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Os militares e o espírito do golpe

27 de março de 2024

Durval de Noronha Goyos Jr escreve sobre o espírito golpista dos militares no Brasil

Em 15.11.1889, os militares brasileiros, sob a liderança do marechal Deodoro da Fonseca, com um golpe de Estado, depuseram a monarquia constitucional, para instalar um regime pretensamente republicano. A inspiração fora, em sua realidade, corporativa. O novo governo, chefiado por aquele militar, prontamente fechou o legislativo nacional e os provinciais. Ele durou apenas até 1891 e foi substituído por outro, também ditatorial, sob a chefia do marechal Floriano Peixoto, sobrinho do primeiro, até 1894. Durante este período, houve uma queda de 22.5% do PIB do País e o regime se sustentou pelas armas.

Desde a Guerra do Paraguai, nossos militares passaram a priorizar as vantagens econômicas e funcionais para os quadros próprios. Buscavam benesses e prebendas diversas, além de um envolvimento direto na política, de maneira de manter a manutenção e expansão das vantagens obtidas. No curso daquele conflito, a campanha principal da cavalaria havia sido feita pelos quadros da Guarda Nacional, uma organização não corporativa, imbuída de espírito de lealdade ao País e ao Imperador.

Terminado o confronto, os militares procuraram eliminar a Guarda Nacional em sua própria existência, ocorrida em 1922, após um processo de definhamento, também histórico, que continua. A partir de então, o Estado ficou à mercê do arbítrio das decisões da caserna, que tem suspendido a ordem jurídica sempre que lhe seja conveniente. Da mesma maneira, meras ameaças quotidianas dos militares se mostraram suficientes para que os civis acolhessem as suas muitas demandas corporativas.

Oportunistas, muitos setores econômicos do Brasil, com características regionais ou não, se associaram aos militares para promover ações em seus próprios interesses. O corporativismo contaminou o Estado. Em 1930, sob os efeitos da crise de 1929, oficiais de patentes inferiores, chamados tenentistas, viabilizaram um golpe de Estado, liderado por Getúlio Vargas, que impediu a posse do presidente eleito, Júlio Prestes. A reação constitucionalista de São Paulo causou a guerra civil de 1932, vencida pelas forças getulistas com o apoio militar unânime.

 Para sua sustentação no poder, os militares apoiaram a criação do Estado Novo, em 1937, com características marcadamente fascistas. O regime durou na prática até 1946, após o final da II Guerra Mundial. Os militares brasileiros já haviam decidido em 1943 abandonar o alinhamento com o Eixo e se submeter aos ditames dos EUA. As pressões da caserna se sucederam e novas crises da mesma natureza desestabilizadora ocorreram nos governos subsequentes do próprio Vargas, de Juscelino Kubitschek, de Jânio Quadros e de Jango Goulart.

Em 31 de março de 1964, a precária ordem constitucional brasileira foi destruída por mais um golpe de Estado dos militares, apoiados pelos EUA e por setores conservadores locais. O melífluo regime que se seguiu lançou o País nas trevas e projetou uma longa sombra nefasta sobre o futuro da Nação, que persiste após a Constituição de 1988. O preço pago tem sido altíssimo e tem repercussões econômicas, sociais e políticas ainda nos dias atuais.

Os militares, por sua vez, persistem com sua agenda na qual estão interesses espúrios e alguns setores representativos da caserna se mantém como força potencialmente desestabilizadora da ordem democrática. O orçamento federal de 2024 contempla os militares com R$ 124 bilhões, dos quais 85% são destinados a salários e benefícios, o que compromete o propósito constitucional da força. Este valor representa mais da metade do alocado à saúde pública.

Durval de Noronha Goyos Jr é jurista, escritor e historiador.

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