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Walter Sorrentino: Dilemas do caminho brasileiro ao socialismo

10 de setembro de 2024

Intervenção do presidente da Fundação Maurício Grabois, Walter Sorrentino, no 14º Fórum Mundial do Socialismo realizado em Pequim, China

Agradeço o convite para este destacado Fórum que tem demonstrado crescente relevância internacional no debate do Socialismo, nossa causa em comum.

A grande questão desta quadra histórica é a questão das alternativas ao atual sistema dominante no mundo. Após 4 décadas da derrota estratégica que foi o colapso do socialismo soviético, o mundo mudou. O que está em crise estrutural é o neoliberalismo e a dominação imperialismo, um mundo grávido de mudanças.

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Aguçam-se as contradições de todo tipo, viceja profundo mal-estar social. Os anseios dos povos por elevação do padrão de vida material e espiritual estão bloqueados. O mundo vive tensões e guerras contínuas e prolongadas sobre povos e nações e proliferam as guerras culturais.

Por outro lado, em meio às trevas, há luzes. Um novo tempo se abre com prodigiosos desenvolvimentos que revolucionam as forças produtivas. Ao lado disso, a teoria do socialismo amadureceu, focada em totalidades concretas como forma de impulsionar o sentido histórico universal, avançando no enfrentamento dos problemas com soluções originais e desbravadoras. Vitórias eleitorais de forças progressistas têm lugar, segue a luta de resistência dos trabalhadores e povos.

A questão precisa ser revista: quais as alternativas? Por quais caminhos e meios? Elas alcançam formar uma maioria social e política?

Optei, nesta alocução, por compartilhar os desafios e dilemas dos comunistas brasileiros na luta pelo socialismo, na expectativa de designar desafios teóricos e políticos estratégicos em nosso debate.

O Brasil está entre as dez maiores economias do mundo, entre os cinco com maior território, população e PIB. É uma potência em energia limpa, agrícola e de biodiversidade, tem forte mercado interno e parque industrial e científico respeitável.

Entretanto, há 40 anos o crescimento do PIB brasileiro foi menor do que o do mundo; a indústria decaiu a apenas 11% do PIB. Como é de conhecimento de todos, meu país passou por um grande retrocesso – inclusive civilizatório – sob um governo neofascista e ultraliberal.

Reassume centralidade, em novos termos, a questão nacional, tão cara aos partidos comunistas formados sob o impulso do leninismo. Nós propomos alcançar plena autodeterminação nacional, por via de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento soberano, socialmente inclusivo, ambientalmente sustentável, de integração regional sul-americana, sob direção de um Estado de caráter democrático e popular. Isso tem caráter objetivamente contra-hegemônico, anti-imperialista.

Sob direção e hegemonia das forças populares, aglutinando amplas forças sociais, progressistas e nacionais, essa agenda se realiza acumulando reformas e rupturas progressivas com a ordem neoliberal e da dependência econômica e cultural, em especial reformas estruturantes democráticas do Estado. Consideramos esse o caminho brasileiro para a transição ao socialismo. Só sob essa orientação se realiza o pleno potencial nacional.

Essa agenda política é nucleada pelo desenvolvimento das forças produtivas, a industrialização em novas bases tecnológicas e forte impulso da ciência, tecnologia e inovação, sob fortes investimentos públicos e privados induzidos pelo Estado, e com a valorização do trabalho, assegurando renda, equidade e direitos sociais e civis plenos, extirpando a fome, a pobreza e o atraso do país.

A necessidade disso é imperiosa, as potencialidades são imensas, os obstáculos, formidáveis. Pondero aqui algumas dimensões envolvidas na luta pela alternativa.

Um primeiro aspecto é, certamente, a atual dispersão política e social em nossa sociedade, um hiato na formação da consciência social. Atuam para isso as profundas mudanças que abalam o mundo do trabalho, assim como o ambiente de atomismo e fragmentação do povo, o ideário meritocrático e individualista, a demarcação de “identidades” desligadas de um projeto de nação.

As bandeiras da autodeterminação, desenvolvimento e soberania são poderosas para infundir um projeto totalizante. A luta pelo novo projeto nacional e novo ciclo de desenvolvimento põe no centro a sua força motriz e mais universal: o trabalho. E incorpora e subordina as causas da democratização do poder, direitos sociais e civilizatórios, a emancipação das mulheres e contra o racismo.

Isso se liga a um segundo aspecto, o de inserir essa luta no curso real da vida política. No Brasil, a disputa está polarizada entre o Governo de União e Reconstrução Nacional, no 3º mandato do Presidente Lula e as forças neofascistas e ultraliberais. O desafio imediato é a luta pelo êxito do governo, centro tático das forças da esquerda política e social no país nesta hora, na realização de seu programa de retomada do desenvolvimento soberano do país.

Em outro plano, um terceiro aspecto é a inserção do Brasil na realidade internacional em firme transição à multipolaridade, mas de essencial imprevisibilidade. O Presidente Lula empenha-se na estratégia Sul Global e na integração sul-americana. Há grandes confrontos de interesses, mas se abrem muitas oportunidades.

O que é estratégico para nós é o papel do BRICS. O Brasil, é nossa opinião, não precisa nem deve praticar alinhamentos automáticos, seja de natureza ideológica-cultural, seja de modelos econômicos ou geopolíticos. Isto posto, creio que o Brasil precisa fortalecer, com autonomia, a Parceria Estratégica Global com a China e tomar a decisão de integrar a Iniciativa do Cinturão e Rota tendo por vetores centrais os interesses nacionais, especialmente acordos científicos e tecnológicos, investimentos e o reforço das relações de troca fora do campo do dólar.  

Essas perspectivas de entrelaçamento da luta contra a dependência neocolonial e as transições ao socialismo indicam, como pano de fundo, que é preciso descortinar desafios não só programáticos, estratégicos e táticos, como também teóricos. Nesse sentido se pode falar da atualização das condições em que atua a lei do desenvolvimento desigual no presente. A dominação imperialista guarda uma nova, mais sofisticada e mais agressiva forma histórica, base para toda uma gama de contradições, internas e externas, que hoje constituem os obstáculos principais ao avanço dos países dependentes.

Também se torna essencial descortinar uma nova Economia Política do Desenvolvimento nos países dependentes. A experiência de governos progressistas demonstra que o receituário econômico ortodoxo como pensamento único permanece hegemônico e impeditivo do desenvolvimentismo. Os Estados nacionais se veem aprisionados na lógica do fiscalismo, austeridade e da dívida pública, plasmados aos interesses do rentismo.

Há, ainda, outros grandes temas de fronteira a desbravar, que impactam as ideações que temos sobre o futuro. Profundas transformações afetam diretamente a base material das sociedades e colocam as relações entre ser humano e natureza em um outro patamar de exigências. Falo da emergência de inovações tecnológicas disruptivas como a Inteligência Artificial, a plataforma 5G, Big Data, computação quântica etc. Elas impactarão o regime de acumulação do capital, seu modo de regulação e, em especial, modificarão as condições da luta central pela valorização do trabalho e pela formação da consciência social avançada dos trabalhadores.

Nesse sentido, alcançamos um ativo político de monta: o amadurecimento da teoria do socialismo. É importante que a China, governada pelo Partido Comunista da China, esteja na fronteira dessas ocorrências. É preciso reconhecer a forma peculiar como os comunistas chineses organizam seu regime social, a propriedade pública e o sistema empresarial e financeiro, sua máquina de previsão e adaptação a múltiplos cenários, com a emergência de formas superiores de planejamento e intervenção sobre a realidade jamais vistos anteriormente. Tudo isso enseja um novo corpo teórico, categorial e conceitual capaz de fornecer uma nova gramática cognitiva sobre a nova sociedade socialista.

É de refletir, do ponto de vista estratégico, que a inserção chinesa e seu papel para o desenvolvimento do Sul Global, na proposição de desenvolvimento compartilhado em benefício mútuo e por um destino comum da Humanidade, constitua uma reserva estratégica para a retomada da luta socialista sob formas históricas e mediações que envolvem projetos nacionais autônomos nos países dependentes.

É por todas essas considerações que ser torna necessário formular uma pauta sobre o desenvolvimento da teoria marxista e socialista para forjar estratégias consentâneas às alternativas possíveis.

A Fundação Maurício Grabois tem esse escopo de pesquisas e investigações. Dirigida pelo Partido Comunista do Brasil, é um espaço marxista e progressista de pesquisas e estudos sobre temas de fronteira do desenvolvimento e por um projeto nacional, e a nova luta pelo socialismo no mundo.

Walter Sorrentino – Presidente da Fundação Maurício Grabois, Vice-presidente Nacional do PCdoB.

10 de setembro de 2024

Pequim, a convite da Academia de Ciências Sociais da China – CASS