Esquerda volta ao poder no Chile com vitória esmagadora
A socialista Michelle Bachelet foi eleita presidenta do Chile nesse domingo (15). Ela obteve 63% dos votos no segundo turno, derrotando a adversária Evelyn Matthei, que representa a aliança de centro-direita. A economista conservadora Matthei, foi candidata do atual governo e é filha do general pinochetista Fernando Matthey.
Com a vitória, Bachelet é a primeira mulher eleita e reeleita para a Presidência do Chile. A filha do general Alberto Bachelet, morto depois de torturado pelo regime de Augusto Pinochet (1973-1990), voltará novamente a pisar no Palácio de la Moneda como chefe de Estado com a honra de ter vencido com a porcentagem de votos mais alta conseguida por um presidente desde o retorno da democracia. Ela governou o país de 2006 a 2010, deixando o lugar para o atual presidente, Sebastián Piñera. Pela legislação chilena, os presidentes não têm direito a dois mandatos consecutivos.
Com 62,2% dos votos no segundo turno, Bachelet, pediatra de 62 anos, separada e mãe de três filhos, alcançou a maior percentagem de votos já dada a um candidato desde o retorno à democracia, em 1990. Matthei teve 37,8% dos votos, numa eleição com baixa participação eleitoral. Dos 13,3 milhões de eleitores, somente 42% compareceram às urnas. Nem mesmo a metade dos votos havia sido contada quando Matthei reconheceu a derrota, tão clara era a vantagem de Bachelet.
Para os observadores, o resultado mostrou o apoio popular a uma ambiciosa agenda de reformas, que pretende diminuir o abismo entre ricos e pobres no país. Bachelet se candidatou pela aliança de centro-esquerda Nova Maioria, na qual, além de democrata-cristãos, social-democratas e socialistas, os comunistas também participam pela primeira vez.
A economista Matthei, de 60 anos, obteve 25% dos votos no primeiro turno. Ela era a candidata da coalizão de governo Aliança pelo Chile. De acordo com a Constituição, o atual presidente, o conservador Sebastián Piñera, não pode concorrer à reeleição. O descontentamento com as políticas sociais de Piñera, um multimilionário conservador, também garantiu votos a Bachelet.
Constituição democrática
Piñera telefonou a Bachelet para dizer que vai cooperar com ela durante os últimos três meses de seu mandato. Bachelet assume em março e o maior desafio será fazer as reformas que prometeu – entre elas, a da Constituição, herdada da ditadura militar. Durante a campanha eleitoral, Bachelet se comprometeu a lançar um pacote de 50 medidas em seus primeiros 50 dias de governo, prometendo revolucionar a educação pública no país.
No Senado de 38 assentos, a aliança de Bachelet terá 21 cadeiras, enquanto a Aliança pelo Chile conseguiu fazer 16 senadores. Dos 120 assentos da Câmara de Deputados, a aliança de centro-esquerda possui agora 67 cadeiras, enquanto a Aliança pelo Chile, 49. Para uma reforma constitucional, são necessários os votos de ao menos 25 senadores e 80 deputados.
Apesar de ter conseguido maioria no Congresso, ela não tem votos suficientes para fazer todas as mudanças que quer e terá que negociar com a oposição. A atual Constituição (que só pode ser alterada com o apoio de dois terços dos legisladores) limita a atuação dos políticos e a ingerência do Estado na economia, que foi privatizada durante o regime militar de Augusto Pinochet. Bachelet quer mudar as regras do sistema eleitoral, que limita a formação de maiorias parlamentares para governar.
O Chile é a sexta maior economia da América Latina com 16,6 milhões de habitantes. Especialistas apontam o sistema educacional, que privilegia os ricos em detrimento do pobres, como o principal responsável pela desigualdade social, que perde apenas para a brasileira na América do Sul.
Reforma tributária
Bachelet quer fazer uma reforma tributária, para aumentar os impostos às empresas e aos mais ricos, obtendo assim recursos para financiar as reformas sociais, entre elas a do sistema educacional. Bachelet prometeu uma reforma fiscal para arrecadar por volta de 8,2 bilhões de dólares adicionais, com um aumento dos impostos corporativos e com o fim de benefícios a empresas. Parte do dinheiro deverá ser usada para também melhorar a saúde pública e a previdência.
Estudantes do ensino médio e das universidades paralisaram o Chile com protestos em 2011 e 2012, exigindo educação gratuita e de qualidade para todos. As manifestações foram apoiadas por oito de cada dez chilenos.
No Chile, as universidades são todas pagas (inclusive as públicas) e quem não tem dinheiro para financiar os estudos pode pedir empréstimo, mas termina a carreira endividado. Existem escolas de ensino médio gratuitas, mas são de má qualidade porque o governo prefere subsidiar instituições privadas, para que possam cobrar mensalidades baratas e oferecer uma educação de alto nível à população de baixa renda. Os donos dos colégios nem sempre usam o dinheiro do Estado para esse fim.
Nas eleições legislativas, que coincidiram com o primeiro turno em novembro passado, Bachelet conquistou o apoio de 20 dos 38 senadores e de 57 dos 120 deputados federais. Com isso, ela pode aprovar a reforma tributária. Mas para fazer a reforma da educação, precisa de quatro sétimos dos votos (52) do Congresso (22 senadores e 69 deputados federais).
Discurso da vitória
Depois de receber a visita da candidata derrotada no comando instalado no Hotel San Francisco, Michelle Bachelet subiu ao cenário instalado na frente do edifício, por volta das 21h40 (20h40 hora local), para saludar um público de cerca de 15 mil pessoas.
A socialista destacou que “o Chile, desde o retorno da democracia, avançou muito, mas agora precisa reconhecer que existem novos desafios. Nesta eleição, os eleitores perceberam que este é o momento histórico para fazer as grandes mudanças”. “Temos condições políticas de fazer as mudanças necessárias”, afirmou.
Bachelet também fez um gesto ao movimento estudantil, dizendo que “a vitória também é dos jovens que marcharam desde 2011, mostrando aos políticos que a educação é um direito e não um bem de consumo”.
E sobre a reforma constitucional, que também forma parte do seu projeto de governo, garantiu que “vamos trabalhar por uma nova constituição, que garanta mais direitos sociais, mais justa com todas as expressões da cidadania, desde os que têm mais aos que têm menos recursos econômicos”.
Para terminar, pediu que“todos os chilenos agora também se comprometam, porque queremos fazer grandes mudanças neste país. Como presidente, é minha responsabilidade liderar este processo, mas para isso também precisarei do apoio de todos os setores políticos e todas as cidadãs e todos os cidadãos chilenos”.