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Paula Giménez e Matías Caciabue: O desafio eleitoral nos Estados Unidos

16 de outubro de 2024

Os pesquisadores argentinos Paula Giménez e Matías Caciabue analisam a eleição dos Estados Unidos e sugerem que a disputa se dá entre globalistas e neoconservadores. Publicado originalmente em Nodal, com tradução da FMG.

O clima eleitoral nos Estados Unidos, diante das eleições presidenciais, é marcado por uma crescente tensão política e social. Os debates entre candidatos não só mostram a polarização interna do país, mas também refletem uma democracia dominada pela plutocracia e pela concentração de poder em poucos “representantes” dos partidos. Uma democracia que está em crise há anos, com um sistema político que parece oscilar entre incerteza, violência e disputas internas dentro do bloco anglo-americano.

A luta interna: globalistas vs. neoconservadores

Um dos fatores-chave que definem estas eleições é a disputa interna entre dois blocos que lutam para definir os rumos dos Estados Unidos. Por um lado, o bloco globalista promove uma agenda baseada no multilateralismo e no estabelecimento da governança global nas instituições internacionais, ao mesmo tempo que constrói um discurso caracterizado pela luta contra as alterações climáticas e pela abertura econômica. Procura expandir a hegemonia do grande capital de origem anglo-americana, favorecendo órgãos de governança global como o G7, o G20, a OTAN e a OMC, para citar alguns exemplos. Este projeto baseia-se na interdependência econômica e na digitalização dos processos nesta fase do capitalismo, ao mesmo tempo que inclui a centralização da referida arquitetura econômica a partir de uma rede global entrelaçada de controle corporativo e um aumento da influência de atores não estatais e organizações supranacionais. Esta facção, em grande parte alinhada com setores do Partido Democrata e algumas facções republicanas, instala uma proposta de política externa aparentemente mais conciliatória e avança com reformas sociais e econômicas dentro do país, embora os fatos demonstrem que mantém uma atitude beligerante e coercitiva.

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Por outro lado, estão os neoconservadores, que por sua vez contêm discursos nacionalistas, liderados por figuras como Donald Trump, que defendem uma agenda centrada no protecionismo econômico, na restrição da imigração, no reforço das fronteiras e no regresso a uma política exterior mais isolacionista e beligerante. Os neoconservadores defendem uma posição que enfatiza a primazia capitalista tendo os Estados Unidos como potência hegemônica unilateral, apostando na manutenção da supremacia do dólar e na preeminência do complexo militar-industrial norte-americano. Nesta perspectiva, a segurança e o controle das reservas energéticas globais são essenciais para manter a liderança, o que tem levado a guerras e conflitos para proteger esses interesses. Esta luta foi bem captada por Noam Chomsky, que observou que “o que estamos a testemunhar em grande parte do mundo, incluindo os Estados Unidos, é uma rebelião dos setores mais afetados pela globalização contra as elites globalistas”. O confronto entre estas duas visões define grande parte do atual cenário eleitoral.

Ambos os projetos estão subsumidos pela Nova Aristocracia Financeira e Tecnológica, que no seu conjunto projeta o desenvolvimento e aprofundamento da Nova Fase do sistema econômico, baseado na digitalização-financeirização da economia. Além disso, ambos mantêm um confronto direto com a China, entendida não apenas como um Estado, mas como uma força financeira e tecnológica emergente. Contudo, a disputa entre neoconservadores e globalistas gerou uma polarização interna que complica o consenso em torno do papel dos Estados Unidos no mundo.

Violência política e a ascensão sob Trump

A chegada de Donald Trump à presidência em 2016 coincidiu com um aumento notável da violência política nos Estados Unidos. A retórica incendiária do ex-presidente, somada à radicalização de alguns setores da direita, desencadeou uma série de incidentes violentos que se intensificaram nos últimos anos. Desde manifestações que levaram a confrontos armados, a ataques a figuras políticas e a atos de terrorismo doméstico, a escalada da violência tem sido alarmante.

Como Bernie Sanders observou num discurso recente, “o clima de ódio e divisão que Trump promoveu não só aumentou a violência política, como criou um ambiente onde a própria democracia está em perigo”. Esta afirmação reforça a ideia de que a violência política não é um fenómeno isolado, mas uma consequência direta da polarização agravada pela retórica do atual ciclo eleitoral, num mundo onde a escalada da violência acompanha o crescimento na cena política de projetos neofascistas.

A esta escalada de violência soma-se o desenho eleitoral obsoleto e restritivo do país, concebido à imagem e semelhança das elites WASP (brancas, anglo-saxónicas e protestantes), tradicionalmente temerosas da participação popular. Assim, a política americana desenvolve-se numa rede complexa de clãs político-familiares, “superdelegados” bipartidários, senadores quase vitalícios, burocratas das profundezas do Estado em Washington, e os vastos recursos que a aristocracia financeira e tecnológica aloca a um lado político ou a outro, dependendo se respondem às pretensões estratégicas dos globalistas ou dos neoconservadores. A violência política, anteriormente um fenômeno esporádico, parece ter-se tornado o pano de fundo contra o qual a elite econômica e política americana encena a campanha presidencial. Segundo a Reuters, desde 2021 foram registrados 213 incidentes de violência política, dos quais dois terços envolveram violência física e confrontos, e em 18 deles houve vítimas mortais.

Sem ir mais longe, na última segunda-feira, num evento de campanha, após aludir a roubos e crimes, o candidato presidencial Trump sugeriu a possibilidade de implementar algo muito semelhante ao filme de terror “The Purge”, afirmando que “se você tiver um dia muito violento […], a notícia se espalharia e o crime terminaria imediatamente.”

O poder dos doadores nas campanhas eleitorais

Outro aspecto crucial nas eleições é o papel dos grandes doadores e o dinheiro que financia as campanhas. As eleições nos Estados Unidos têm sido historicamente dominadas por milionários, empresas e grupos de pressão que contribuem com grandes somas para os candidatos, a fim de influenciar as políticas que promovem. Tanto os Democratas como os Republicanos dependem fortemente destes doadores, o que leva a preocupações crescentes sobre a influência que os interesses privados têm nas decisões políticas.

O influente colunista Thomas Frank observou que “o dinheiro é a força vital da política americana”, uma declaração que reflete como o financiamento de campanhas pode distorcer as prioridades políticas. Tanto os globalistas como os neoconservadores contam com o apoio de grandes empresas tecnológicas e bancos, enquanto estes últimos também recebem maiores contribuições ligadas a indústrias mais tradicionais, como o setor energético-petrolífero. Esta competição pelo financiamento transformou as campanhas numa batalha de poder entre as grandes fortunas do país.

No dia 26 de agosto, o jornal do magnata da tecnologia Jeff Bezzos, The Washington Post, publicou uma lista dos 50 maiores doadores para esta campanha presidencial, com base em dados fornecidos pela Comissão Eleitoral Federal dos EUA. Essas cinco dúzias de contribuintes injetaram coletivamente 1,5 bilhões de dólares em candidatos, comitês políticos e outros grupos de ação política interligados, conhecidos como PACs, que concorrem nas eleições, segundo análise do Washington Post.

A grande maioria do dinheiro dos principais doadores foi para os super PACs, que podem aceitar somas ilimitadas de indivíduos e muitas vezes trabalham em estreita colaboração com as campanhas dos candidatos, apesar das regras contra a coordenação da sua publicidade com os próprios candidatos.

A disputa pelo financiamento de campanhas não está alheia a esta escalada da retórica violenta e da cultura do cancelamento. Esta semana, Elon Musk, dono de várias empresas globais de tecnologia, publicou na sua rede social X, uma crítica à Netflix por contribuir com todas as suas doações para o Partido Democrata. Desdee então a plataforma tem visto um aumento nos cancelamentos de usuários do serviço. Ressalte-se que a disputa política é uma das áreas em que disputam algumas personificações da Nova Aristocracia Financeira e Tecnológica, mas a economia também é uma delas: no mês passado, Elon Musk lançou a X TV, plataforma de streaming que busca competir com outras como o Netflix.

Os candidatos à vice-presidência: figuras-chave na disputa

Neste contexto de polarização, os candidatos à vice-presidência desempenham um papel central na campanha. Do lado democrata, o candidato à vice-presidência é Tim Walz, atual governador do Minnesota, um político com um histórico de apoio a políticas progressistas, incluindo a reforma da educação, o acesso à saúde e a luta contra as mudanças climáticas. De acordo com uma entrevista ao The New York Times, Walz sublinhou que o seu objetivo é “unir as mais diversas facções do partido num esforço conjunto para restaurar a confiança na democracia americana”. O seu discurso tenta expressar e conter a “ala esquerda” do Partido, muito crítica em relação à atual gestão da Casa Branca em relação à questão Israel-Palestina.

Do lado republicano, o candidato à vice-presidência é James Vance, um jovem senador republicano de Ohio. Vance é conhecido por suas posturas populistas e nacionalistas, com forte oposição à globalização e às políticas liberais. Numa recente aparição na Fox News, Vance declarou que “a batalha que estamos a travar não é apenas pela Casa Branca, é pela própria alma da América”, consolidando assim o seu papel como defensor da agenda “América em primeiro lugar”. O Washington Post chamou Vance de “a voz do Cinturão da Ferrugem”, como são conhecidos os estados industriais do centro-nordeste dos Estados Unidos. Vance não tem uma visão simplista da América Latina, foi cofundador da Narya Capital em 2019 com apoio financeiro de, entre outros, Peter Thiel, ex-sócio e amigo de Elon Musk, um dos mentores da ideologia política autodefinida como Neorreacionário ou NRX, de grande popularidade no Vale do Silício, famoso conglomerado tecnológico da costa leste norte-americana.

Vance ocupa esse lugar principalmente pela sua passagem pela indústria de tecnologia, o que lhe permitiu estabelecer conexões com executivos e investidores bilionários como Peter Thiel, David Sacks e Elon Musk, que foram aqueles que o alavancaram para sua candidatura em um jantar de arrecadação de fundos cuja entrada custou US$ 300 mil por pessoa.

Desafios para a democracia americana

Dois meses antes das eleições, a democracia americana enfrenta desafios significativos. As regras eleitorais, o acesso ao voto e as narrativas em torno da legitimidade dos resultados são objeto de constantes disputas. Fareed Zakaria, numa análise para o The Washington Post, alertou que “a erosão da confiança nas instituições democráticas é o maior perigo que os Estados Unidos enfrentam em décadas”. As atuais tensões poderão conduzir a um cenário pós-eleitoral complexo, onde os resultados são fortemente contestados, mergulhando o país numa crise ainda maior, com uma impressionante escalada de violência.

Os Estados Unidos vivem um momento crucial. A polarização política, o aumento da violência e as lutas internas entre globalistas e conservadores estão a moldar o curso das eleições. Com um sistema democrático enfraquecido e um eleitorado profundamente dividido, os próximos meses serão decisivos para definir se o país consegue superar estes desafios ou se, pelo contrário, as tensões internas continuam a corroer a democracia americana. Como advertiu Zakaria, “o futuro da democracia nos Estados Unidos, e talvez a liderança global que ainda detém, está em jogo”.

Paula Giménez é formada em Psicologia e mestre em Segurança e Defesa Nacional e em Segurança Internacional e Estudos Estratégicos, diretora da Agência de Notícias da América Latina e Caribe (NODAL).

Matías Caciabue é formado em Ciência Política e Secretário Geral da Universidade de Defesa Nacional UNDEF, na Argentina. Diretor de Relações Internacionais da Nodal.

Fonte: Nodal

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG