O campo progressista brasileiro entrou na alça de mira da mídia, inclusive a internacional, como alvo principal. Além dos jornalões, portalões, TVs e rádios monopolizados pelo cartel gobbeliano que domina a comunicação brasileira, blogs, redes sociais e peças pretensamente humoristas disparam rajadas conservadoras numa velocidade e profusão estonteantes. Essa onda marrom começou a se levantar antes mesmo da posse do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, em 2003, mas, como é do feitio da direita, em ano de eleição ela ganha densidade.

Neste ano, no entanto, a pauta e a propaganda ideológica fundada no rancor político e no ódio de classes talvez já seja a mais torpe da história brasileira. Os mandantes da mídia sequer são capazes de admitir a ideia de que as pessoas que não seguem seu figurino ideológico não são necessariamente “petistas”. Basta ser democrata e progressista para ser enquadrado nesta categoria. O epíteto passou a ser sinônimo de xingamento e se sobrepõe pesadamente às melhorias que vira e mexe a própria mídia é obrigada a noticiar. São dados que aparecem distorcidos ou camuflados pelo catastrofismo. O progresso que todo mundo vê com os próprios olhos não existe, segundo nos garante esses meios de comunicação.

Cenário de guerra e golpe de Estado

Está claro que os pontos de vista, as análises e o noticiário de diversos órgãos de imprensa que não pertencem ao monopólio midiático brasileiro compõem um quadro muito ruim para a direita. Também é verdade que o governo cometeu erros factuais, embora tenha acertado muito mais vezes do que errou. Pode-se até concordar, enfim, quando a mídia diz que o governo não é do seu agrado. Mas onde está escrito que deveria ser? É essa, justamente, a ideia que tantas pessoas de peso na mídia e a seu redor não conseguem aceitar. Na sua visão, o governo não teria o direito de contrariá-la porque ela é a nata da democracia.

Esta posição serve, em primeiro lugar, ao propósito muito útil de fornecer uma desculpa a membros da direita que defendem a “liberdade de imprensa”. Em segundo lugar, comprova a alergia da mídia à liberdade de expressão — valor que toleram por não terem força para suprimir. ”A grande mídia foi montando primeiro um cenário de guerra e, depois, de golpe de Estado”, afirma a filósofa Marilena Chauí. Por trás de tudo isso, há um jogo perigoso.

Em entrevista à torpe revista Veja, algum tempo atrás, o historiador José Murilo de Carvalho disse que existe uma “armadilha” no Brasil. “Os escândalos políticos não colaram no presidente (Lula) porque ele é um distribuidor de benefícios. No atual mandato, a instituição que mais se desmoralizou foi o Congresso. Se você tem uma economia melhorando, um presidente com apoio popular e um Congresso desmoralizado, qual o resultado? A América Latina está nos mostrando o risco”, disse ele. Logo, seria premente a necessidade de enfraquecer o Executivo para evitar qualquer tentação “autoritária”.

Separar as emoções das realidades

Trata-se de um sofisma, está claro. O Executivo e o Legislativo — ou o Judiciário — são pedras no sapato da direita porque, progressivamente, eles tendem à democracia. O fato é que há também uma campanha nacional contra o parlamento. Segundo a mesma revista, a juíza da 10ª Vara da Justiça Federal Maria de Fátima Costa disse, durante audiência do “mensalão”, ao deputado Paulo Rocha (PT-PA): “O senhor não vai bagunçar a minha audiência. Aqui não é a Câmara dos Deputados.” É o mesmo achincalhe ao parlamento que se vê em colunistas e blogueiros do estrato moral de gente como Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi e Cláudio Humberto. Ou seja: essas figuras desclassificadas servem de referência até para magistrados.

O Brasil conhece bem, e há muitos anos, a situação de ter dentro de si diversos países diferentes convivendo ao mesmo tempo. No presente momento, a diferença que mais chama a atenção é a existente entre o Brasil da calamidade e o Brasil do progresso. O primeiro, como dizem os mestres-de-cerimônia ao introduzir algum personagem que todo mundo conhece, dispensa apresentações: é o Brasil da elite em particular e da mídia, visível todo dia e a qualquer hora em um noticiário político que cada vez mais se parece com os programas de palhaçadas de quinta categoria.

O segundo Brasil é o país do trabalho, do mérito e do progresso — tão real, tão visível e tão vigoroso em suas virtudes quanto o primeiro é vigoroso em seus vícios. A questão mais relevante do momento, do ponto de vista prático, é determinar até onde o país da mídia pode piorar — e os fatos mostram que ele tem tudo para continuar piorando — sem que isso torne inviável o país do avanço. É muito fácil, diante da degeneração crescente da mídia, concluir que o filme já terminou e o bandido acabou ganhando.

Mais difícil, porque dá mais trabalho, é separar as emoções das realidades — e quando se faz essa tarefa com aplicação e cabeça fria o que começa a tomar forma é a possibilidade de que esteja ocorrendo exatamente o contrário. Sem dúvida, o Brasil arcaico dá provas diárias de que está mais vivo e atuante do que nunca. Mas, ao mesmo tempo, parece cada vez menos capaz de impedir os avanços do Brasil novo. Qual o caminho a seguir? Os fatos, mais do que as propagandas ou os desejos, vão responder de um jeito ou de outro a essa pergunta.

A esquerda não pode se encolher

Como diria Lula, o que se pode dizer com certeza, hoje, como nunca antes na história deste país, é que encontram-se em operação forças positivas que jamais haviam se manifestado de forma simultânea. O problema é que isso faz aflorar o que há de pior na mentalidade da direita. Guardadas as diferenças, é algo parecido com o que acontece na Europa. A diferença é que lá a direita que defende o que a direita daqui defende ganha o rótulo de nazista por ser a favor do que ela chama de limpeza social: o extermínio dos seus pobres, os imigrantes. No Brasil, não é raro ouvir que ladrão bom é ladrão morto, especialmente se ele for pobre e negro.A diferença é que na Europa o discurso é aberto e ainda causa arrepios. No Brasil, ele é velado e rende votos.

É uma lástima que a direita no Brasil esteja mais preocupada em preservar a estrutura medieval de nossa sociedade do que em debater abertamente a situação do país. A esquerda não pode se encolher diante disso. Na internet, predomina o ideário elitista. Precisamos de mais blogs, colunas e opiniões progressistas. É o futuro da nação que está em jogo. E ele pode começar a ser definido neste terreno da luta de ideias.