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    EUA

    EUA e Israel atacam Irã; nova fase do conflito aprofunda escalada de guerra no Oriente Médio

    Bombardeio dos EUA a instalações nucleares iranianas marca inflexão no conflito. Irã reage e desafia hegemonia militar e moral de Israel e aliados. Leia análise

    POR: Ana Prestes

    7 min de leitura

    Míssil balístico iraniano é lançado de unidade móvel costeira durante manobra das forças armadas na costa sul do Irã, com foco em resposta estratégica às operações de Israel. Comando iraniano afirma que capacidades de detecção e arsenais israelenses foram consideravelmente esgotados. 22/06/2025 Foto: IRNA / via X / Reprodução
    Míssil balístico iraniano é lançado de unidade móvel costeira durante manobra das forças armadas na costa sul do Irã, com foco em resposta estratégica às operações de Israel. Comando iraniano afirma que capacidades de detecção e arsenais israelenses foram consideravelmente esgotados. 22/06/2025 Foto: IRNA / via X / Reprodução

    A imprevisibilidade do governo Trump se confirmou mais uma vez. No sábado (21), o presidente norte-americano ordenou o bombardeio de três instalações do programa nuclear iraniano. A ação, anunciada por meio de rede social e sem aval do Congresso dos EUA ou do Conselho de Segurança da ONU, representa, de fato, uma declaração de guerra, ainda que não formalizada.

    Leia também: Resposta da China à crise global não passa pelo caminho da guerra

    O vice-presidente Mike Pence declarou que os EUA não estão em guerra com o Irã, mas com o programa nuclear iraniano — uma distinção sem respaldo político ou jurídico. A expectativa agora é por uma reação contundente de Teerã, que pode incluir ataques a bases militares norte-americanas no Iraque e na Síria, novos mísseis lançados contra Israel e até o fechamento do Estreito de Ormuz, por onde transita cerca de 30% do petróleo mundial.

    O cenário é de guerra em curso: entre Israel e Irã, e agora também entre Estados Unidos e Irã.

    No Conexão Sul Global, da TV Grabois, da última sexta-feira (20) abordei a escalada do conflito. Assista ao episódio completo do programa:

    Ataques e retaliações

    Na virada do dia 12 para 13 de junho de 2025, Israel lançou uma série de ataques ao Irã, marcando mais uma frente de agressão militar além das ofensivas já em curso em Gaza, Líbano, Iêmen, Síria e Iraque. A justificativa israelense, como de costume, gira em torno da “segurança nacional” e da “ameaça existencial” que o Irã supostamente representa — ainda que não tenha havido qualquer ação direta do país persa contra o Estado israelense.

    Esse padrão de atuação reafirma uma visão hegemônica sobre o Oriente Médio, na qual Israel se considera o dono da região e age como se tivesse o direito de tutelá-la, promovendo intervenções militares contra qualquer país que considere adversário estratégico.

    Retórica da guerra e a aposta no colapso do Irã

    Desde os ataques de 7 de outubro de 2023, Estados Unidos e Israel mantêm o Irã como foco central de suas retóricas. Autoridades israelenses, incluindo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, falam abertamente em derrubar o regime iraniano. Nos EUA, a retórica agressiva de Donald Trump segue a mesma linha, com ameaças diretas à liderança do Irã.

    Apesar do apoio explícito a Israel, os Estados Unidos ainda não haviam se envolvido diretamente em ações militares contra o Irã — até agora. Isso se devia, em parte, à forte pressão interna contrária a mais uma guerra e também à instabilidade do próprio governo Trump, que atua de forma hesitante e contraditória no cenário internacional.

    Irã e a resistência multipolar

    O conflito atual também deve ser lido como parte da disputa entre dois projetos geopolíticos: o da ordem unipolar liderada pelos EUA e o de um mundo multipolar em ascensão. O Irã, com boas relações com a China e posição estratégica nos BRICS, representa uma peça importante nesse novo tabuleiro.

    Essa perspectiva foi destacada em análise publicada na revista asiática The Cradle, segundo a qual os ataques ao Irã são, na verdade, uma tentativa de minar as forças que dão sustentação à multipolaridade emergente.

    Queda da narrativa israelense

    Após uma semana de confrontos, Israel não conseguiu sustentar a narrativa de superioridade militar. O Irã respondeu aos ataques com firmeza, furando inclusive o chamado “Domo de Ferro” israelense e atingindo áreas sensíveis na capital, Tel Aviv. Isso desmentiu a ideia de uma resposta rápida e decisiva por parte de Israel e levou a uma série de reuniões diplomáticas, como a que ocorre em Genebra sob mediação europeia.

    Nos bastidores, fala-se em preocupação crescente no alto escalão israelense, ainda que publicamente se mantenha o discurso agressivo. A própria diplomacia norte-americana, por ora conduzida por enviados como Steven Witkoff, parece incapaz de construir soluções efetivas — como já se viu na estagnação das negociações sobre a Ucrânia.

    Irã resiste, apesar da subestimação

    O Irã é sistematicamente subestimado e alvo de preconceitos por parte da imprensa hegemônica e de governos ocidentais. Trata-se de um país frequentemente retratado de forma distorcida, reduzido a estereótipos que ignoram sua história, sua estrutura de governo e a coesão de seu povo. É fácil rotular um país como frágil quando se conhece pouco sua cultura, seu funcionamento institucional e sua capacidade de resistência. No entanto, o que se observa, sobretudo nesta última semana de conflito, é que o Irã demonstra força, estabilidade interna, capacidade de substituição de lideranças e notável controle institucional.

    É verdade que, desde a Revolução Iraniana no final dos anos 1970, houve o afastamento de partidos e grupos de esquerda — como o Partido Comunista e o Partido Baaz — do processo de formação do novo governo. Prevaleceu, por meio de um enorme plebiscito popular, a feição islâmica da revolução.

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    Causa Palestina

    Por mais que se possa ter críticas, diferenças ou objeções ao modelo teocrático do Estado iraniano, há um fato incontestável: o Irã se consolidou como o maior defensor da causa palestina no mundo. A Palestina não tem um amigo maior ou melhor do que o Irã. É o único país da região que se coloca frontalmente contra Israel, inclusive colocando sua própria população em risco para manter essa posição.

    Sua atuação desmascara a hipocrisia das potências ocidentais, que calam diante do genocídio em curso contra o povo palestino e da destruição em Gaza, mas reagem apenas quando os ataques atingem território israelense.

    Gaza/Palestina – 07/11/2024 – Civis caminham entre os escombros após novos bombardeios israelenses na Faixa de Gaza. Os ataques atingiram áreas densamente povoadas, incluindo o campo de Nur Shams, em Tulkarm, e bairros residenciais da Cidade de Gaza. Foto: Iria via Fotos Públicas

    Civis palestinos caminham entre os escombros após bombardeios israelenses na Faixa de Gaza. Foto: Iria via Fotos Públicas

    Enquanto um hospital israelense atingido gera imediata comoção, mais de trinta hospitais foram bombardeados em Gaza, com milhares de mortos sob os escombros — sem qualquer reação equivalente das instituições globais ou da chamada comunidade internacional.

    Leia mais: Por que é urgente combater a censura sionista e abolir a Nakba

    O Irã, ao assumir a linha de frente na resistência, desafia essa lógica, sendo alvo de uma guerra de narrativas e de armas. O apoio popular ao governo iraniano cresce diante das agressões e das tentativas de isolamento promovidas por Israel e seus aliados.

    Um cenário ainda em aberto

    As negociações em curso na União Europeia e a imprevisibilidade do governo Trump tornam incerto o desfecho dessa escalada. O que está claro, no entanto, é a falência moral e política da justificativa israelense, e a importância do Irã como agente de equilíbrio na região.

    Acompanhar esse conflito é compreender a disputa por poder, hegemonia e soberania no coração do Oriente Médio — uma disputa que está longe de terminar.

    Ana Prestes é pesquisadora do Observatório Internacional, Grupo de Pesquisa da Fundação Maurício Grabois, e Secretária de Relações Internacionais do PCdoB. Todas as sextas-feiras, comanda o programa Conexão Sul Global, exibido pela TV Grabois.

    *Análise publicada originalmente no programa Conexão (TV Grabois), em 20/06/2025. O texto é uma adaptação feita pela Redação com suporte de IA, a partir do conteúdo do vídeo e com atualização sobre o ataque promovido pelos EUA. 

    **Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.

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