A alguns espantou a guinada à direita que o Brasil deu no primeiro turno das últimas eleições. Se não deixa de ser espantosa a consubstanciação eleitoral do conservadorismo latente em nossa sociedade atual, ela não é também algo que ninguém esperasse. A nossa viravolta conservadora já estava anunciada nas jornadas de junho de 2013, em que muito do combustível era reacionário. Ela também se achava difusa em movimentos importantes da composição social brasileira, que têm a ver com o avanço da classe média e das religiões neopentecostais. Nossa “endireitada” era (e é) um conteúdo social verdadeiro, disponível a quem quisesse ver ou intuir, e à espera de uma forma que lhe desse expressão ideológica e política. E, enfim, deu-se a formulação do neoconservadorismo brasileiro: no novo Congresso, em diversas disputas de Governo estadual, na virada do candidato do PSDB sobre Marina Silva e sua consequente chegada com novo ânimo ao segundo turno da corrida presidencial.

Em suma, o Brasil deu um passo à direita. E é assim que nos achamos às portas do segundo turno da eleição para presidente. Acompanhamos um pouco atônitos a velocidade com que o conjunto de representantes do conservadorismo mais rasteiro tupiniquim abraçou a candidatura de Aécio Neves após o dia 05 de outubro. Compreendendo que algo, com substância, transforma-se no cenário político brasileiro, velhas raposas também tentam se colar na candidatura do PSDB à presidência, bem como o degringolado PSB, que já não sabe mais bem quem é dentro do contexto brasileiro e quer resolver sua crise de identidade aderindo ao movimento geral. Devido ao oportunismo ou ao idealismo direitista, o campo de ação política da esquerda está agora pressionado. Mesmo assim, a conjuntura ainda deixa espaço para a disputa em alto nível e também para a vitória presidencial da presidenta Dilma. Mas, para isso, será preciso politizar o debate e não temer assumir que está em jogo um projeto à esquerda de país que, em doze anos, fez a nação, com alguns erros e contradições inelutáveis, apoiar seu desenvolvimento em garantias de avanços inegáveis e estruturais para a sociedade como um todo e, de modo especial, para aqueles que sofrem o capitalismo à brasileira.
Hoje, portanto, no segundo turno, a luta de todos os brasileiros conscientes de seu papel político progressista é a luta é contra a direita. Ela tem se aproveitado de problemas indiscutíveis na economia e na gestão política do Partido dos Trabalhadores para construir uma frente ampla de conservadorismo que pretende restaurar o caminho de dilapidação neoliberal para o país. Temos de unir as esquerdas contra isso, considerando realisticamente que, para um país como o nosso, é sempre melhor uma esquerda que erra às vezes do que uma direita que acerta sempre. É contra esse modelo que deve ser montado nosso discurso de desconstrução da candidatura reacionária de Aécio Neves. Devemos confrontar o seu projeto com causas progressistas essenciais que até agora fizeram diferença e com outras que deviam já ter entrado em pauta.
Uma dessas causas essenciais está em assumir verdadeiramente o compromisso com a reforma política. Fazê-la de modo amplo e irrestrito é uma das principais bandeiras da esquerda. Uma verdadeira reforma, via constituinte exclusiva, é o que pode garantir ao eleitor que a política não será mais discutida como se fosse um assunto de sacristia, onde se condenam pecados alheios sem olhar o próprio rabo. O compromisso com a reforma política é o antídoto contra o moralismo, que é uma arma dos conservadores.
Outra dessas causas tem a ver com a democratização das mídias. O monopólio das comunicações e a irresponsabilidade com que interesses escusos se tornam notícia ou “verdade” é uma das maiores afrontas à democracia brasileira, especialmente porque ela ocorre cotidianamente e passa praticamente ilesa a críticas substanciais. É preciso que deixemos claro o compromisso das esquerdas com a defesa da democracia brasileira e esse compromisso não se estabelece sem quebrar privilégios dos grandes barões da comunicação no país.
Por fim, apenas para citar mais uma dessas causas que precisam ser resgatadas, reinventadas e divulgadas incansavelmente durante a corrida presidencial do segundo turno, lembremos da questão da educação. Não houve campo da ação política em que mais se avançou nos últimos doze anos do que no caso da educação pública gratuita e de qualidade. Conquistamos um novo patamar de acesso e qualidade a escolas e universidades, conseguimos grandes feitos no que se refere ao estímulo à formação e à qualificação de docentes. O ensino superior público é hoje renovado e pleno de diversidade. Temos uma universidade viva e que dá o que pensar. Tudo pode ir por água abaixo se o conservadorismo se apropriar desse campo. Não nos esqueçamos do que aconteceu recentemente com a USP, sob os governos do PSDB em São Paulo.
Enfim, as esquerdas não podem esperar uma possível vitória do conservadorismo para unirem-se em torno de bandeiras que são historicamente vinculadas ao avanço progressista da sociedade, no sentido da promoção da emancipação das classes exploradas. É hora de politizar o debate para vencer o segundo turno. É hora de fazer algo em que talvez tenhamos falhado nesses anos: precisamos promover o debate e a educação política da juventude. Se derrotarmos o candidato da direita nesse segundo turno, educar politizando será uma tarefa para se realizar cotidianamente nos próximos quatro anos. Para vencer o conservadorismo será necessário confrontá-lo com seus limites de classe e continuar uma mobilização perene, a fim de que a esquerda não se perca em concessões que lhe traiam a essência. Um projeto de Brasil está em jogo no segundo turno: ou ele aprofunda suas conquistas à esquerda ou será dilacerado pela direita para onde uma parte do país já se voltou.
Alexandre Pilati é professor de literatura brasileira da Universidade de Brasília. É autor de A nação drummondiana (7Letras, 2009) e organizador do volume de ensaios O Brasil ainda se pensa – 50 anos de Formação da Literatura Brasileira (Horizonte, 2012). www.alexandrepilati.com
*“Horizonte cerrado” é a expressão que inicia o primeiro verso do soneto de abertura do livro Poesias (1948) do poeta carioca Dante Milano. Sendo microcosmo do poema, a expressão também serve para expor a situação atual de um mundo cujas perspectivas nos aparecem sempre encobertas por nuvens ideológicas cada vez mais intrincadas. O que pode o olhar do poeta, do escritor e do crítico literário diante disso tudo? Esta coluna, inspirada na lição de velhos mestres, quer testar as possibilidades de olhar algo do real detrás da névoa, discutindo literatura, arte, política e pensamento hoje.