Leia também: O Brasil não integra a cadeia imperialista

“Mas as definições excessivamente breves, se bem que cômodas, pois contêm o principal, são insuficientes,… (…) O imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes” (Lênin, “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, cap. A partilha do mundo entre as grandes potências, Avante!, Lisboa, 1984).

Este artigo está concebido em duas seções. Nosso objetivo é argumentar contra a tese – vadia – duma corrente no movimento comunista internacional [cmci] atual: o Brasil integra a “pirâmide da cadeia imperialista” mundial. A desejada sentença passou a ser pública e tem como sequência acusações de “reformismo” e de “oportunismo” a todos os que não pensem dessa maneira. Persegue-se assim a ingerência descabida e o semear da cizânia em partidos comunistas e organizações revolucionárias; são o juízo final contra os “desvios” das politicas nacionais dos partidos operários pós-revolucionários no poder ou fora deles ou partícipes das recentes experiências latino-americanas.

Essa espécie de centro de saber “globalizado” superior, de pretensa elaboração marxista – juntando bazófia com pobreza teórica – passa a dar orientações e a mandar “recados” a quem quer que seja; avia receitas estratégicas ou táticas para quaisquer países, tudo em nome de uma “pureza” do movimento internacional dos comunistas. Todos deveriam estar de acordo com uma “estratégia mundial unificada” ditada por essa cmci.

Assim e imediatamente, de acordo com a mágica sabedoria da cmci, isso significaria que as “uniões interestatais, que aparecem no terreno do capitalismo na Ásia, Eurásia, América Latina, etc.”, evidentemente, “todos estão a serviço de grandes grupos empresariais e os trabalhadores não devem escolher entre imperialistas e ‘centros’ imperialistas”. Por conseguinte, neste enfoque político, as experiências recentes de integração progressista da América Latina (Unasul, MERCOSUL, Alba, CELAC etc.) são ao mesmo tempo agentes e todas serviçais “dos imperialismos”.

Não é só. Não havendo como escapar das consequências práticas de artificiosa argumentação, sempre cevada num sectarismo político extremo, condenam-se liminarmente, a exemplo, os processos revolucionários/experiências da China e da Venezuela contemporâneas, vez que são:

“oportunistas… igualmente perigosas como o ‘eurocomunismo’, tais como o ‘socialismo de mercado’, o ‘socialismo do século 21’, que se opõem ao socialismo científico”. Os acusados falam “de uma economia social” e defendem “a utopia de um capitalismo humanizado. Em vários casos, há uma tentativa de reduzir, de negar a importância crucial da luta de classes ao nível nacional, em nome da ‘globalização’”.

Desde logo, aquele vaticínio incluiria Cuba, que defende e recentemente presidiu a CELAC (Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos), integraria, nesse desastre interpretativo, a cadeia instrumental “dos imperialismos”. Bem como na experiência da revolução democrática nacional-popular da Venezuela não há nem houve luta de classes interna – apesar do conhecido contragolpe de apoio a Hugo Chávez em 2002, opositor à tentativa de golpe consumada pelo imperialismo, norte-americano; tampouco haveria luta de classes no Equador ou na Bolívia, países sistematicamente pressionados seja pelos EUA, por tentativa de golpes de Estado, pressões separatistas e os reacionarismos internos.

Certamente tais “teses” vão em direção oposta a palavras ilustrativas e diretas, reportadas no Granma, órgão central do Partido Comunista de Cuba, onde lemos exatamente a respeito desses temas:

“[La] China ha incrementado sus nexos en todas las esferas con los países latinoamericanos envueltos en procesos revolucionarios, como Venezuela, Bolivia, Nicaragua, Ecuador y Cuba, por citar algunos, y emprende megaproyectos conjuntos de desarrollo económico y social en esas naciones” (ver: “EE.UU histérico ante a influencia mundial da China”, de Patricio Montesinos, Granma, Año 17/nº 4, 4 de enero, 2014).

A propósito, no Brasil aquela ideia não é de toda nova, vez que versões travestidas reaparecem. O fundamento mais remoto dessa ideia é neotrotskista e hodiernamente entre nós aparece nas formulações do sociólogo Ruy M. Marini. Este, ainda nos anos 1970 adotava a categoria de “sub-imperialismo” brasileiro, acoplado à Teoria da Dependência – de vilipendiada memória “esquecida”! Em Marini, dependência, superexploração do trabalho, “escassez do mercado interno” e sub-imperialismo coexistiam, confundindo-se alhos com bugalhos; um completo desatino.

Demonstraremos então que: a) o estágio imperialista do capitalismo produz uma tendência à guerra, notadamente entre os países do centro imperialista, exatamente em função dos conflitos e das disputas pela partilha do mundo, sendo imprescindível igualmente a capacidade político-militar e bélica para assegurar retaguarda às operações de dominação econômica e as efetivamente militares; b) o estágio imperialista do capitalismo exigiu e exige determinações do desenvolvimento econômico onde (ocorreu) ocorra, necessariamente, o processo de conglomeração produtiva e financeira (fusão entre capitais bancário e industrial) para que o poderio da oligarquia financeira dirija o curso das transformações que possibilitem tal país, necessariamente, concorrer à partilha do mundo; c) sob o estágio imperialista do capitalismo, ocorre especialmente decisivas diferenças entre a estrutura econômica construída nos países do capitalismo central e imperialistas, vis-à-vis as bases econômicas dos países capitalistas subdesenvolvidos ou periféricos à dominação do estágio imperialista. Neles, o caso do Brasil.

Fraseologia de esquerda, fraudes conceituais

Os comunistas do PCdoB sabem perfeitamente do sentido de tais “teses”. Na sua quase secular (91 anos) e gloriosa trajetória de combates pela revolução proletária e socialista no Brasil, de lutas e perdas humanas, tiveram que enfrentar tipos variados de oportunismo, dentro e fora de suas fileiras. Evidentemente, dela não se ausentou o esquerdismo infantilizado, ultradogmático – sempre maquiado de vermelho -, ansioso pela divisão de comunistas e propagandistas de partidos aleijados em grupelhos.

Dogmatismo caquético, mas sempre ressurgente historicamente – muita vezes numa faceta dum internacionalismo agressivo e abstrato desconhecedor das singularidades nacionais – e que é parte integrante do não desenvolvimento teórico da ciência social marxista – ciência cujo enriquecimento emana do caráter material da práxis sócio-política. Recordemos Lênin a este respeito em “Algumas particularidades históricas do desenvolvimento do marxismo” (1910):

“Nossa doutrina — disse Engels em seu nome e no de seu ilustre amigo — não é um dogma, mas um guia para a ação. Esta tese clássica sublinha com notável vigor e força de expressão um aspecto do marxismo que frequentemente se perde de vista. E ao perdê-lo de vista, fazemos do marxismo algo unilateral, disforme, morto, arrancamos sua alma viva, minamos suas bases teóricas cardeais: a dialética, a doutrina do desenvolvimento histórico multilateral e cheio de contradições; debilitamos sua ligação com as tarefas práticas determinadas da época, que podem mudar com cada nova viragem da história” (in: Obras Completas, Vol. XVII, Akal, Madrid, 1974).

Evidentemente, o suposto e as consequências dessa orientação política acusatória são nefastos na teoria e na prática. Pois do ponto de vista geopolítico e dos combates proletários internacionalistas, o Brasil dos nossos dias deve então ser colocado no alvo de ataque pelo movimento revolucionário e anti-imperialista – seja tática ou estrategicamente -, na medida em que não existiria qualquer diferença do Brasil dos países que emergiram imperialistas desde o final do século 19 e em passagem ao século 20 (EUA, Grã-Bretanha, Alemanha, França, Japão e Itália). Núcleo esse que, diga-se en passant não sofreu alteração significativa em sua hierarquia hegemônica desde então!

Aliás, e a exemplo, a Coréia do Sul e seus famosos “monopólios” e badalados trustes de indiscutível tecnologia capitalista avançada é típico caso do denominado “desenvolvimento a convite” (do imperialismo norte-americano e do japonês), encontrando-se, até hoje, fora de qualquer espaço no núcleo originário do imperialismo. Ao contrário: este país, ainda hoje com quase 40 mil soldados da base militar estadunidense, integra na verdade o bloco do protetorado asiático-oriental do imperialismo norte-americano. Isto é, há bases militares norte-americanas mesmo no Japão, tais como Kadena, Misawa, Atsugi, Yokota e outras, com um efetivo de 63 mil homens no total; e na referida Coréia do Sul, várias, como Kunsan City e Osan, com um total de 37 mil homens; como também nas Filipinas.

Conforme sabemos, aqueles do núcleo imperialista são os mesmos que provocaram as duas guerras mundiais e seguramente continuam até hoje com sendo o centro nevrálgico (mas desigual) dos países do estágio imperialista do capitalismo. Cujas classes dominantes continuam implacáveis patrocinadores de massacres neocoloniais, da pilhagem dos povos, da exploração capitalista e em permanente disputa global por áreas e mercados estratégicos.

Não seria isso que caracteriza um elemento central na natureza do imperialismo contemporâneo? Ouçamos então o que definiu Chalmers Johnson, ex-historiador da CIA:

“Os únicos pontos em comum em todas as bases americanas no exterior são o imperialismo e o militarismo – o impulso em nossas elites de dominar outros povos simplesmente porque podemos, seguidos pela argumentação estratégica de que, a fim de defendermos esses recém-adquiridos postos avançados e controlar as regiões em que se situam, devemos expandir as áreas sob nosso controle construindo ainda mais bases” (C. Johnson, “As aflições do império”, Rio de Janeiro, Record, 2007, p.178). [3]

Óbvio, portanto, que a ressurreição dos clichês da fraseologia “de esquerda”, para atacar comunistas e revolucionários mundo afora ignora ou omite completamente os escritos conclusivos de Lênin acerca do caráter do imperialismo, como em “Para o quarto aniversário da Revolução de Outubro” (1921):

“A questão das guerras imperialistas, da política internacional do capital financeiro, política que hoje domina em todo mundo e que gera inevitavelmente novas guerras imperialistas, que gera inevitavelmente uma intensificação sem precedentes do jugo nacional, da pilhagem, da exploração, do estrangulamento de pequenas nacionalidades, fracas e atrasadas, por um punhado de potências ‘avançadas’, é uma questão que desde 1914 se tornou a pedra angular de toda a política de todos os países do globo terrestre” (Lênin, Pravda, nº 234, 18 de Outubro de 1921, Obras Escolhidas, v. 3, Alfa Ômega, São Paulo, p. 347).

Na aludida “elaboração” teórico-ideológica, reiteremos, são gigantescos os erros políticos transformados em calúnias às autênticas organizações revolucionárias, defensoras do marxismo-leninismo como referencial teórico básico, bem como do socialismo para conquistas sociais, econômicas e políticas dos trabalhadores e dos povos oprimidos pelo imperialismo.

Pois, simultaneamente, na busca de uma pretendida “estratégia revolucionária unificada” mundial, que naturalmente deveria ser elaborada por esse grupo do movimento comunista, supondo que “o fortalecimento dos monopólios e a internacionalização da economia capitalista” “aproximam as guerras imperialistas”, concluem na existência maléfica de “potências capitalistas emergentes… [como] China, Índia, Brasil”, uma vez que neles “os níveis do preço da força de trabalho são muito baixos”.

Uma ressureição do Kautskysmo?

Ou seja, países historicamente dependentes como Brasil e Índia, desde os anos 1950 denominados de “em desenvolvimento” ou recentemente de “emergentes” passaram, mesmo tendo evoluído em seu desenvolvimento das foças produtivas capitalistas, na base da magia, a ser imperialistas! Não só: o Uruguai ou a Bolívia, participantes dos processos de integração (Unasul, CELAC, ALBA, MERCOSUL, etc.) devem ser vistos participantes da tal “pirâmide imperialista”, tal como os EUA, a França, a Alemanha, teorização disfarçada com a manobra argumentativa duma diferença de “graus” existentes entre eles.

Inacreditavelmente, por tais razões, essa corrente do movimento comunista internacional imagina que: “o capitalismo na Grécia está na fase imperialista do seu desenvolvimento, numa posição intermediária no sistema imperialista internacional”. A mesma Grécia, seus trabalhadores e sua soberania nacional que estão sendo esquartejados por potências imperialistas da UE!

Ora, se a Grécia está na “fase imperialista do seu desenvolvimento”, esta é uma tese que, em última instância, não passa de uma variante da teoria do ultraimperialismo, do finado socialdemocrata alemão Karl Kautski. Vale dizer, a Grécia integra a chamada “pirâmide imperialista”, portanto deve ser combatida identicamente a seus “elos”: os EUA e países da UE!

A Tese é, sem dúvida, similar a de Kautski, sobre a qual escreveu Lênin, condenando veementemente, ao denunciar a pressuposta ideia fantasiosa da não existência de contradições entre os distintos interesses das potências capitalistas e os das colônias ou semicolônias, isto implicando, na prática concreta, numa igualação de alvos a se atacar ou combater:

“isto é, o superimperialismo, a união dos imperialismos de todo o mundo, e não a luta entre eles, a fase da cessação das guerras sob o capitalismo, a fase da ‘exploração geral do mundo pelo capital financeiro, unido internacionalmente’”.
Mais uma vez e redimensionando a interpretação, afirma adiante Lênin:

“Por isso, as alianças “interimperialista” ou, ultra-imperialistas, no mundo real capitalista, e não na vulgar fantasia filistina dos padres ingleses ou do “marxista” alemão Kautsky – seja qual for a sua forma: uma coligação imperialista contra outra coligação imperialista, ou uma aliança geral de todas as potências imperialistas -, só podem ser, inevitavelmente, ‘trégua’ entre guerras” (Lênin, “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, cap. Crítica do imperialismo, Avante!, Lisboa, 1984).

Ou ainda, nas palavras diretas do próprio renegado Kautsky:

“Do ponto de vista puramente econômico não está descartado que o capitalismo passe todavia por uma nova etapa, A DA EXTENSÃO DA POLÍTICA DOS CARTÉIS À POLÍTICA EXTERIOR, A ETAPA DO ULTRAIMPERIALISMO…” (K. Kautsky, “O imperialismo”, Die Neue Zeit, nº2, ano 32, 1914 – anotações de Lênin). [1]

Também por tais razões pré-conceituais – “a extensão da politica dos cartéis à política exterior” -, um país que estaria numa fase “imperialista de desenvolvimento” – quando se deduz que seus “monopólios” participariam da espoliação global de outros países, a partir de sua política de comércio exterior -, não haveria como ele não participar igualmente de uma “aliança geral de todas as potencias imperialistas”.

Imperialismo: bases militares no centro e na periferia

Sequencialmente, a referida corrente ultra-esquerdista defende que: “o problema básico consiste no desenvolvimento desigual do capitalismo, que forma relações de dependência e interdependência desiguais e, por esta razão, as posições que apresentam a Grécia bem como outros estados com uma posição inferior na pirâmide imperialista como estando ocupados, como sendo colónias, não têm fundamento”.

Noutras palavras, a Grécia, citada como exemplo, terrivelmente massacrada, não seria vítima de politicas neocoloniais que lhes impõem agora mesmo os imperialismos da União Europeia e os EUA (BCE, FMI, Comissão da EU), para resolução da crise capitalista sob a ótica dos interesses dessa oligarquia financeira. E em que galáxia orbitaria então a Grécia?

Certamente na galáxia dos países europeus que igualmente possuem bases militares! Não? Na Europa, além de Reino Unido, Itália, Alemanha e Espanha (os dois últimos mais para apoio logístico, tráfego e “prestação de serviços”) os imperialistas norte-americanos possuem, ainda, bases na Islândia (Keflavik), Bélgica, Dinamarca (Thuele), Portugal (Açores), Hungria (Taszar), Turquia (Adana) e na própria Grécia! [2]

É, por conseguinte, por erro teórico-político imperdoável (e suas consequências práticas) que os representantes dessa cmci insistem em desconhecer o que todos já sabem:

“Hoje a situação é diferente. Os Estados Unidos perceberam a necessidade de controlar, direta ou indiretamente, um número muito grande de bases militares. (…) Especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, a quantidade de armamentos nos Estados Unidos em tempo de paz tem se mantido com uma constância em níveis extraordinários, que não encontram precedentes na história moderna” (E. Hobsbawm, 2007 [2003]). [3]

Mais: segundo o historiador da CIA C. Johnson, acima citado, a posição imperialista dos EUA pode ser visivelmente diferenciada no atual sistema de relações internacionais (2007), a partir das suas bases militares espalhadas por 38 países. Descreve então, à época, a existência de nada menos que 725 bases, sendo 17 classificadas como “grandes”; 18 como “médias”; e 69 como “pequenas” (Johnson, idem, p.180).

Assim, a partir das conclusões, no plano de quem é imperialista e quem não é, de como se deve combater hoje o movimento revolucionário, os integrantes da cmci advertem a todos:

“O Partido Comunista de cada país tem a obrigação de estudar a situação específica, o desenvolvimento do capitalismo, o percurso dos setores e os ramos da economia, as mudanças na superestrutura, a estrutura social e de classe, a fim de traçar uma estratégia revolucionária. No entanto, isto é totalmente diferente das posições que, em nome das particularidades nacionais, negam a estratégia revolucionária e substituem a luta pelo socialismo por soluções governamentais e uma política de alianças que correspondem à gestão burguesa”.

Bem além dos “conselhos” autoritários proferidos em nome dum inexistente (não outorgado e indesejado) comissariado do comando internacional, parece óbvio que a referida “estratégia unificada” é absolutamente ficção anticientífica: porque não há e nunca houve uma estratégia revolucionária mundial única para revoluções nacionais vitoriosas; porque nunca existiu nem existirá tanto um “modelo” de revolução, como um “modelo” de socialismo. E porque nenhuma Revolução digna deste nome ocorrerá sem a resolução de sua “equação nacional”.

Aporias do antileninismo

Ao contrário, todas as revoluções anti-imperialistas e proletárias ocorridas e vitoriosas (a russa, a chinesa, a vietnamita, a cubana, especialmente) processaram suas marchas e contramarchas táticas a partir de uma estratégia nacional, com profunda capacidade analítica da vanguarda revolucionária sobre a dinâmica de classes em luta e da história de seus países; utilização de formas de lutas e alianças politicas as mais variadas, isso abrindo caminho para a conquista do poder politico pela hegemonia das forças revolucionárias.

Um parêntese: examinemos brevemente aspectos centrais do caráter marcadamente nacional da Revolução cubana.

A revolução de 1959 tem profundas raízes na trajetória histórica nacional, profundamente enraizada nas lutas pela independência. Numa movimento que dourou cerca de 30 anos, Cuba foi a última colônia da América Latina a libertar-se da Espanha (1898), através de duas guerras de independência. Especialmente com a segunda (1895), liderada pelo advogado e poeta José Martí, conseguiram-se amplas mobilizações de setores populares e nacionalistas. Esta consciência de luta pela soberania nacional é traço indelével e marca central das influências da Revolução de 1959. Refletindo sobre a particularidade da revolução cubana, assim a interpretou ex-ministro da Cultura Abel Prieto:

“La descubanización del páis se detuvo, y se inpulsó una recubanización acelerada que no degeneró en chovismos ni en la estrechez de ámbitos del ‘aldeano vanidoso’: fue una recubanización que nos instaló en el mundo de una nueva manera (digna, anticolonial, martiniana) y reforzó las tradiciones internacionalistas de nuestro pueblo” (in: Revista Cuba Internacional, número 5, p. 12, 1996)

Correlativamente, ouça-se recente balanço analítico do líder revolucionário Fidel Castro,

“E digo ainda que a Revolução não podia ser exportada, porque ninguém pode exportar as condições que possibilitam uma revolução. Sempre partimos desse critério e continuamos pensando assim”. Ou ainda, diz ele: “Fomos solidários e contribuímos modestamente com os revolucionários da América Central. Mas ser solidário e cooperar de alguma forma com um movimento revolucionário não significa exportar a Revolução” (F. Castro, “Fidel Castro. Biografia a duas vozes”, I. Ramonet, Boitempo, São Paulo, 2006, p.p 271 e 273).

A “teoria” repleta de bravatas dessa cmci não passa de tautologia dos clichês e frases decoradas – pior de tudo, em nome de Lênin!

Por exemplo, para justificar falsidade conceitual entre monopólios, e as implicações gerais do estágio imperialista do capitalismo, Lênin – dizem os oportunistas de esquerda -, em “O Imperialismo, fase superior do capitalismo” supervalorizaria “o domínio dos monopólios”, ao ter mencionado que:

“A menos que as raízes económicas deste fenómeno sejam compreendidas e o seu significado político e social seja apreciado, nenhum passo pode ser dado para a solução do problema prático do movimento comunista”.

Ora, ademais da visão deformada do significado dos monopólios – ou da extensão da política dos cartéis, de Kautsky! -, na mesma obra veja-se a definição mais completa de Lênin, acerca das estruturas econômicas dum país imperialista:

“Os monopólios, a oligarquia [financeira], a tendência para a dominação em vez da tendência para a liberdade, a exploração de um número cada vez maior de nações pequenas ou fracas por um punhado de nações riquíssimas ou muito fortes: tudo isto originou os traços distintivos do imperialismo, que obrigam a qualificá-lo de capitalismo parasitário, ou em estado de decomposição” (Lênin, “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, cap. O lugar do imperialismo na história, Avante!, Lisboa, 1984).

Sobre o significado de “monopólio” advirta-se desde já que se trata de uma fantasia: a) separá-lo do conceito de “moderno sistema de crédito” (Marx) e consequente evolução do capitalismo; b) omitir a centralidade da oligarquia financeira na evolução do capitalismo contemporâneo e seus processos cada vez mais acentuados de fusões e aquisições. Noutras palavras, é a evolução do moderno sistema de crédito que reconfigura o desenvolvimento do regime de produção capitalista a uma nova fase, a partir da centralização e mobilização do capital monetário, onde o capital portador de juros passa exercer função central na articulação estrutural do capitalismo monopolista. Por óbvio, um truste industrial (monopólio) emergente no século 19 (ferrovias, p. ex.) não alteraria a fase desse capitalismo se não se fundisse ao capital bancário/financeiro. [Detalharemos a tema da segunda seção do artigo].

Ou sob outro ângulo, naquele momento reconfigurando o conceito e apontando a questão central da “partilha do mundo” como a tendência do imperialismo, ademais do estágio dependente dos países periféricos, descreve Lênin:

“Ao falar da política colonial da época do imperialismo capitalista, é necessário notar que o capital financeiro e a correspondente política internacional, que se traduz na luta das grandes potências pela partilha econômica e política do mundo, originam abundantes formas transitórias de dependência estatal. Para esta época são típicos não só os dois grupos fundamentais de países – os que possuem colônias e as colônias -, mas também as formas variadas de países dependentes. (…) Uma destas formas, a semicolônia, indicamo-la já anteriormente. Modelo de outra forma é, por exemplo, a Argentina” (Lênin, “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, cap. O lugar do imperialismo na história, Avante!, Lisboa, 1984).

Voltando à trágica questão da igualação entre monopólio e imperialismo, isso significaria também que, em se elevando à categoria de imperialistas inúmeros países capitalistas, inclusive subdesenvolvidos denominados de “em desenvolvimento ou emergentes”, haveria hoje, afirma a referida corrente ideológica ultra-sectária, um inexistente “chamado” ‘mundo multipolar’, dessa forma “manipulando os povos e enredando-os na competição interimperialista”. Isto é, numa só nota, o imperialismo norte-americano não estaria num processo de declínio histórico relativo, a emergência de novos polos (BRICS) não passaria de um sonho – assim como a ascensão da China outra tragédia!

O festival de infantilidades de esquerda e de miséria teórica não para aí. Traçando mais uma vez sinal de igualdade entre fenômenos do desenvolvimento capitalista inteiramente assimétrico, dizem os novos donos exclusivos da ideologia do comunismo:

“Tanto a União Europeia, bem como outras uniões que surgiram na Ásia ou na América Latina – e também nos BRICS – têm uma base económica específica, são apoiados na cooperação e união de forças dos principais grupos monopolistas de negócios e apesar das contradições que se manifestam nas suas fileiras, os critérios básicos são os seus próprios interesses, o controlo dos mercados e, consequentemente, são contra os povos e os seus direitos”.

Não é nada disso: nessa direção, aporias artificializadas tais como esta escrita pela dita corrente – “O imperialismo não é apenas uma política externa agressiva, é o capitalismo no seu final, no mais alto nível, é um sistema em que os Estados capitalistas são assimilados” (?) – pretextam apenas manobras de acusações a todos, ademais da igualação cega de contradições de graus objetivamente muito distintos – fuga teórica típica dos encurralados pelo pensamento escatológico “revolucionarista”.

Por que se disse pensamento escatológico revolucionarista? Porque são os mesmos que congelam metafisicamente passagens ou frases de Lênin de modo a absolutizar e estender a qualquer país ou situação histórica, ideias como esta: “O imperialismo é a véspera da revolução social do proletariado”. Ora, essa é uma caracterização geral, de natureza objetiva, de uma era ou época aberta e condicionada pelas transformações estruturais do estágio do capitalismo, que não tem a ver com os processos que distinguem a evolução do imperialismo em cada país, periférico ou não, e por consequências processo e formas que assumem (assumiram e assumirão) as revoluções.

É por isso que, na mesmíssima linha de compreensão, e violando conhecidíssimas teorizações de Lênin acerca da importância tática e estratégica das lutas do proletariado pelas reformas, os catedráticos do oportunismo de esquerda gritam e respondem:

“Sobre a questão: revolução ou reforma? (…) neste tema os Partidos Comunistas e Operários só podem dar uma resposta: Revolução!”.

Sobre esse tipo de devaneio, o marxista Manuel Gouveia respondeu à altura em artigo sarcasticamente denominado “Desculpe, disse ‘reforma ou revolução? ’”. Considera ele com justeza que: não há reforma no capitalismo que resolva o que só a revolução socialista pode resolver, e que nem há revolução socialista sem uma longa luta contra a exploração e por reformas. Desse modo – fulmina Gouveia – “quem nos tenta enfiar em esquemas paralisantes da ação revolucionária” nos apresenta esta “idiota alternativa”. Tratar-se-ia – diz com clareza meridiana – de “suprema ignorância” ver “reforma e revolução como uma dicotomia, incapazes de perceber a dialética concreta do processo concreto. (ver: Avante!, edição 2090, Lisboa, 19-12-2013).

Ou, mais uma vez, como busca sistematizar o marxista Jean Salem:
“Os revolucionários não devem desprezar a luta pelas reformas. Lenine estava consciente de que em determinados momentos uma dada reforma pode representar uma concessão temporária, ou mesmo (…) concedido pela classe dominante para melhor adormecer os que resistem. No entanto, considera que uma reforma constitui uma base nova para a luta revolucionária” (J. Salem, “Lenin e a revolução”, Expressão Popular, 2008).

Ora, se simplesmente “O imperialismo é a véspera da revolução social do proletariado”, o que então explica sua sobrevivência a duas guerras mundiais, a par do retrocesso estratégico defensivo das derrotas impostas no leste europeu e da desestruturação soviética?

Por suposto, o leninismo é também oposição radical ao catastrofismo monocórdio e finalístico; como combatente duma pretensa linha direta à revolução, sempre. Os que insistem neles até cair na galhofa – e nas derrotas – o fazem, sobretudo pela deliberada ignorância sobre o imenso material teórico acumulado acerca do pensamento de Lênin, e da problemática das marchas e contramarchas do capitalismo em sua fase imperialista. Debate que aparece na teorização e interpretação de intelectuais de variados matizes ideológicos, sempre situados à esquerda.

Não é à toa que exatamente sobre este assunto Eric Hobsbawm afirmou sobre a grande contribuição de Lênin:

“A Era dos Impérios ou, como Lênin a chamou, o imperialismo, não foi, evidentemente, ‘a etapa final’ do capitalismo; mas, à época, Lênin nunca afirmou realmente que fosse. Simplesmente a denominou, na primeira versão de seu influente escrito, ‘a última etapa” do capitalismo’. [4] Até porque – enfatiza o historiador – todas as tentativas de isolar a explicação do imperialismo do ‘desenvolvimento específico do capitalismo no fim do século XIX’ não passam de ‘exercícios ideológicos’” (idem, p. 110).

Também Franco Andreucci, em “A questão colonial e o imperialismo”, interpreta ser, no livro de Lênin, a palavra-chave o adjetivo russo novejsij, que significa “última”, no sentido de a “mais recente”: a tradução exata seria ”imperialismo, etapa mais recente do capitalismo. [5]

Alternativamente, tem (certa) razão Giacomo Marramo [6] quando do vasto exame do debate marxista, dos anos 1920-30, sobre as “vicissitudes da ‘teoria do colapso”, destaca o erro grosseiro dos que não distinguiam e faziam “referências indevidas entre o “plano lógico” e o “plano histórico” (exposição científica das leis tendenciais e movimento real), tanto na defesa como na crítica da análise marxiana do capitalismo” (p. 102). Sob outro ângulo, essa análise marxiana do sistema capitalista “é científica não porque reflete a história real do modo de produção, mas porque define suas prerrogativas estruturais através do estudo das formas em que se reproduz a relação contraditória fundamental” – forças produtivas e relações de produção, passagem da reprodução simples para a ampliada (p. 109).

Esticando mais a controvérsia em pontos específicos, podemos dizer que a interpretação do marxista italiano Domenico Losurdo é instigante. Para Losurdo, em meio à barbárie da Primeira Guerra – quando se parecia confirmar uma burguesia moribunda política, ideológica e culturalmente -, deve-se compreender a configuração do imperialismo realizada por Lênin como sendo ”fase de putrefação radical e irreversível, no âmbito da qual a burguesia resulta incapaz de desenvolvimento no plano propriamente econômico e de iniciativa no plano, ideológico e político”. Prosseguindo, aponta Losurdo [7] que:

”Relendo o célebre opúsculo do dirigente revolucionário sobre o tema, nos ocorre que, enquanto continua a conservar uma clara atualidade no que diz respeito à análise e do imperialismo como tendência das grandes potências à hegemonia, à rivalidade e ao confronto, se apresenta totalmente obsoleto na definição do capitalismo monopolista como simples podridão” (idem, p. 185).

Em controvérsia, esta não bem é a interpretação de Mazzucchelli. Assim, quando Lênin qualificava o imperialismo de “capitalismo parasitário” ou em “estado de decomposição”, isso significava que o caráter progressista deste regime de produção “se torna problematizada com o advento do monopólio, o que resulta da predominância da ‘oligarquia financeira’, do controle dos mercados, e da possibilidade econômica de ‘conter artificialmente o progresso técnico’”!

Em nossa opinião com acerto, interpreta ainda Mazzucchelli: a “decomposição” que Lênin caracteriza não significa “um juízo moral sobre a ordem capitalista”; trata-se – citando Lênin – de relações econômicas e de propriedades privadas constituindo “uma envoltura que não mais corresponde ao conteúdo (social da produção)”. O que, dessa forma, expressaria uma crise de estrutura própria de uma etapa de transição – conclui. [8]

Leninismo: desenvolvimento do marxismo e revolução

Losurdo, noutro texto recorda ainda, com inteira razão, a luta constante de Lênin contra as proclamações enrijecidas, pretextando princípios. Trata-se da “frase revolucionária”, dizia-o Lênin, altissonante e oca. Todo movimento que queira pensar e agir politicamente, sem “embalar-se nas palavras, nas declamações e nas exclamações”, deveria desvencilhar-se de tal fraseologia e permanecer em constante vigilância contra ele, completa o filósofo marxista italiano. [9]

A propósito, conforme interpretação brilhante de Lênin, bem após 1917 e em meio à guerra civil: “Os princípios não são um objetivo, nem programa, nem tática, nem teoria. A tática e a teoria não são princípios”, afirmando a seguir que princípios do comunismo, efetivamente, são “a ditadura do proletariado e a usar a coerção estatal” durante a transição – mas “não seu objetivo”. [10]

A guisa de conclusão e contra a miséria teórica do oportunismo de esquerda: enquanto teoria marxista revolucionária em desenvolvimento, o leninismo deve ser concebido nos ciclos históricos evolutivos: a) do desenvolvimento desigual do capitalismo – Lei -, compreendendo assimetrias e disputas entre o núcleo dos países no estágio do imperialismo, e destes com os países periféricos; b) da degeneração multiforme do capitalismo central, até as guerras; c) na reapresentação do irremediável declínio civilizatório deste capitalismo, às revoluções proletárias da nossa época; d) da forte capacidade da organização de vanguarda de juntar forças sob a direção das classes trabalhadoras, em cada vez mais compreender a Revolução Social como obra alicerçada na subjetividade de milhões e milhões de homens e mulheres; e) das formas flexíveis de organização do Partido Comunista, inteligentemente apto a atravessar etapas históricas as mais variadas, inclusive os de longo alcance de defensivas estratégicas e severo ataque ideológico.

E é recusando a fraseologia revolucionarista do oportunismo esquerda que o Leninismo se obriga a ser contemporâneo. Do contrário nada teria a ver com sólidos fundamentos teóricos de uma ciência social contributiva – em meio a um crescente aparecimento de inúmeras outras e ramos nessa esfera – e em permanente captura dos novos fenômenos históricos, em todos os terrenos. Do contrário estaríamos presos a uma armadilha insolúvel de nos orientarmos por um corpus doutrinário simplesmente imprestável, inútil – e derrotados por antecipação!

Na próxima seção sete artigo discutiremos algumas características do desenvolvimento capitalista e países periféricos e/ou de industrialização recente.

Notas

[1] In: “Cuadernos sobre el imperialismo”, de V. Lenin, Obras Completas, Tomo XLIII, Madrid, Akal Editor, 1974, p.258; letras em caixa alta de Kautsky.

[2] Noticiou, sobre as bases gregas, o Portal Terra (04 de Março de 2001): “Navios de guerra americanos chegam a bases na Grécia: “Os Estados Unidos mobilizaram vários aviões e efetivos militares em sua base militar na ilha grega de Creta, no sudeste do Mediterrâneo, como parte de um plano de preparação para uma eventual missão na Líbia. As declarações foram dadas à Efe por uma fonte do Ministério da Defesa grego que pediu o anonimato nesta sexta-feira”.

[3] Ver: “O império se expande cada vez mais”, de Eric Hobsbawm, in: “Globalização, democracia e terrorismo”, São Paulo, Companhia das Letras, 2007, p.154,

[4] Ver: ”A Era dos Impérios (1875-1914)”, de E. Hobsbawm, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2003, 8ª edição.

[5] In: In: História do Marxismo, v. IV. O Marxismo na época da Segunda Internacional, E. Hobsbawm, Paz e Terra, Rio de Janeiro,1986

[6] Ver: “O político e as transformações. Crítica do capitalismo e ideologias da crise entre os anos vinte e trinta”, de G. Marramao, Belo Horizonte, Oficina de livros, 1990.

[7] Apud: Domenico Losurdo, “Antonio Gramsci, do liberalismo ao comunismo”, p. 181, Rio de Janeiro, Revan, 2006. Losurdo se refere, no elucidativo capítulo intitulado ”Decadência ideológica, mecanicismo e impaciência revolucionária”, às observações de Marx sobre a situação criada no pós-revolução de 1848, na Europa.

[8] Ver: ”A contradição em processo. O capitalismo e suas crises”, de F. Mazzuchelli, Campinas, Instituto de Economia/Unicamp, 2004, 2ª edição, pp. 153-154.

[9] Ver: “A luta contra a ‘frase revolucionária’ e a refundação marxista e comunista”, D. Losurdo, in: Crítica Marxista, nº12, 2001.

Publicado no portal Vermelho, 10 de janeiro de 2014