Os sinais de ressaca na campanha sobre a AP 470
A manifestação de Ives Gandra da Silva Martins – que, antes da Folha, já externara o mesmo desconforto na insuspeita revista da Associação Comercial de São Paulo – é significativa, por partir de uma das fontes preferenciais do establishment midiático.
O desconforto não é apenas em relação à teoria do domínio do fato – que poderá reverter contra os advogados em suas causas futuras. É também em relação à postura de magistrados, à perda de referenciais de cortesia, ao deslumbramento com os refletores.
A ele se somam manifestações de colunistas mais independente, pequenas brechas na muralha para abrigar o desconforto de outros juristas, advogados, análises mostrando a inutilidade do carnaval para as eleições de 2014.
Os objetivos não alcançados
A ofensiva midiática teve dois objetivos. O primeiro, desviar o foco da cobertura da CPMI de Carlinhos Cachoeira. O segundo, o de não apenas condenar, mas liquidar, humilhar, destruir, salgar a terra por onde passasse José Dirceu, pelo desplante de ter afrontado a mídia em diversas ocasiões.
Faz parte de uma lógica imperial: quem ousar se interpor no caminho da mídia precisa ser totalmente destruído como tática de disuasão.
Ninguém ganhou com essa demonstração irresponsável de poder.
Perdeu a mídia, perdeu o país e, principalmente, perdeu o Supremo.
Em nome da vingança atropelaram-se normas básicas de direito individual. Caminham para transformar réus em vítimas. Se preso, Dirceu se tornará herói em vida, ao invés da pessoa que, para garantir a governabilidade ao partido, singrou por águas turvas
O que era para ser a punição exemplar de práticas políticas condenáveis, transformou-se no oportunismo mais rasteiro, revelando a outra face da mesma moeda de corrupção política: quando agentes se valem seletivamente dos vícios do sistema para jogadas oportunísticas.
A hipócrita política brasileira
De fato, não há diferença entre réus e alguns dos julgadores. Todos fazem parte da mesma tradição de hipocrisia do modelo político brasileiro.
O jogo sempre é o mesmo. Há um conjunto de vícios no modelo. Partidos de oposição se fortalecem denunciando os vícios de quem está no poder. Quando conquistam o poder, repetem os mesmos vícios. Aí a nova oposição passa a criticar os vícios, utilizando-os de escada para reconquistar o Poder. Mas ninguém se preocupa em corrigir os vícios, porque todos se beneficiam deles – quem pratica e quem denuncia.
Ao julgar seletivamente os vícios do PT, ministros do Supremo agiram com a mesma hipocrisia dos partidos políticos. Não há diferença. Pertencem todos ao mesmo lodo institucional, no qual impera a esperteza, jamais o compromisso de aprimorar as regras do jogo.
A ressaca
Agora, tem-se essa lassidão. Há um incômodo generalizado no sistema judiciário, pelo fato da face pública do poder ser um Gilmar Mendes, um Luiz Fux, um Joaquim Barbosa, e nao mais um Moreira Alves ou mesmo um Celso de Mello. Um incômodo generalizado entre jornalistas independentes – que trabalham ainda na velha mídia – pelo fato de, na fase mais dura do macartismo, nao terem podido externar sua indignação com o antijornalismo praticado.
À medida que cessa o álibi da guerra total, vai caindo a ficha geral sobre o estrago que esses tempos de devassidão jurídica provocaram na imagem do Judiciário e na esperança daqueles que ainda acreditavam que o escândalo é a espoleta para as mudanças. No país da jaboticaba, não é: é apenas o holofote para levantar o ego togado de ministros de pouca grandeza.