Miúda figura e extremamente arguto comunista, Amazonas estava visivelmente entusiasmado com as novas possibilidades de avanços significativos das forças progressistas, em torno das alianças da originária Frente Brasil Popular (1989) e suas projeções.

Estava certíssimo! Imagine-se a perversão econômico-social da continuidade do ciclo neoliberal dirigida pela horda (até hoje) reunida em torno do FHC. Ou a regressão destrutiva que enfrentaríamos nessa quadra de afundamento civilizatório do centro capitalista às voltas com o mau-cheiro do fascismo!

A vitória de Lula e as forças que o apoiaram serviram de: a) uma poderosa barreira de defesa da nação – sempre sob ataque e malgrado processos desnacionalizantes -, dos trabalhadores e de uma nova perspectiva de desenvolvimento, achincalhado e abandonado pelos larápios privatistas neoliberais; b) recompor, em termos contemporâneos, a ideia de integração latino-americana, de modo a buscar respostas coletivas e mais amplas contra as tendências (e ofensivas) reacionárias e neocolonialistas vindas do imperialismo norte-americano, em particular.
Sabemos que João não alcançou o estrondoso êxito eleitoral e política de 2002. Outrossim, sabemos que não haveria êxito se não fosse tecida aquela aliança, e ele – não outro – foi o seu principal artífice. Se estou exagerando… era orientarmos o PCdoB e sua influência tática a outro sistema de alianças…Foi o ex-presidente Lula quem veio por vezes recordar conselhos da persistência, de persistir-se nas batalhas até a vitória, vindos do experiente comunista.
De fato, inobstante severas (e horizontais) divergências de caráter ideológico entre PCdoB e PT, já estava clara a emergência de novas forças sociais do Brasil hodierno, bem como seu sensitivo potencial no terreno politico da luta de classes. No mesmo passo, depois de longa trajetória histórica de intrepidez e vicissitudes, certamente aprendemos a manejar com maestria “os meios para concretizar a tática” – formulação costumeira de Amazonas, permanentemente em busca da materialização “clausewitziana” do movimento estratégico.
Clausewitz sim, Napoleão não


(Parêntese nº1.) Conta o inglês Roger Ashley que C. V. Clausewitz, em “Da Guerra”, esforçou-se em destacar sempre que os princípios por ele elencados “não eram dogmas, mas sim orientação”; servindo para educar a mente “do futuro líder na guerra, ou melhor, guiá-lo em sua autoeducação, mas não o acompanhar até o campo de batalha” (ver: “Clausewitz, trechos de sua obra”, Introdução, Biblioteca do Exército Editora, 1988).


(Parêntese nº 2.) A propósito do sistema de alianças fundamentais, outro especialista britânico John Fuller é dos que mais enfatizam as derrotas do brilhante Napoleão tendo um forte componente de isolacionismo e obsessão econômica contra a emergente Inglaterra capitalista. Em 1810 o Czar Alexandre cindiu aliança forçada pelos canhões pelo imperador francês e abriu os portos russos à entrada de navios mercantes ingleses: “O futuro inglês revelou-se mais poderoso do que meus planos”, resignou-se o megalomaníaco estrategista. Seguiu-se o desastre da campanha de Napoleão na Rússia, e já em 1813 Rússia, Áustria, Prússia e Suécia o esmagaram em Leipzig. Com inteira razão diz Fuller que “falharam completamente” sua política e sua grande estratégia irreais e voluntaristas (“A conduta da guerra”, Biblioteca do Exército Editora, 2002, 2ª edição).

Partido, tática e estratégia

Sob aquela angular, como bem captou escrevendo em seu Blog o destacado companheiro Zé Dirceu, ex-presidente do PT – injustamente condenado por essa monumental farsa denominada de “mensalão”: “Muitas vezes precisamos acertar táticas políticas conjuntas e, reconheça-se nele, em toda a sua trajetória política, extraordinário discernimento diante dos momentos em que era necessário o enfrentamento com a ditadura militar, e outros em que era mais conveniente politicamente a acumulação de forças” (“A visão de Amazonas quanto à formação de alianças à esquerda”, 28/05/2012, itálico nosso).  

No grande revés, foi assim também que Amazonas encarou, com a altivez e a inclemência dos grandes revolucionários, a derrota do socialismo “real” e a desestruturação da URSS. No informe ao VIII Congresso do Partido (1992), afirmou ele que, permanecendo firme na trincheira de luta pelo socialismo e “avessos que somos à estreiteza sectária” deveríamos buscar “no campo político” os caminhos “concretos que nos conduzam a um novo regime”.
Leninista convicto, e prenunciando as novas e dificílimas circunstâncias do quadro estratégico de forças em gestação, Amazonas declarou ali ainda, de maneira sábia e materialista: “Não se pode ir em linha reta ao poder socialista. Há de se encontrar, em cada momento, aliados permanentes ou ocasionais que, nos embates políticos, ajudem a impulsionar o avanço do movimento emancipador”; ao mesmo tempo se voltar à descoberta daquelas tarefas centrais das cadeias dos acontecimentos para a facilitação do “êxito estratégico” (em: “Em defesa dos trabalhadores e do povo brasileiro. Documentos do PC do Brasil 1960-2000”).

Como interpretou Renato Rabelo em “O desafio de desenvolver a teoria marxista”, Amazonas recuperou Lênin no sentido de retomar a (antiga!) definição do marxismo não ser um dogma nem doutrina acabada, pois a visão dogmática que permeava o movimento impedia a construção de alternativas revolucionárias “levando-se em conta a diversidade e a singularidade próprias de cada país”, disse ele. Segundo ainda Rabelo, a compreensão da relação dialética entre a estratégia e tática foi uma das importantes elaborações de Amazonas, lecionando combinar amplitude e flexibilidade com “nitidez de objetivos e rumos” (em: “Os desafios do socialismo no século XXI”, Prefácio, de J. Amazonas, 2005, p. 8, 2ª edição ampliada)

Por isso, importa fixar que Amazonas, no vibrante e seminal artigo de combate ideológico “Por que o Partido venceu”, divulgado na “A Classe Operária” (Fevereiro de 1987, como “Viva o PCdoB!”) sublinha com nitidez, entre outras questões cruciais, o amadurecimento teórico dos anos idos 1950, de intrépido combate ao revisionismo. O Partido, diz a seguir, “entendeu o mecanismo de vinculação da tática à estratégia – a tática enquanto atuação preparatória dos momentos decisivos e estratégia como realização, em condições amadurecidas, do objetivo maior visado”.

Amazonas, reconhecidamente, sempre se mostrou um revolucionário aberto às novas questões, procurando ser consequente com os ensinamentos da dialética leninista. Seus estudos mais valiosos, a meu juízo, encontram-se nos questionamentos que passou a fazer acerca da enigmática e decisiva questão da transição ao socialismo. Em “Capitalismo de Estado na transição ao socialismo: notável contribuição de Lênin á teoria revolucionária do progresso social” (1993), o veterano dirigente comunista considera que a concepção de Lênin sobre a transição com um “avanço da ciência social”, de “valor inestimável”; onde o pensador russo “abrange toda uma série de questões”, armado da dialética materialista “distingue” diferentes situações que envelheceram “e o que de novo desponta”; abarca igualmente a “maneira de como conceber corretamente essa a transição”. Uma “lástima” o desconhecimento de tal “perspicaz visão estratégica” de Lênin – escreve Amazonas (em: “Os desafios do século XXI”, J. Amazonas, op. cit., p. 28).

Inconteste revolucionário e homem de partido às últimas consequências, algumas de suas características mais relevantes de João Amazonas foram descritas em belo artigo – “João Amazonas, um revolucionário irrepetível” – do escritor e comunista português Miguel U. Rodrigues, logo a seguir a sua morte, onde se lê:

“A sua firmeza de convicções era incompatível com atitudes de suficiência. Nunca ocultou o seu desejo de aprender enquanto procurava transmitir, e muito era, o saber teórico e pratico adquirido numa existência de lutador” (em: www.resistrir.info 31/5/2002).

Muito bem dito.