iniciativa de soltá-lo das garras oligárquicas é, ornitorrincamente, apresentada como seu oposto, o de invadir a liberdade da notícia. Ora, o que não existe no país é justamente uma imprensa livre, plural e competitiva o suficiente para que o cidadão possa optar. O mercado de notícias está cativo de tiranetes sem escrúpulos, de colunistas a soldo, sem mencionar o inacreditável nível de desinformação e de cultura da média das redações desses jornais.
O Judiciário, por sua vez, além da adoção do discurso de ódio, inaugurou uma etapa bastante peculiar em nosso constitucionalismo. Dizem seus arautos que o Supremo Tribunal Federal representa a vanguarda iluminada das sociedades contemporâneas. Ainda com mais fulgor no Brasil, entendem, em vista da podridão de que estariam acometidos os demais poderes da República. Entre suas atribuições abrigar-se-ia a de estabelecer prazos para que o Legislativo legisle sobre matérias que ele, Judiciário, considera inadiáveis. Isso, como todos sabem, inclusive os senhores ministros do STF, não está escrito na Constituição. Os únicos prazos legitimamente impostos ao Legislativo, salvo engano, são aqueles hospedados por seu Regimento Interno e pelos estatutos de urgência e medidas provisórias, ambas emanadas do Poder Executivo. De uma penada os atuais e transitórios ministros do STF ofendem o Executivo e o Legislativo.
É cautelar, em conclusão, que se observe como os conflitos por vir não deverão ser debitados à conta de um confronto direto entre o capital e o trabalho, mas entre o jornalismo ornitorrinco e o Judiciário e os demais poderes. O ano de 2014 promete.