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Euzébio Jorge: O Papel da Embraer na Reindustrialização e Inovação Brasileira

19 de outubro de 2024

O assessor especial do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Euzébio Jorge Silveira de Sousa, analisa o papel da Embraer para a transição ecológica do Brasil.

“A empresa tem um papel crucial na construção de um Brasil mais sustentável e tecnologicamente avançado, contribuindo para a reindustrialização do país em um contexto de economia verde”, defende Euzébio Jorge.

Por Euzébio Jorge Silveira de Sousa[1]

A Embraer integra um projeto de um Brasil tecnologicamente avançado, vinculado a um projeto nacional de desenvolvimento que estabelecia a definição de setores estratégicos capazes de reduzir a restrição externa, promover a industrialização de bens de capital e adensar a matriz industrial brasileira. Nesse contexto, a criação da Embraer se tornou um marco fundamental para a consolidação de um setor aeroespacial competitivo e inovador, refletindo a ambição do país em se destacar no cenário global através da inovação e do fortalecimento da base industrial.

Em 1959, Ozires Silva ingressou no ITA, onde se formou em 1962 e iniciou o desenvolvimento de um projeto de aviação regional que viria a transformar a indústria aeronáutica brasileira. Em 1968, o protótipo do Bandeirante realizou seu primeiro voo e, em 1969, foi criada oficialmente a Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica), com a missão de produzir em série o Bandeirante. A empresa iniciou suas atividades em janeiro de 1970, em São José dos Campos, São Paulo (EMBRAER, 2024).

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O Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial (CTA) uniram esforços em projetos conjuntos de pesquisa e desenvolvimento que estabeleceram a base tecnológica para o surgimento da indústria aeronáutica brasileira (EMBRAER, 2024). O projeto do Bandeirante, por exemplo, foi fruto de uma colaboração estreita entre o CTA, engenheiros do ITA e o setor estatal, gerando um conhecimento profundo e uma capacidade técnica que seriam fundamentais para a Embraer. Essa sinergia entre ensino, pesquisa e aplicação industrial foi crucial para o sucesso do projeto (BOTELHO, 1999).

O ITA foi concebido não apenas como uma escola de engenharia, mas como um verdadeiro polo de inovação, com a missão de impulsionar o desenvolvimento do setor aeronáutico no Brasil. Essa visão foi transferida para a Embraer, que adotou uma cultura de inovação voltada para o desenvolvimento de soluções tecnológicas capazes de atender tanto ao mercado interno quanto ao mercado internacional, consolidando o país como referência global na aviação (BOTELHO, 1999).

A Embraer esteve diretamente relacionada ao chamado “milagre econômico” brasileiro, que ocorreu entre os anos de 1968 e 1973. Durante esse período, o Brasil experimentou um rápido crescimento econômico, impulsionado por investimentos em infraestrutura e industrialização (LACERDA; REGO; MARQUES, 2010). A criação da Embraer em 1969 foi parte dessa estratégia de desenvolvimento, com o governo militar incentivando o crescimento de setores tecnológicos e industriais de ponta, como a indústria aeronáutica. A Embraer, sendo uma empresa de capital misto com forte participação do Estado, beneficiou-se desses investimentos e tornou-se um símbolo do avanço tecnológico brasileiro, contribuindo para o crescimento econômico e para a geração de empregos qualificados.

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O II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) contribuiu para o fortalecimento da empresa, fornecendo suporte estratégico e financeiro para a expansão da produção de aeronaves, com um foco crescente no desenvolvimento de tecnologias e produtos de maior valor agregado (CASTRO, 1985). A política de substituição de importações e apoio ao setor de bens de capital possibilitou que a Embraer se destacasse como uma das principais empresas da indústria aeronáutica global, contribuindo para a diversificação e modernização do parque industrial brasileiro, além de ampliar a presença internacional da empresa.

“Semelhante ao que ocorre com as empresas fabricantes de aviões em outros países, a Embraer mantém-se no mercado mundial altamente competitivo, graças ao apoio ativo do Estado. A logística técnica proporcionada pelo CTA e o ITA, as encomendas do Governo, os financiamentos do BNDES e os investimentos diretos na produção e desenvolvimentos de projetos (RIBEIRO, 2020, p100).”

Nos anos 1970, a Embraer lançou diversas aeronaves que consolidaram sua presença no mercado, como o Ipanema, voltado para a aviação agrícola, e o Xavante, aeronave de treinamento militar. Em 1979, a Embraer estabeleceu a Embraer Aircraft Company nos Estados Unidos, ampliando sua presença internacional. Durante os anos 1980, a Embraer se destacou com o desenvolvimento do EMB 120 Brasília, que se tornou um dos aviões regionais mais populares do mundo, e do Tucano, um turboélice de treinamento que seria amplamente utilizado por forças aéreas em vários países. Na década de 1990, a empresa enfrentou desafios financeiros e, em 1994, foi privatizada (EMBRAER, 2024).

O ERJ-145, lançado em 1995, foi um grande sucesso comercial, impulsionando a Embraer no mercado de jatos regionais. A empresa seguiu expandindo sua linha de produtos com a família de E-Jets, lançada no início dos anos 2000, que se tornou uma referência em aviação comercial regional.

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Nos anos 2010, a Embraer apresentou o cargueiro militar KC-390, desenvolvido em parceria com a Força Aérea Brasileira, e os jatos executivos da família Legacy e Praetor. A empresa também começou a investir no desenvolvimento de tecnologias como o eVTOL, um veículo elétrico de decolagem e pouso vertical, visando transformar a mobilidade urbana, o que pode ser convergente com os desafios da urgência climática.

Segundo Ribeiro, a trajetória da Embraer pode ser dividida em dois ciclos históricos principais, refletindo a ação pendular do Estado no desenvolvimento da indústria aeronáutica nacional. O primeiro ciclo, de 1969 a 1994, abrangeu desde a criação da empresa até sua privatização, quando o Estado desempenhou um papel essencial no crescimento da companhia. O segundo ciclo, de 1994 a 2006, marcou a privatização e a pulverização do capital nas bolsas de Nova York e São Paulo, levando a Embraer a operar sob uma lógica mais orientada ao mercado, mais subordinada ao processo de financeirização em curso (RIBEIRO, 2020).

Mesmo após a privatização, o Estado brasileiro continuou sendo um parceiro estratégico, especialmente no setor de defesa, apoiando projetos como o Super Tucano e o KC-390. Durante os governos Lula e Dilma, a Embraer participou de importantes iniciativas de defesa e expandiu sua atuação internacional, consolidando-se como uma das maiores fabricantes de aeronaves do mundo (RIBEIRO, 2020). Por outro lado, a privatização levou parte do controle da empresa para investidores estrangeiros, o que suscitou preocupações sobre a vulnerabilidade em relação ao controle estratégico. Esse cenário ficou evidente durante a tentativa de joint venture com a Boeing, que fracassou em 2020, destacando os desafios da gestão pós-privatização (RIBEIRO, 2020).

Quanto ao desempenho atual da empresa, em 2023, a Embraer entregou um total de 181 jatos, incluindo 64 aeronaves comerciais, 115 jatos executivos e 2 aeronaves militares C-390, representando um aumento de 13% em relação a 2022. A receita da Embraer em 2023 totalizou R\$ 26,1 bilhões, um aumento de 11% em relação a 2022. A carteira de pedidos firmes (backlog) encerrou o ano em US\$ 18,7 bilhões, o maior valor registrado nos últimos seis anos. Para 2024, a Embraer estima entregas de aeronaves comerciais entre 72 e 80 unidades, e de aeronaves executivas entre 125 e 135 unidades. A receita estimada está entre US\$ 6,0 e US\$ 6,4 bilhões (EMBRAER, 2023).

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Em outubro de 2024, a Embraer firmou um acordo de R\$ 126,7 milhões em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) para o desenvolvimento de tecnologias de aviões sustentáveis. O objetivo do projeto é desenvolver aeronaves mais leves e eficientes, com menor emissão de gases poluentes (G1, 2024).

As prioridades do projeto incluem o desenvolvimento e a validação de tecnologias inovadoras e de alta complexidade para projetar e fabricar asas de alta eficiência aerodinâmica e estrutural. Além disso, será estudada a viabilidade de tecnologias associadas a sistemas autônomos, com ênfase em segurança e redução da carga de trabalho da tripulação;

Esse projeto de inovação foi aprovado por meio de chamada pública do programa “Mais Inovação Brasil”, que visa apoiar a reindustrialização nacional e fomentar o desenvolvimento tecnológico no país. Esses investimentos convergem com os objetivos do Plano Nova Indústria Brasil, reforçando o compromisso com a modernização e sustentabilidade da indústria nacional. Inclusive, a Embraer assumiu o compromisso de emissão líquida zero de carbono até 2050, por meio de produtos, serviços e tecnologias sustentáveis, como eletrificação, híbridos, biocombustíveis.

O Estado foi e continua sendo um ator fundamental para a expansão da Embraer no cenário mundial, fornecendo suporte institucional e financeiro para a consolidação da empresa como líder no setor aeroespacial. A Embraer é um exemplo do que uma parceria entre o setor público e o privado pode alcançar e é essencial para um projeto de desenvolvimento nacional e de reindustrialização do Brasil, que deve ser articulado por iniciativas como o Plano Nova Indústria Brasil. Este plano busca fortalecer setores estratégicos e transformar a base industrial do país, promovendo inovação e competitividade global.

Os objetivos sustentáveis da Embraer devem convergir com a transição ecológica, criando uma sinergia que possibilite ao Brasil aproveitar a janela de oportunidade para qualificar sua inserção internacional, especialmente em mercados que demandam tecnologias de baixo carbono. A empresa tem um papel crucial na construção de um Brasil mais sustentável e tecnologicamente avançado, contribuindo para a reindustrialização do país em um contexto de economia verde.

Para que a Embraer possa continuar contribuindo de maneira efetiva para o desenvolvimento do Brasil e a reindustrialização da economia, é fundamental que a empresa não sucumba às pressões particularistas do mercado financeiro. Somente assim, ela poderá manter seu foco na inovação tecnológica, na geração de empregos qualificados e no fortalecimento de setores estratégicos, alinhados aos objetivos de longo prazo do país.

O desenvolvimento brasileiro passa por um novo modelo de crescimento sustentável, capaz de superar os obstáculos de um país dependente e subdesenvolvido. Para tanto, é necessário gerar empregos de qualidade, fortalecer a cadeia produtiva de alta tecnologia e promover o adensamento de uma indústria de baixo carbono que reduza emissões e combata desigualdades sociais. A Embraer, como líder do setor aeronáutico e exemplo de inovação nacional, está em posição estratégica para ajudar o Brasil a atingir esses objetivos, promovendo uma economia mais inclusiva, sustentável e competitiva no cenário global.

Bibliografia

ARAÚJO, Victor Leonardo de; MATTOS, Fernando Augusto Mansor de (Org.). A economia brasileira de Getúlio a Dilma — novas interpretações. 1. ed. São Paulo: Hucitec, 2021.

BOTELHO, Antonio José Junqueira. Da utopia tecnológica aos desafios da política científica e tecnológica: o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (1947-1967). Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 39, fev. 1999.

CASTRO, Antônio Barros de. A economia brasileira em marcha forçada. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

EMBRAER. Embraer apoia o compromisso global da indústria de aviação para emissões líquidas zero de carbono até 2050. Embraer Notícias, 5 out. 2021. Disponível em: https://embraer.com/br/pt/noticias?slug=1206929-embraer-apoia-o-compromisso-global-da-industria-de-aviacao-para-emissoes-liquidas-zero-de-carbono-ate-2050. Acesso em: 15 out. 2024.

EMBRAER. Embraer divulga os resultados do 4º trimestre e do ano de 2023. Disponível em: https://embraer.com/br/pt/noticias?slug=1207359-embraer-divulga-os-resultados-do-4-trimestre-e-do-ano-de-2023. Acesso em: 15 out. 2024.

EMBRAER. História da Embraer. Disponível em: https://historicalcenter.embraer.com/br/pt/historia. Acesso em: 15 out. 2024.

G1. Embraer, Ministério da Ciência e Tecnologia e FINEP firmam acordo de R$ 126 milhões para pesquisas de aviões sustentáveis. 10 out. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2024/10/10/embraer-ministerio-da-ciencia-e-tecnologia-e-finep-firmam-acordo-de-r-126-milhoes-para-pesquisas-de-avioes-sustentaveis.ghtml. Acesso em: 15 out. 2024.

LACERDA, Antônio Corrêa de; REGO, José Márcio; MARQUES, Rosa Maria. Economia brasileira. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

RIBEIRO, Leonardo Gomes. Embraer – Trajetória e estratégia: o papel do Estado em uma empresa, no projeto de desenvolvimento do país. Alabastro: revista eletrônica dos discentes da Escola de Sociologia e Política da FESPSP, São Paulo, ano 9, v. 1, n. 13, 2020, p. 94-108.


[1] Assessor especial do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), autor do livro “Juventude, Trabalho e o Subdesenvolvimento” e doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp. Atualmente, atua como professor de Economia na FESPSP e na Strong Business School, e é membro da Cátedra Celso Furtado. Ele também possui pós-doutorado em Economia Criativa e da Cultura pela UFRGS.

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG