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Walter Sorrentino: “Socialismo: o autoentendimento de uma época”

28 de março de 2024

Íntegra da intervenção do vice-presidente nacional do PCdoB, Walter Sorrentino, durante o Festival Vermelho em Salvador.

Nós comunistas nunca esquecemos o nosso passado – a luta pelo socialismo vem de longe, são muitos aprendizados, vitórias e crises que nos temperaram.

Mas pisamos o chão do presente e miramos o futuro porque nos propomos a superar o que se vive: o sofrimento das pessoas comuns, a falta de liberdades e direitos, a injustiça e opressão, a destruição da natureza.

Visamos a superar sistemicamente o regime capitalista, envolto em contradições que são insolúveis nos marcos do próprio sistema; um regime que se movimenta pela acumulação do capital por meio de crises, da exploração do trabalho humano e opressão imperialista sobre nações.

A alternativa a isso é o regime socialista. Mas não somos pregadores de um futuro ilusório, utópico ou idílico. Como dizia Marx, nós “não vamos ao encontro do mundo de modo doutrinário com um novo princípio…, não antecipamos dogmaticamente o mundo, mas buscamos encontrar o novo mundo a partir da crítica ao antigo.”

Quer dizer, ser marxista é promover “o  auto entendimento de uma época sobre suas lutas e desejos”.

Somos fruto da alta modernidade, que nos chama a pensar com a ciência e a razão, sem ilusões, mas sem nos tornarmos desiludidos – como dizia Gramsci – quer dizer, nem com dogmatismo, nem com modismos passageiros que desconhecem fundamentos comprovados da ciência social, nem com modelos a-históricos.

Temos no marxismo um número formidável de pontos de partida comprovados pela prática revolucionária, desde Marx, Engels, Lênin, Gramsci, Mao Zedong, Ho Chi Minh e tantos outros. Todos mudaram radicalmente a vida de seus povos e abriram nova época histórica no século 19 e 20

Nossa força e longevidade vem dessa consciência social avançada, em bases científicas, e da capacidade de infundir essas ideias no seio de amplos movimentos transformadores de massa, principalmente dos produtores de riquezas, os que vivem do trabalho. Esses são os  sujeitos históricos de superação da ordem do capital.

A luta pelo socialismo é então, concretamente, o movimento de crítica e superação do capitalismo, um novo regime que, neste tempo histórico, nasce em coexistência com o capitalismo mundial e trilha suas primeiras experiências.

II

Inserimos nossa luta pelo socialismo num curso político e histórico.

Ela nasceu no séc 19, com o movimento operário europeu e sua auto consciência de classe. Foi quando se constituiu a teoria de Marx e Engels, a crítica à Economia Política (O Capital), os fundamentos científicos da história humana – a luta de classes, o materialismo dialético e histórico.

Uma segunda onda de desenvolvimento veio com o fim da Primeira Guerra Mundial, a partir da Revolução de Outubro, em 1917. A revolução nasceu em resposta a uma nova etapa no capitalismo, o Imperialismo. O marxismo chegava a novo grau de alcance e maturidade. Lênin foi seu maior expoente, respondendo à crise do marxismo aberta pelo advento do imperialismo, etapa nova no capitalismo da época.

Essa onda produziu prodígios de desenvolvimentos materiais, sociais e espirituais na União Soviética, com ampla propriedade estatal e planejamento econômico. Perdurou até a dissolução da União Soviética e um sistema de Estados Socialistas no Leste europeu, entre 1989 e 1991.

Tem mais. Durante a Guerra Fria, uma grande parte do movimento socialista mundial se concentrou nos movimentos de libertação nacional da Ásia, África e América Latina, em especial na China, na Coreia, em Cuba e no Vietnã, e várias lutas revolucionárias pela independência na África. Tudo isso gerou Estados de Democracia Popular e transições ao socialismo. Foram filhos legítimos da onda socialista do século 20. Domenico Losurdo interpreta bem o significado disso.

Mas esse ciclo socialista representou uma fase primária.  Sofreu grandes retrocessos globais com o fim da guerra fria. Veio a crise, que pôs as forças revolucionárias em defensiva e sem alcance estratégico.

Aprofundou-se a partir daí a ofensiva neoliberal globalizada – o capitalismo contemporâneo sob dominância financeira na acumulação do capital – que submete até mesmo os Estados nacionais à sua lógica, com a neocolonização imperialista dos países dependentes. O Brasil conhece bem isso.

Mas estava nascendo, ao mesmo tempo, uma nova luta pelo socialismo, uma terceira onda. Começou com a China nas suas reformas e abertura, no final da década de 1970. Ela resistiu à ofensiva e avançou no socialismo com características chinesas. Um revolucionário de dimensão histórica foi Deng Xiao Ping e o foi por um caminho fundamental: aprendeu com a experiência, renovou a prática e a teoria do socialismo, ajustou uma estratégia brilhante para a China.

Essencialmente, se recusa a ideia de um modelo único de socialismo. Isso significa assentar as bases do regime nascente na objetividade das específicas formações econômico sociais (conceito essencial de Lênin), forjado em suas histórias nacionais próprias. Elias Jabbour interpreta bem essa dinâmica, presente também no Vietnã.

Essa experiência tem por base, portanto, dois fundamentos inalienáveis: a soberania nacional e a garantia da prevalência das formas socialistas e propriedade, por meio de um Estado democrático socialista.

Se resgata a ideia original de que socialismo é regime de sociedades prósperas e de alta produtividade do trabalho. É dada a prioridade ao desenvolvimento das forças produtivas, com a ciência e tecnologia no posto de comando, utilizando o mercado e formas econômicas mistas com as do setor privado, mas com predomínio do desenvolvimento da economia estatal planejado estrategicamente em setores-chave,  com avançadas formas de planejamento econômico.

Isso é o que permite a ampla promoção da justiça e equidade social, considerando o aumento da riqueza pelo desenvolvimento avançado como condição material inerente para superar as divisões e desigualdades sociais, promover o desenvolvimento espiritual da sociedade, pela possibilidade de expansão dos engenhos humanos de cada cidadão e cidadã.

A China já é a maior economia do mundo em PPP-PIB, extingue a miséria de centenas de milhões, está remodelando a ordem mundial e o futuro da humanidade por um destino comum.

A teoria do socialismo amadureceu.

III

Nosso desafio é responder COMO isso é possível hoje, POR ONDE abrir caminhos, tendo em conta que estamos vivendo nestes últimos 15 anos um período formidável de mudanças!

Temos a crise do NL, um NL senil com seu rastro de miséria e degradação; isso, por sua vez, aprofunda a crise da democracia representativa, provocando o desencanto das massas populares com a democracia e os partidos, e que vem sendo capitalizada pela extrema-direita em ascenso.

Estamos também em meio à crise aberta da globalização NL, com a emergente multipolaridade, com o declínio do poderio dos EUA e  sua reação agressiva a isso; temos a luta dos Estados nações por sua afirmação e desenvolvimento soberano. Temos a afirmação ainda maior e vibrante, nesses anos, da nova experiência socialista na China.

Porém, simultaneamente, vivemos um tempo de imenso desenvolvimento das forças produtivas por meio da ciência, tecnologia e inovação, que desestrutura o mercado de trabalho tradicional e reestrutura outro, em bases do precariado.

A esfera da consciência social, por sua vez, sofre o impacto disso tudo. Ela se transforma em profundidade com o advento das tecnologias da informação. As relações sociais adquirem novas morfologias. Tudo somado, produz-se insegurança no futuro, falta de referências, fragmentação das perspectivas transformadoras e poderosas guerras culturais.

Enfim, o chão que pisamos se quebra debaixo de nossos pés e estão sendo chocadas novas ondas revolucionárias num mundo grávido de mudanças. Poucas vezes uma única geração pode assistir a um ritmo tão intenso de mudanças, que tornam o mundo, em boa medida, imprevisível em seus desenvolvimentos.

Mas o NL é ainda hegemônico no mundo e não tem nenhum consenso ou esperança a oferecer às maiorias sociais. A própria teoria revolucionária ainda não alcança dar conta das respostas necessárias. Entretanto, a revolução social, mais que nunca, é necessária.

IV

E nós, no Brasil?

O nosso caso é que precisamos construir a Revolução Brasileira… Ela se insere no curso dos ciclos de formação de nossa nação e nos termos históricos de nossa formação econômico social.

Sim, nossa bandeira deve ser o socialismo, como norte, como vetor, como rumo e porto de chegada. Socialismo por meio de um projeto nacional renovado para o Brasil, de desenvolvimento acelerado, com soberania nacional, um regime democrático de soberania popular, e promoção da prosperidade material e espiritual de todos os brasileiros e brasileiras. Projeto que conhecerá etapas e fases distintas, de transições progressivas, modificando as estruturas do Estado nacional e do poder popular.

Socialismo com a cara e jeito do Brasil. Não temos modelos prontos. Partimos das contradições e conflitos reais de todas as forças sociais em confronto, no contexto das correlações de forças políticas, de fluxo ou refluxo do movimento de indignação e protesto das forças da mudança, e-ou de crise da hegemonia do bloco de classes no poder de Estado, mobilizando como sujeito fundamental os que vivem de seu trabalho.

Nós precisamos resgatar a noção de totalidade para infundir perspectiva e ânimo de que o Brasil pode alcançar novo ciclo civilizacional em sua história.

Totalidade é um projeto de nação. Nação é conceito de solidariedade, de encontro, de convergência.

Sem projeto de nação, no mundo atual, não nos apropriamos e não poderíamos contar com uma das forças principais do movimento contra hegemônico à hegemonia neoliberal imperialista, que é a do Estado nacional sob condução progressista. 

Então, precisamos ligar todas as contradições envolvidas nas lutas de classes – o conflito distributivo, os direitos sociais universais, contra a opressão de gênero e etnia, as causas das liberdades, direitos civis, humanos e de reparação – numa totalidade única, materializada num projeto nacional de desenvolvimento soberano como condição básica para a superação dessas contradições. 

Sem desenvolvimento, não atenderemos aos anseios e demandas de nosso povo. E se, por um lado, as causas são muitas e podem ser justas, por outro é imperativo que devam unir o povo, não fragmentá-lo em segmentos.

Enfim, nossa luta precisa de senso estratégico. As lutas de classes, em suas diversas modalidades e dimensões, se tornaram muito mais sofisticadas. É a isso que precisamos responder.

Senso estratégico é disputar um PROJETO DE NAÇÃO. Ter a capacidade de disputar essa perspectiva como dominante no âmbito das forças progressistas avançadas do país. Construir em torno delas a união da maioria da nação por um novo ciclo civilizatório no Brasil. E ter experiência e sagacidade em conduzir-se nas lutas do cotidiano sem perder o norte.

Em horas críticas, Lênin mobilizou a nação russa em torno de Pão, Paz e Terra. Tinha sentido imediato de ação. A extrema direita no país hoje mistifica com Deus, Pátria e Família um discurso que engloba pulsões de parcelas da sociedade.

Nós precisamos de um novo signo, de propaganda para milhões, sobretudo para a juventude. Precisamos falar de revolução, de brasilidade mestiça, de fartura, de socialismo.

Porque socialismo é razão e ciência, mas é também entusiasmo e emoção.

Veja abaixo: