RITA COITINHOPUBLICADO EM 04.02.2015

Neste 21 de janeiro lembramos os 90 anos da morte do grande revolucionário, político, estrategista, organizador do partido e das massas e estadista, Vladimir Lênin. O mais genial continuador da obra de Marx e Engels e, sem dúvida, a maior dentre as maiores personalidades do século 20.

ReproduçãoR. Coitinho: Homenagem a Lênin; interpretar e transformar

Noventa anos da morte do grande revolucionário, político, estrategista, organizador do partido e das massas e estadista, Vladimir Lênin.

A monumental contribuição de Lênin, cujas “obras completas” somam milhares de páginas – entre discursos, panfletos, programas, artigos e obras de maior envergadura e imensa densidade teórica – não poderia ser resumida em apenas um livro e, menos ainda, em um simples artigo. Apresentaremos a seguir, como forma de render-lhe uma modesta homenagem, alguns dos aspectos que destacamos de seu pensamento, com a certeza de que a difusão e o estímulo ao estudo de suas obras e, fundamentalmente, a busca da realização de seu objetivo maior – a construção do socialismo e, com ele, a paz entre os povos e o fim da exploração de uma classe pela outra – são os melhores tributos que podemos prestar à sua memória.

A defesa do marxismo

Na Rússia pré-revolucionária o marxismo adentrou com certa força nos círculos intelectuais. Porém o entendimento de que as condições russas eram demasiadamente atrasadas em relação aos países de capitalismo avançado da Europa levava muitos “marxistas” à conclusão de que não seria possível a revolução socialista enquanto não se desenvolvessem plenamente as forças produtivas. Lênin travou dura batalha contra as deturpações dogmáticas e revisionistas do marxismo. “A Rússia fez seu o marxismo, como teoria revolucionária justa” (1), como um sistema de teorias adequado à compreensão da realidade de qualquer país do mundo na atualidade. Lênin demonstrou que a teoria de Marx e Engels oferece instrumentos para a compreensão e transformação da realidade. Seu desenvolvimento contínuo não pressupõe, no entanto, a negação das categorias fundamentais elaboradas pelos dois teóricos nem, por outro lado, a cristalização dogmática das formulações táticas, que estavam ligadas ao tempo e ao lugar histórico. Mais do que um método, o marxismo é “teoria e programa do movimento operário de todos os países” (2).

O desenvolvimento leninista da teoria de Marx e Engels determinou a tática do partido na revolução de 1905-1907, nos anos de reação e violência contrarrevolucionária que se seguiram à revolução democrático-burguesa e possibilitou a vitória dos bolcheviques em 1917. Nos duros anos de repressão houve grande penetração da ideologia burguesa nos círculos científicos e literários e Lênin travou duro combate para defender o marxismo em contraposição à justificação ideológica da contrarrevolução, ao ressurgimento do misticismo e de concepções idealistas. Dentre os inúmeros trabalhos importantes desse período de perseguição aos revolucionários destaca-se o monumental Materialismo e Empiriocriticismo – notas críticas sobre uma filosofia reacionária, em que Lênin refutou o idealismo subjetivista e desenvolveu, em todas as suas possibilidades, a teoria marxista da cognoscibilidade do mundo.

A filosofia reacionária – que se espalhava pela Europa, não sendo um fenômeno exclusivamente russo – procurava negar a possibilidade de se conhecer a realidade objetiva, considerando obsoleto o conceito de matéria e reduzindo a tarefa da ciência ao conhecimento das “sensações”. Lênin definiu a verdade como um processo complexo e contraditório de desenvolvimento do conhecimento, em que as variadas verdades relativas somadas nos aproximam de uma “soma de verdade absoluta”. Cada nova descoberta é um degrau no processo de construção do conhecimento e “os limites da verdade objetiva são relativos, sendo ora alargados ora restringidos à medida que cresce o conhecimento” (3).

Em realidade, a ciência burguesa busca – em todas as épocas posteriores à chegada dessa classe ao poder – negar a existência de uma verdade e da possibilidade do conhecimento dos fenômenos sociais. Se não é possível conhecer a realidade, não é também possível conceber a continuidade histórica – e então o socialismo é mera fraseologia e não se sustenta a não ser na cabeça de seus propagandistas. Essa pseudociência idealista reapresenta-se, na atualidade, sob o manto da pós-modernidade, razão pela qual o conhecimento da crítica de Lênin e sua defesa da dialética materialista se faz necessário.

Imperialismo, internacionalismo e defesa da paz

Dentre a vasta gama de inovações de Lênin não poderíamos deixar de destacar, ainda que muito superficialmente, a teoria do imperialismo, apresentada ao público na obra O imperialismo, fase superior do capitalismo. Apoiado nas descobertas empreendidas por Marx e Engels, Lênin abordou o desenvolvimento do capitalismo mundial cerca de 50 anos após a publicação da obra de Marx, O Capital.

Em seu livro Lênin confirma as previsões de Marx sobre a tendência à concentração do capital e vai além, caracterizando de maneira magistral a nova (e última) fase do capitalismo, onde os monopólios dominam inteiramente a economia mundial e determinam a ação e a expansão dos Estados burgueses.

A teoria do imperialismo é definidora para a teoria da revolução, apoiada nas concepções sobre o Estado e as tarefas dos partidos revolucionários. Isto fica claro na polêmica travada com Kautsky, que acusava os bolcheviques de imporem à Rússia uma “ditadura”, ao passo que seria desejável e possível a revolução por vias democráticas. Sem a compreensão da etapa monopolista do capital não estariam claras as questões relativas à “forma” das revoluções do século 20. Nessa etapa o aparato de Estado, completamente dominado pela burguesia e fortemente militarizado, patrocina a contrarrevolução e luta violentamente pelos seus privilégios. A burguesia de um país, uma vez vencida, será defendida pelas burguesias de outros países, uma vez que seus interesses de classe internacionalizaram-se. A defesa de um processo revolucionário pacífico como princípio (e não como possibilidade, em determinado caso) não passa, portanto, de mera fraseologia ingênua ou, no caso de Kautsky, de abandono dos objetivos revolucionários. Afirma Lênin: “…o imperialismo, isto é, o capitalismo monopolista, que só atingiu a plena maturidade no século 20, pelas suas particularidades econômicas essenciais, distingue-se por um apego mínimo à paz e à liberdade, por um desenvolvimento máximo da camarilha militarista em toda a parte. Não notar isto ao examinar em que medida uma revolução pacífica ou violenta é típica ou provável, é descer ao nível do mais vulgar lacaio da burguesia” (4).

A teoria do imperialismo demonstrou que todo o mundo passou a ser objeto de repartição entre os monopólios. Lênin demonstrou que a política colonial do capital financeiro distingue-se do colonialismo das épocas precedentes, uma vez que se dá pela subjugação econômica. “O capital financeiro é uma força tão considerável, pode dizer-se até decisiva, em todas as relações econômicas e internacionais, que é capaz de subordinar – e em efeito subordina – inclusive os Estados que gozam da independência política mais completa” (5).

Na atual etapa do desenvolvimento do capitalismo, as questões “nacionais” o são apenas em parte, uma vez que os monopólios internacionais dominam economicamente a ampla maioria dos países. Desta concepção decorre o internacionalismo proletário: na medida em que a dominação econômica ultrapassa as fronteiras nacionais, também a luta pelo socialismo deve ser internacionalizada.

Com base nessa concepção Lênin foi inimigo incansável da guerra imperialista. A guerra, como continuação da política, deve ser analisada e compreendida pelo seu caráter de classe e não pelo ponto de vista exclusivamente nacional. A 1ª Guerra Mundial, contra a qual bateram-se os bolcheviques na Rússia e o grupo de Rosa Luxemburgo na Alemanha, era uma guerra imperialista e, como tal, devia ser denunciada e combatida. Os comunistas, sob a orientação de Lênin (e, na Alemanha, com a liderança de Rosa Luxemburgo), romperam definitivamente com a política conciliadora e nacional-burguesa da 2ª Internacional, cujo maior teórico, Karl Kautsky, alinhava-se à política belicista do nascente imperialismo alemão. Essa passagem da obra A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky é bastante ilustrativa do posicionamento assumido por Lênin: “Assim, o internacionalismo de Kautsky e dos mencheviques consiste no seguinte: exigir reformas do governo burguês imperialista, mas continuar a apoiá-lo, continuar a apoiar a guerra travada por esse governo até que todos os beligerantes tenham aceitado a palavra de ordem: sem anexações nem contribuições (…). Teoricamente, isto é uma total incapacidade de se separar dos sociais-chauvinistas e uma completa confusão na questão da defesa da pátria. Politicamente, é substituir o internacionalismo pelo nacionalismo pequeno-burguês e passar para o lado do reformismo, renegar a revolução” (6).

Um partido para fazer a revolução

Lênin logrou demonstrar, na defesa e no desenvolvimento do marxismo, a unidade entre a teoria e o movimento revolucionário. A revolução socialista não seria um ato espontâneo das massas, mas um movimento decidido, baseado na análise da realidade e na organização do povo para a revolução. Em obras como Que Fazer?Um Passo a Frente, Dois Atrás, Duas Táticas da Social Democracia na Revolução Democrática (dentre inúmeras outras), consolidou sua concepção sobre a luta do proletariado, fundamentando o formato e o papel decisivo do partido comunista como força dirigente do movimento revolucionário.

Para viabilizar o caminho para a conquista do poder e a construção do primeiro Estado operário da história da humanidade (ou o segundo, se considerarmos a breve existência da Comuna de Paris), Lênin demonstrou ser imprescindível a consolidação de um partido com centro dirigente único, com forte disciplina e unidade de ação, capaz de atuar nos momentos de propaganda aberta e nos anos de repressão. Um partido para dirigir a luta política em todas as suas vertentes e possibilidades e realizar a necessária aliança política entre camponeses e proletários. Conforme Lênin, “a política é uma ciência e uma arte que não cai do céu, que não se obtém gratuitamente, e se o proletariado quer vencer a burguesia deve formar os seus ‘políticos de classe’” (7). A ação do partido comunista deve almejar conquistar as opiniões da maioria do povo, por meio da ação em todos os espaços, por todas as formas de luta necessárias – legais ou ilegais, a depender do momento histórico. Pois “sem uma mudança de opiniões da maioria da classe operária a revolução é impossível, e essa mudança consegue-se por meio da experiência política das massas, nunca apenas com a propaganda” (8).

A existência do partido nos moldes concebidos por Lênin e sua liderança inquestionável foram elementos cruciais para o sucesso da revolução de 1917. Nas Teses de Abril, levadas a público imediatamente após o regresso de Lênin, que estava no exílio, bem como na brochura “As tarefas do proletariado na nossa revolução”, e ainda algumas outras dezenas de documentos programáticos desse período, Lênin traçou uma estratégia consequente para a preparação da transição socialista.

O programa de Lênin, aprovado pelo Partido Comunista na Conferência de Abril, definia as tarefas dos comunistas para mobilizar as massas e avançar para uma situação de transição da etapa democrático-burguesa para a construção da revolução socialista. Naquele mesmo ano, no entanto, no mês de julho, o governo provisório (burguês) mandou metralhar uma manifestação de operários em Petrogrado, o que marcou o fim da etapa pacífica da revolução. Era preciso tomar o poder imediatamente e Lênin indicou, no artigo “A Propósito das palavras de ordem” a necessária mudança nas palavras de ordem, que deveriam ser, agora, Todo o Poder aos Soviets!

Estado, Ditadura do Proletariado e o Estado Soviético

O congresso clandestino do Partido Comunista, realizado em agosto, voltou-se para a preparação das massas para uma insurreição armada, conduzida pelo partido. Lênin, mantido no exílio por cerca de 110 dias, escreveu uma impressionante quantidade de documentos, onde desenvolveu e aprimorou a concepção marxista de Estado, em especial na obra O Estado e a Revolução.

Nessa obra Lênin combate os revisionistas e socialistas “de esquerda”, apegados a uma noção quase mítica do Estado. Segundo ele, “A luta para libertar as massas trabalhadoras da influência da burguesia em geral, e da burguesia imperialista em particular, é impossível sem uma luta contra os preconceitos oportunistas em relação ao Estado” (9). Assim como em Marx e Engels, Lênin definiu o Estado como instrumento da classe que está no poder. Dessa noção deriva o conceito de ditadura do proletariado, que os reformistas trataram de desvirtuar para atacar os bolcheviques.

Foi o que fizeram Kautsky e mencheviques como Martóv. Os reformistas procuraram atribuir ao conceito de “democracia” e ao parlamentarismo burguês (o cretinismo parlamentar, nas palavras de Lênin) valores pretensamente universais, procurando esconder (por meio de citações incompletas e interpretações que deturpavam o sentido original dos textos de Marx e Engels) a formulação segundo a qual a natureza do Estado – seja ele qual for – é a garantia do poder da classe dominante por meio da repressão às demais classes existentes na sociedade, onde o conceito de ditadura do proletariado remete, unicamente, à ideia de que o Estado, sob controle da classe revolucionária, deverá exercer seu poder politico sobre a classe derrotada, até que esta seja definitivamente expropriada e eliminada enquanto classe. Desenvolvemos com maior detalhe essa questão em outro artigo, já publicado neste mesmo Portal (“A teoria do Estado e o partido revolucionário em Marx e Engels”).

A questão da tomada o poder pelos bolcheviques pela via insurrecional, a organização do Estado, as medidas práticas para a construção do socialismo, a necessidade de um acordo de paz, a formação de uma disciplina proletária, a defesa da centralização do poder – em contraposição aos “comunistas de esquerda”, que não defendiam mais dos que os princípios da pequena-burguesia – e até mesmo os princípios da gestão econômica da nascente sociedade soviética foram formulados por Lênin num intervalo de pouco mais de um ano (entre março de 1917 e fins de 1918). São desse momento obras que combateram implacavelmente a política propagandeada por Trotsky, Bukhárin e outros “comunistas de esquerda”, programas de trabalho, regulamentos para gestão das empresas nacionalizadas, documentos sobre a questão da nacionalização das terras, dentre outras centenas de páginas.

Uma das contribuições fundamentais de Lênin, que não pode deixar de ser mencionada, foi a formulação da Nova Política Econômica, que assegurou uma sólida aliança entre a classe operária e o campesinato e lançou os fundamentos econômicos do nascente socialismo. Era necessário vencer o imenso atraso material da nação soviética, de modo a garantir os meios de vida e, ainda, preparar as condições para resistir aos novos ataques das potências imperialistas. No texto “É melhor menos, mas melhor”, Lênin apresentou claramente o perigo da agressão imperialista, em um mundo já cindido em duas metades. Esse é um texto do último ano da vida de Lênin, que veio a falecer, em consequência do atentando sofrido, em 21 de janeiro de 1924.

Nos últimos anos de vida Lênin preocupou-se particularmente com a garantia da paz, por meio de acordos externos, com o desenvolvimento da indústria, com a relação entre o Partido e os Soviets e com os já imensos problemas referentes à administração e à burocratização do estado. Apontou diversos problemas que já anunciavam as complicações que atingiriam seu auge algumas décadas depois, levando ao colapso da URSS. Sua morte prematura foi uma grande perda para o nascente socialismo e para todo o movimento comunista internacional. Seu legado, nossa principal arma teórica.

Notas

1 – Lênin, V.I. Esquerdismo, doença infantil do comunismo. In: LENINE, V.I. Obras escolhidas. São Paulo, Alfa-Ômega (Progresso/Avante), 1980. Tomo 3.
2 – ————- Karl Marx. LENINE, V.I. Obras escolhidas. São Paulo, Alfa-Ômega (Progresso/Avante), 1980. Tomo 1.
3 – ————- Materialismo e Empiriocriticismo. Edições Avante: Lisboa, 1982. Pg 101.
4 ————— A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky. In: LENINE, V.I. Obras escolhidas. São Paulo, Alfa-Ômega (Progresso/Avante), 1980. Tomo 3
5 – ————- O imperialismo, fase superior do capitalismo. In: LENINE, V.I. Obras escolhidas. São Paulo, Alfa-Ômega (Progresso/Avante), 1980. Tomo 1.
6 – ————— A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky. In: LENINE, V.I. Obras escolhidas. São Paulo, Alfa-Ômega (Progresso/Avante), 1980. Tomo 3
7- ————- A doença infantil do esquerdismo no comunismo. In: LENINE, V.I. Obras escolhidas. São Paulo, Alfa-Ômega (Progresso/Avante), 1980. Tomo 3, página 321.
8 – idem, página 324.
9 – ———– O Estado e a Revolução. In: Obras Escolhidas, Alfa-Ômega, São Paulo: 1980. Tomo II, pg 223.

*Rita Coitinho é mestra em sociologia, cientista social e dirigente do PCdoB em Santa Catarina

Especial para o Vermelho