O questionamento à democracia representativa, a negação ao individualismo na ação, a crítica ao capitalismo e a defesa de um Estado mais forte. Estes foram alguns dos consensos do seminário “Manifestações de junho – razões e perspectivas”, realizado no Rio de Janeiro, na sexta-feira (9/8).

O evento, organizado pelas fundações Perseu Abramo, João Mangabeira, Maurício Grabois, Leonel Brizola-Alberto Pasqualini, com apoio da Fundação Ulysses Guimarães, reuniu mais de 300 pessoas, por mais de dez horas no centro de convenções do Othon Palace Hotel, no Rio de Janeiro.

Avaliação dos partidos

Ao comentar as alterações promovidas no País e saudar a iniciativa, o deputado estadual Rui Falcão, presidente do PT, disse ser precoce encerrar uma análise a respeito das manifestações, mas valorizou a juventude que foi às ruas em defesa de políticas públicas. “Essa juventude é filha dos governos Lula e Dilma, mas é preciso encantá-la com igualdade”, disse o dirigente, referindo-se aos 43% dos manifestantes na faixa etária dos 14 aos 23 anos.

Em sua opinião, as reclamações por melhores condições foi amplificada por uma juventude que entra em massa para as universidades, por meio de programas do governo como o Prouni, ao passo que enfrenta as dificuldades cotidianas de locomoção. Para ele, os 50 milhões de brasileiros que ascenderam socialmente não entendem isto como resultado de políticas públicas, como transformações que se deram de forma coletiva, mas como mérito e fruto do esforço pessoal. “É uma fragmentação resultada da hegemonia neoliberal, que conseguiu manter valores enraizados na sociedade, como o reforço do individualismo e das dificuldades de associação”.

O dirigente petista também citou a parcialidade midiática, protagonista do recuo estratégico durante as manifestações de junho e agora com as manifestações marcadas contra a corrupção nas obras do metrô paulistano. O termo “cartel” foi escolhido, em sua avaliação, para minimizar os efeitos do crime e dissociá-lo do governo, ligando o crime às empresas envolvidas.

Na avaliação do petista, a tentativa da mídia de promover um recuo dos ganhos obtidos não contamina a iniciativa da juventude que foi às ruas. “Conquistas de direitos levam à busca por mais direitos sociais” e completou: “as manifestações contribuíram para acelerar pautas prioritárias que hibernavam no Congresso Nacional, como o Estatuto da Juventude e a rejeição do PL que propunha a cura gay”.
Reforma política e democratização da mídia foram recados também vindos das ruas. “A pesquisa da FPA mostra que 85% das pessoas apoiam a Reforma Política e 72% dos homens querem maior participação feminina na política. A democratização da mídia foi outro recado bastante importante que veio das ruas”, citou, ao reforçar a importância da unidade entre as forças de esquerda e do campo progressista para produzir as mudanças exigidas pelos críticos do capitalismo que foram às ruas pedir “mais Estado”.

Ainda na mesa da manhã, que debateu “As visões dos partidos sobre as manifestações e as perspectivas políticas”, coordenada por Carlos Siqueira, presidente da Fundação João Mangabeira, o presidente do PDT, Carlos Lupi, fez uma autocrítica ao afastamento dos partidos progressistas e de esquerda das ruas. “Temos que sintonizar esse processo das ruas, porque não vi ninguém manifestando por menos Estado ou Democracia”, afirmou.

Embora concorde com Lupi, o presidente do PCdoB, Renato Rabelo, afirmou: “é preciso um novo pacto político, com movimentos sociais, sindical, de partidos para fazer avançar reformas”.

Para Rabelo, o fato de existir no Brasil a turma dos que querem reformas mais profundas e os que querem barrá-las, não é surpresa. “Já existe um País desde 2010 dividido”, completou, ao referir-se à disputa ideológica apresentada nas eleições da presidenta Dilma Rousseff.  “No entanto, a posição não tem programa pra enfrentar a realidade. Tenta desmoralizar a presidenta Dilma, mas as ruas mostram que querem mais Estado. Por isso, temos que fortalecer o nosso campo para avançar numa profunda reforma política”, assinalou.

Rabelo acredita, portanto, como fundamental a unidade das esquerdas em defesa de um pacote político de reformas. A busca por uma afinidade de esquerda é fundamental, em sua avaliação, “para congregar forças para aprovar essas reformas mais consequentes e profundas”.

Na mesma linha, o vice-presidente do PSB, Roberto Amaral afirmou que o partido defende o plebiscito para a reforma política, “mas não para dar cheque em branco para o Congresso, tem que submeter a um referendo”.

Análise dos intelectuais
No período da tarde, durante o painel “O olhar dos intelectuais sobre as manifestações de junho”, coordenado por Marcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, os sociólogos Emir Sader, cientista político e professor da FLACSO; Paolo Gerbaudo, jornalista e professor da universidade King’s College de Londres; e Alberto Carlos Almeida, diretor do Instituto Análise, também deram suas contribuições.

Os três estudiosos apontaram para o questionamento da democracia representativa, nas manifestações. “É preciso constituir hegemonia, na acepção gramsciana do termo”, disse Emir, que defendeu a reorganização dos partidos e entidades em prol da volta das mobilizações de rua. No entanto, ele acredita que as redes sociais são espaços de disputa, onde a direita tem uma grande ascensão.

Já o sociólogo italiano, Paolo Gerbaudo, doutor em Mídia e Comunicação pelo Goldsmith College (Reino Unido), que avalia a conjuntura como uma nova cultura global de protetos, ao comparar as manifestações na Turquia e em São Paulo, disse que a falta de representatividade é o aspecto comum. No entanto, ele chamou a atenção para o caráter mais progressistas no Brasil. “Nos países árabes o protesto é contra o autoritarismo”.

Esperançoso de que esses movimentos suscitem mais participação popular, Gerbaudo não afasta, porém, o risco de que se crie um vácuo político, já que há uma repulsa aos políticos. “Esses movimentos levaram a criação de uma nova instituição, que temos que descobrir qual é”.

“Estamos dando nossos votos a eles e eles não nos dão os serviços. Não dá pra roubar e não ir preso”, esses são os principais recados oriundos dos protestos, na avaliação de Antonio Carlos Almeida. Ao prestigiar as mudanças ocorridas nos últimos dez anos, o diretor do Instituto Análise disse que há uma mudança de paradigma. “O brasileiro acreditava que o filho dele seria tão pobre quanto ele. Hoje não! Melhorou, agora eu quero mais. As pessoas não querem o que sobrou, elas querem mais”, analisou Almeida.

Em sua opinião, as mudanças de conduta, que é uma das exigências que vêm dos movimentos de rua, “vão ocorrer a partir de troca geracional dos políticos que hoje devem assumir um novo perfil”.

Encerramento
No painel “As manifestações na ótica dos movimentos: avaliação e novas jornadas”, Virgínia Barros, presidente da UNE, Vagner Freitas de Moraes, presidente da CUT, Nivaldo Santana, vice-presidente da CTB, e Joaquim Ribeiro, da coordenação nacional do MST, saudaram as mobilizações, como um período de reascenso das massas, e defenderam a necessidade de unificação das pautas de lutas.

A mesa, coordenada por Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois, teve intensa participação do auditório até 21h.