“Direitos humanos fazem parte da identidade do PCdoB” – Entrevista com Milton Alves
Com o objetivo de organizar a militância partidária, o PCdoB iniciou — a partir de seu 12º Congresso — um processo de sistematização de sua atuação nas mais diversas frentes compõem o movimento social, entre elas, os Direitos Humanos. De acordo com Milton Alves o foco da atuação do partido nessa área irá contemplar a luta pela instalação da Comissão da Verdade. “Se a sociedade e os partidos políticos não se movimentarem exigindo a instalação da Comissão da Verdade nós teremos um assunto que continuará sendo adiado e postergado”, alerta.
Ele explica que apesar das alegações de alguns setores da sociedade contrários à investigação dos crimes cometidos pelo regime militar durante o golpe de 1964, as experiências internacionais — inclusive na América Latina — demonstram que em todos os países que efetivaram o trabalho de comissões da verdade a democracia foi consolidada.
“Vários sociólogos e historiadores afirmam que nenhuma Comissão da Verdade desestabilizou a democracia ou criou conflito social. Esse é um discurso de quem não quer apurar. É a fala de quem quer guardar segredos sobre os torturadores e os crimes que foram praticados por eles”.
Milton Alves avaliou positivamente a disposição política do governo Dilma de instalar a Comissão da Verdade, parada há mais de um ano Congresso Nacional. O coordenador de Direitos Humanos do PCdoB elogiou ainda a atuação do Grupo de Trabalho Tocantins (GTT) na região da Guerrilha do Araguaia, mas ponderou que sem a colaboração das Forças Armadas será muito difícil a localização dos corpos dos ex-guerrilheiros e camponeses assassinados.
“O que se levantou do Araguaia foi um esforço dos familiares, de organizações dos direitos humanos e da população local. É preciso a colaboração do Exército que esteve do outro lado, para a localização dos corpos. E para que possamos providenciar um enterro digno e uma última homenagem a esses heróis do povo brasileiro”.
Vermelho: A questão dos direitos humanos é uma prioridade para o PCdoB?
Milton Alves: O PCdoB é identificado por sua natureza ideológica com a emancipação humana. Portanto, os direitos humanos sempre foram uma prioridade e uma vocação do partido. O PCdoB sempre teve essa questão como uma bandeira prioritária na sua atividade. Nesse momento temos debatido a estruturação da nossa atuação partidária nessa frente. Sempre estivemos envolvidos nas denúncias de arbitrariedade contra o povo trabalhador e as diversas violações dos direitos humanos de que o próprio partido foi vítima na ditadura militar, com a prisão e a tortura de diversos de seus dirigentes. O PCdoB tem uma identificação muito forte com isso, faz parte da nossa identidade.
Vermelho: Como irá atuar a Coordenação dos Direitos Humanos do PCdoB?
MA: Durante o 12º Congresso sistematizamos mais a organização da atuação do partido nos movimentos sociais. Temos uma Secretaria que coordena todo esse trabalho e um Fórum dos Movimentos Sociais — presidido pelo presidente Nacional do partido, Renato Rabelo. Isso demonstra a atenção do PCdoB nessa área dos movimentos sociais, na qual já possuímos uma atuação histórica. Além disso, possuímos diversas coordenações, entre elas a dos Direitos Humanos — que estamos formatando. A ideia é que ela seja reproduzida nos estados, com coordenações específicas e grupos de trabalhos. Vamos fazer um encontro no segundo semestre deste ano para debater a orientação política e as formas de atuação.
Vermelho: Quais são as prioridades do PCdoB dentro dessa área de direitos humanos?
MA: Na minuta inicial de trabalho que apresentei para a direção nacional estão quatro blocos de questões mais candentes. A primeira é esse período da ditadura militar, ou seja, a luta pela Comissão da Verdade, o resgate da memória, e da história. Esse é o centro da nossa atuação nesse momento. O segundo ponto é essa questão da violência contra a juventude, principalmente a juventude das periferias, o sistema prisional e as chacinas. Temos a ideia de realizar um encontro e envolver a UJS (União da Juventude Socialista nesse trabalho. A terceira é a questão internacional, com foco na política imperialista de agressão e violação aos povos. Os direitos humanos estão sendo agredidos na Líbia, no Iraque e no Afeganistão. Vamos fazer uma contraposição ao imperialismo que é o que de fato ocorre hoje em diversos países. Essa é uma violação sistemática que precisa de um enfrentamento. O quarto bloco está vinculado ao direito ao trabalho decente, contra o trabalho escravo, a discriminação que as mulheres ainda sofrem no ambiente de trabalho e o assédio moral. São quatro blocos que eu vejo que o partido tem que atuar. Já temos ativistas nessas áreas, mas é preciso sistematizar e concretizar uma ação política organizada.
Vermelho: Com relação à Comissão da Verdade, como o partido deve atuar nesse tema?
MA: Essa é a principal bandeira dos movimentos vinculados à luta pelos direitos humanos em 2011 e talvez a luta política mais importante para fazer avançar e consolidar o processo democrático em nosso país. É uma dívida do Estado com a nação brasileira e com o povo brasileiro. Em que estágio isto está? Foi apresentado o Projeto de Lei 7376 de 2010 que chegou em maio do ano passado ao Congresso Nacional e está estacionado. Faz mais de um ano que ele está lá. Esse projeto já foi objeto de muitas negociações porque durante sua formulação houve um certo embate com as Forças Armadas e até o Ministério da Defesa. Nós achamos que se não houver pressão dos movimentos sociais e da sociedade ele não vai virar uma pauta política do Congresso. Muita gente acha que é um assunto espinhoso e dentro do próprio governo existem pessoas que defendem que esse tema não entre em discussão agora. Então é preciso que haja uma pressão organizada da sociedade.
A Comissão da Verdade vai concluir toda uma etapa. Já tivemos a Constituinte e a transição de quase 30 anos de democracia no país talvez tenha seu desfecho com uma Comissão da Verdade — que apure todo aquele processo, que abra todos os documentos desse período da ditadura, independente do seu grau de sigilo. Essa polêmica que está acontecendo agora tem relação com a própria dinâmica de uma Comissão da Verdade efetiva — que deve ter o poder de requerer qualquer documento e o depoimento de qualquer autoridade. Achamos que se a sociedade e os partidos políticos não se movimentarem exigindo a instalação da Comissão da Verdade nós teremos um assunto que continuará sendo adiado e postergado.
Vermelho: A questão do sigilo eterno dos documentos está diretamente em confronto com a Comissão da Verdade?
MA: Se vai haver um sigilo eterno sobre determinados documentos com certeza os do período da ditadura estarão entre eles. Logo, a Comissão Verdade terá dificuldade em ter acesso a eles. Esse período não pode ter sigilo eterno. A verdade tem que aparecer. Os torturadores têm que ser punidos. Devemos educar as novas gerações. Precisamos ter acesso a todos os documentos e arquivos. As Forças Armadas deveriam ter um ato de generosidade com a sociedade e apresentar isso para o Brasil.
Vermelho: As pessoas que defendem que esse tema não seja mais discutido falam em revanchismo. Quais são as verdadeiras questões que impedem o esclarecimento dos crimes cometidos durante esse período?
MA: Politicamente essa é uma questão bastante complexa. A interpretação vem a partir de 1979 com a Lei da Anistia. Consideramos claramente que o Golpe de 1964 foi uma violação da democracia. Existia um Estado de Direito, um presidente eleito e houve uma violência contra esse Estado democrático, e daí se implantou uma ditadura fascista que perseguiu, matou e violou os direitos humanos. Isso precisa ser avaliado à luz da história e à luz dos fatos concretos. Com a anistia foi como se essa questão tivesse sido “zerada”. Essa é a visão de boa parte da mídia dominante — que em sua grande parte esteve comprometida com a ditadura — e muita gente ligada ao regime militar e até o atual comando das Forças Armadas compra esse discurso. Eles defendem que “não se deve mexer nisso”, que o “assunto já passou” e que “quem quer reabrir essas discussões é revanchista”.
Ao contrário dessas alegações, toda a experiência histórica e internacional demonstra que em todos os processos de conflitos— inclusive na América Latina, como é o caso da Argentina que também passou por uma ditadura militar, e no Chile — houve comissões da verdade e se avançou e se consolidou a democracia. Na América Central onde houve durante muitos anos uma guerra civil, como El Salvador e Guatemala, houve comissão da verdade e se avançou na democracia. A mesma coisa aconteceu na África do Sul, onde também houve uma comissão da verdade e reconciliação que apurou todos os crimes do Estado racista e se avançou na democracia. Vários sociólogos e historiadores afirmam que nenhuma Comissão da Verdade desestabilizou a democracia ou criou conflito social. Esse é um discurso de quem não quer apurar. É a fala de quem quer guardar segredos sobre os torturadores e os crimes que foram praticados por eles.
Acho que podem ter setores das Forças Armadas que vão se sentir atingidos pelas atrocidades que cometeram, mas isso precisa ser apurado. A Nação precisa saber porque essa é uma mancha que está no Brasil. Abrir os arquivos militares sobre a Guerrilha do Araguaia é uma demanda da democracia e da sociedade. Esse é um assunto que vamos ter que resolver em algum momento e a hora é agora. A Comissão da Verdade terá esse papel histórico de desnudar esse assunto que alguns insistem em encobrir.
Vermelho: A eleição de uma presidente que foi presa e torturada durante o período da ditadura militar trouxe muita expectativa sobre esse tema. Como os movimentos analisam os primeiros meses do governo Dilma Rousseff, dentro da perspectiva dos direitos humanos?
MA: Os pronunciamentos da presidente Dilma e da secretária dos Direitos Humanos Maria do Rosário são muito afirmativos. Avaliamos até agora que há uma disposição política de instalar a Comissão da Verdade. Evidentemente existem etapas e agora o projeto está no Congresso, mas o Executivo joga um papel grande e até agora eu não vejo nenhuma intenção de recuo. Tivemos no primeiro semestre o Congresso praticamente envolto na questão do Código Florestal — que dividiu opiniões no Brasil inteiro — e acredito que esse debate da instalação da Comissão da Verdade e de resgate dessa memória dos anos de chumbo vai também ter um grande impacto na sociedade.
Vermelho: A Guerrilha do Araguaia, como você avalia a atuação do Grupo de Trabalho Tocantins (GTT)?
MA: Foi um trabalho meritório que despertou muita sensibilidade para a questão da Guerrilha do Araguaia. Temos, dentro do GTT, um grupo excelente de companheiros do nosso partido que muito nos orgulha, formado pelo Aldo Arantes, Paulo Fonteles e o Cezostrys da Costa. Mas na verdade existe um ator que precisa dar sua contribuição nesse tema que é o Exército. Já foram feitas pesquisas e duas expedições ao local, mas ainda há muita resistência por parte das Forças Armadas. O que se levantou do Araguaia foi um esforço dos familiares, de organizações dos direitos humanos e da população local. É preciso a colaboração do Exército que esteve do outro lado, para a localização dos corpos. O Aldo Arantes tem falado muito das operações limpeza, que exatamente tinham o objetivo de não deixar rastros. O comando das Forças Armadas precisava dar essa colaboração para o país.
Esse esclarecimento do Araguaia é um prelúdio de um trabalho de uma Comissão da Verdade. Há um impasse nesse momento porque talvez o GTT já tenha feito o máximo que ele poderia. Mas há um ator que precisa se pronunciar e colaborar efetivamente para que a gente encontre os corpos dos ex-guerrilheiros e dos camponeses que foram assassinados. E para que possamos providenciar um enterro digno e uma última homenagem a esses heróis do povo brasileiro.
Fonte: Portal Vermelho