A luta pelo fortalecimento do Estado Nacional foi e continua sendo uma das batalhas mais importantes dos movimentos progressistas em nosso país.

A presença sólida do aparato estatal em centenas – ou quem sabe milhares – de municípios brasileiros, onde as relações sociais exibem traços de barbárie, constitui-se vital até mesmo para se garantir as conquistas humanitárias básicas alcançadas nos últimos tempos.

Onde não há policiamento, prevalecem as milícias. Onde não há hospitais públicos, dominam os charlatães. Onde não há educação de qualidade, sobressai o misticismo. Não significa que a presença de todos esses serviços públicos prestados à coletividade garantirá o fim desses grupos, práticas ou fenômenos nocivos à sociedade. Mas, na ausência ou carência deles, verificamos o recrudescimento de todos os tipos de violência.

Também a lacuna deixada pelo Estado na economia logo é preenchida pelo mercado. Dessa forma, para os liberais de todos os matizes, cada vez menos restrição do Estado implica cada vez mais liberdade para o capital atuar de acordo com suas conveniências. Áreas estratégicas da economia da nação, tais como energia, agricultura, educação, comunicação, segurança entre outras, são ferozmente disputadas por gigantescos monopólios na busca de lucros colossais às expensas das privações de milhões de pessoas. Basta lembrarmos que algumas multinacionais sozinhas têm hoje lucros anuais muito maiores que o Produto Interno Bruto de vários países somados juntos.

A defesa do Estado Nacional, portanto, se apresenta aos trabalhadores como uma das mais importantes bandeiras na atual quadra política. Fortalecê-lo é imprescindível para o desenvolvimento das forças produtivas e, consequentemente, o avanço das forças progressistas.

Entretanto, não pode haver ilusões sobre o caráter eminentemente burguês desse Estado que, como diria Lênin, é “o produto das contradições inconciliáveis das classes sociais”. Ainda, de acordo com Lênin em seu “O Estado e a Revolução”, citando trechos da obra “A Origem da Família, da Propriedade Privada, e do Estado” de Engels, “O Estado não é, de forma alguma, uma força imposta, do exterior, à sociedade. Não é, tampouco, “a realidade da Idéia moral”, “a imagem e a realidade da Razão como pretende Hegel. É um produto da sociedade numa certa fase do seu desenvolvimento. É a confissão de que essa sociedade se embaraçou numa insolúvel contradição interna, se dividiu em antagonismos inconciliáveis de que não pode desvencilhar-se. Mas, para que essas classes antagônicas, com interesses econômicos contrários, não se entre devorassem e não devorassem a sociedade numa luta estéril, sentiu-se a necessidade de uma força que se colocasse aparentemente acima da sociedade, com o fim de atenuar o conflito nos limites da “ordem”. Essa força, que sai da sociedade, ficando, porém, por cima dela e dela se afastando cada vez mais, é o Estado”.

Ilusão (ou má fé) ainda maior é parte da opinião pública dita especializada em política de nosso país, com o assentimento de grande parte da própria esquerda, professar besteiras do tipo uma suposta “venezuelização” em curso do Estado brasileiro como se na própria Venezuela o Estado não fosse burguês até a raiz dos cabelos (basta ver as intermináveis sabotagens em todos os níveis do âmbito público e privado). Se a esquerda no Brasil, com muito custo e muitas concessões, logrou ocupar a cadeira presidencial, o Poder Executivo revela-se ser um limitado, embora importante, espaço político para se promover as políticas progressistas reclamadas pelos trabalhadores.

Em outras palavras, o hercúleo esforço das forças progressistas em atuar no interior de um Estado capitalista que, segundo Lênin, é “sempre o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante que, também graças a ele, se toma a classe politicamente dominante e adquire, assim, novos meios de oprimir e explorar a classe dominada” impõe limitações que precisam ser reconhecidas, sobretudo, aos mais sonhadores que, frequentemente, fazem cobranças e exigências de todos os tipos esquecendo-se, ou não compreendendo, as restrições desse espaço de poder e de uma correlação de forças ainda extremamente desfavorável.

O poder judiciário, em toda a sua extensão, é notadamente conservador. A grande mídia privada (que como concessão pública conta com a subserviência e cumplicidade do Estado burguês) está capilarizada em todo o vasto território nacional e conta com uma ampla rede repetidora de seu conteúdo reacionário, composto por pequenos e médios canais de comunicação que, no geral, são empresas dominadas pelas classes dominantes locais. O Poder Legislativo, desde as milhares de Câmaras de Vereadores até o Senado Federal, representa uma minoria do povo, composto majoritariamente pelos representantes da burguesia. Isso sem falar do poder econômico e de outras organizações que exercem forte influência cultural e ideológica nas massas populares e são fortemente vinculadas ao projeto de poder capitalista dominante.

Mas se o Estado é burguês, por que as forças progressistas e populares participam dele então? O próprio Lênin nos lembra que “há, no entanto, períodos excepcionais em que as classes em luta atingem tal equilíbrio de forças, que o poder público adquire momentaneamente certa independência em relação às mesmas e se torna uma espécie de árbitro entre elas.” E mesmo nos dias de hoje, onde prevalece um desequilíbrio brutal pendendo em favor dos reacionários, é imperioso contar com a presença sempre lúcida e combativa dos representantes da classe operária, das maiorias espoliadas pela ditadura do capital, a fim de, ao menos, tentar barrar as investidas mais fascistas e reacionárias no plano tático, acumulando forças para o enfrentamento estratégico, de prolongado fôlego.

Pode-se afirmar, baseado nos números e fatos, que a participação da esquerda nos espaços do poder público, embora muito pequeno em comparação com a abissal influência e presença dos conservadores, já representou avanços imensos ao povo brasileiro. Desmitificar essa falsa contradição entre o militante social e o militante que hoje ocupa cargos em governos, é tão importante como a velha dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho manual.

Desse modo, a alucinação de parte da direita mais recalcitrante que vê o espectro do socialismo possuindo o Estado brasileiro, é mais um delírio de quem se assombra até diante da livre e aberta organização dos partidos de esquerda da América Latina por meio do Foro de São Paulo.

A tal da “venezuelização” do Estado brasileiro é a tese mais ridícula de quem desconhece o mais básico e elementar de nosso país, da nossa Administração Pública, da própria Venezuela, e muito menos da classe social que representa. Mais que isso, manifesta um claro devaneio difundido através dos grandes meios de comunicação, para mascarar os avanços democráticos e, principalmente, desqualificar a minguada participação da esquerda nas instituições do Estado, criminalizando as forças populares e progressistas.