A lógica trata, entre outras coisas, das inferências válidas, ou seja, das inferências cujas conclusões têm que ser verdadeiras, caso as premissas o sejam. Tanto as premissas como as conclusões de uma inferência devem estar formuladas em uma linguagem mais ou menos bem estruturada, para que ela seja objeto de análise lógica apropriada. Com o intuito de tornar rigorosas suas investigações, os lógicos edificaram linguagens artificiais convenientes. As inferências são “traduzidas” nessas linguagens, ainda que pelo menos em princípio, para estabelecer se elas pertencem à categoria dos argumentos válidos ou à dos argumentos inválidos. Tais linguagens possuem pelo menos duas dimensões relevantes para a lógica: a dimensão sintática e a dimensão semântica.

As linguagens em geral são compostas de símbolos e sinais que se acham sujeitos a regras de combinação que independem do que esses símbolos e sinais signifiquem. Por exemplo, certas configurações simbólicas incluem-se entre as fórmulas e outras entre os termos, e isto pode ser caracterizado de modo puramente combinatório e formal, sem se necessitar recorrer aos significados dos símbolos, mas com base exclusivamente nas configurações simbólicas dos arranjos simbólicos. A dimensão combinatória de uma linguagem, encarada como puro jogo formal, sem significado, denominamos de dimensão sintática. E a estrutura sintática de uma linguagem determina sua sintaxe lógica.

Porém, as linguagens não são feitas apenas para dar origem a puras estruturas sintáticas. Seus símbolos e expressões têm em geral significado, referindo-se a objetos extralinguísticos. Daí a dimensão semântica das linguagens, que leva em consideração, além das estruturas sintáticas, os objetos aos quais as configurações simbólicas se referem e os significados das mesmas.
Assim, pois, as linguagens se encontram submetidas não apenas a regras sintáticas, mas, também, a regras semânticas. O enorme interesse das dimensões sintática e semântica para a lógica foi posto em relevo especialmente por R. Carnap e A. Tarski, por volta de 1930.

A lógica clássica apóia-se em princípios básicos, de natureza semântica e sintática
Mais ou menos até princípios deste século, havia uma única lógica (pura, formal ou teórica). Porém, no decurso dos últimos oitenta anos, foram criadas outras lógicas, de modo que a lógica inicialmente considerada – cujas origens remontam a Aristóteles, mas cujo sistematizador mais importante foi G. Frege (nos três decênios derradeiros do século passado) – precisou ser chamada de clássica ou tradicional. Pode-se dizer que a lógica clássica adquiriu sua forma quase definitiva na obra monumental de A. N. Whitehead e Bertrand Russell, intitulada Principia Mathematica, em três volumes, publicados respectivamente em 1910, 1912 e 1913.

Uma das maiores revoluções culturais de nossa época foi a edificação das lógicas não-clássicas, particularmente das lógicas não-clássicas batizadas de rivais da clássica ou heterodoxas. Essa revolução é similar à revolução provocada pela descoberta das geometrias não-euclidianas, no século passado. Porém, até o momento não se explorou a fundo, do ponto de vista filosófico, o significado da eclosão das lógicas heterodoxas.

Embora abusando um pouco do vocabulário técnico da lógica, podemos dizer que a lógica clássica consiste no que costuma dominar cálculos de predicados de primeira ordem, bem como de algumas de suas extensões, como v.g. certos sistemas de teoria dos conjuntos e determinados cálculos de predicado de ordem superior. Essencialmente, a lógica clássica versa, em sua parte dita elementar, com base em certas posições sintéticas e semânticas subjacentes, sobre os chamados conectivos lógicos (conjunção, disjunção, negação, implicação, equivalência…), sobre os quantificadores (“todos”, “todo”, “algum, “alguns”, “algumas”…) e sobre o predicado de igualdade. Em sua porção não elementar, a lógica tradicional investiga a noção de pertinência (na acepção em que, por exemplo, afirmamos a sentença “Bertrand Russel pertence ao conjunto dos filósofos”) e outras noções alternativas.

A lógica clássica, em seu estado atual, é tão poderosa que encerra a velha silogística aristotélica, convenientemente reformulada, como caso deveras especial e quase sem importância. Por outro lado, toda a matemática tradicional, em certo sentido preciso, reduz-se à lógica clássica. (Todos os conceitos matemáticos tradicionais são definíveis em termos da idéia de conjunto e, portanto, definíveis a partir da lógica.)

A lógica clássica caracteriza-se por determinados princípios básicos, de natureza sintática e semântica. Quando semelhantes princípios são derrogados nascem as lógicas não-clássicas.
Elas classificam-se em duas categorias:1) as complementares da lógica clássica; 2) as rivais da lógica clássica.

Há várias lógicas que podem ser entendidas como ampliando e complementando o escopo da lógica clássica. Elas se individualizam por não colocar em xeque as leis centrais daquela, mas por alargar o âmbito de suas aplicações; tão-somente modificam o aparato linguístico sob o ponto de vista sintomático, adaptando a contraparte semântica de maneira absolutamente não essencial, sem infringir os princípios nucleares clássicos.

Por exemplo, podemos acrescentar à lógica tradicional operadores modais, isto é, operadores expressando os conceitos lógicos de necessidade, de possibilidade, de impossibilidade e de contingência; obtém-se, assim, a lógica modal usual que, em sua forma hodierna, originou-se com C. I. Lewis, em princípios deste século. Também nada impede que se adicione à lógica clássica operadores deônticos, formalizando as idéias correspondentes às palavras “proibido”, “permitido”,”indiferente”e “obrigatório’, dando nascimento à lógica deôntica, elaborada sobretudo por G. H. von Wright (1951). Introduzindo-se operadores temporais, por exemplo, símbolos refletindo as flexões temporais dos verbos de linguagem naturais, nas estruturas lógicas clássicas, constrói-se a lógica do tempo ou lógica cronológica, cultivada em nossos dias sobretudo por A. N. Prior, nos anos 1960. Enfim, poderíamos suplementar a lógica clássica de várias outras maneiras, advindo numerosas lógicas não-clássicas, tais como a lógica epistêmica e a lógica dos imperativos, todas elas complementando a lógica clássica.

Como não podia deixar de ser, a lógica do tempo evidenciou-se de suma relevância para os fundamentos da física, descrevendo e analisando as estruturas formais de vários tipos de fluxo temporal a priori admissíveis: tempo discreto, tempo contínuo, tempo linearmente ordenado, tempo circular etc. A linguística também encontra na lógica cronológica uma ancila de inestimável valor, porquanto as linguagem naturais afiguram-se inseparáveis das flexões temporais, que inexistem na lógica clássica.

Lógicas heterodoxas derrogam pelo menos uma das leis do pensamento clássico
Todas as lógicas complementares da clássica mais conhecidas são deveras relevantes e motivaram questões variadas, especialmente problemas filosóficos. Nelas, repetimos, a sintaxe da lógica tradicional é modificada, pois as linguagens basilares subjacentes à lógica clássica são expandidas pela adjunção de novos símbolos; isto acarreta, evidentemente, alguns retoques semânticos, dado que se torna preciso enquadrar a dimensão semântica às novas sintaxes. Embora as mudanças sejam, sob certos aspectos, marginais, os problemas semânticos e filosóficos decorrentes se mostram profundos e têm incentivado pesquisas fecundas, envolvendo temas como a natureza do essencialismo, em lógica jurídica, em que os operadores deônticos reflitam traços reais da atividade de jurisconsulto; e as relações entre espaço e tempo nos fundamentos da física, em particular em teorias físicas da espécie da teoria geral da relatividade e da mecânica quântica.

Não obstante, as lógicas complementares da clássica não alteram as leis nucleares da lógica clássica. Dito de outro modo, elas não questionam a validez universal da lógica em apreço. Desenvolvem-se as lógicas complementares da clássica permanecendo-se fiéis ao espírito desta última.

A situação muda inteiramente de figura no tocante às lógicas não-clássicas rivais da lógica tradicional. Elas foram propostas, ou podem ser tidas como tendo sido propostas, à guisa de rivais da clássica. São concebidas como novas lógicas destinadas a substituir a lógica clássica em alguns domínios do saber ou em todos. A imprescindibilidade de tal substituição adviria de deficiências e limitações essas das mais variadas naturezas.

Existem diversas lógicas rivais da clássica ou, como se habituou também chamar, lógicas heterodoxas. Vejamos alguns exemplos de lógicas dessa espécie. Dentre as leis que vigem na lógica clássica, há três célebres e que se denominam lei da identidade, lei da contradição, (alguns preferem nomeá-la de lei da não-contradição) e lei do terceiro excluído. Elas possuem muitas formulações, nem sempre equivalentes entre si.

Para nossos objetivos, neste artigo, adotaremos as seguintes versões:
1- Lei da identidade: todo objeto é idêntico a si mesmo.
2- Lei da contradição: dentre duas proposições contraditórias, esto é, uma das quais é a negação da outra, uma delas é falsa.
3- Lei do terceiro excluído: de duas proposições contraditórias, uma delas deve ser verdadeira.
Algumas das lógicas heterodoxas mais conhecidas e discutidas distinguem-se, precisamente, por derrogarem pelo menos uma das leis precedentes (que, em formulações as mais variadas, eram designadas pela expressão “Leis fundamentais do pensamento”, talvez porque se acreditasse que sem elas não poderia haver pensamento racional, pensamento logicamente concatenado). Todavia, as lógicas heterodoxas provaram que o pensamento lógico-racional pode se exercitar mesmo sem obedecer a essas leis fundamentais da razão, libertando essa faculdade do jugo duas vezes milenar de semelhantes leis, que pareciam absolutamente impossíveis de serem revogadas.

Teorias não-triviais inconsistentes fundamentam-se nas lógicas paraconsistentes
Há sistemas lógicos nos quais o princípio da identidade não é válido em geral, em parte porque se julga que a relação de identidade carece de significação para certos tipos de objetos. Como esse princípio também se denomina lei reflexiva da identidade, as lógicas em apreço podem ser batizadas de lógicas não-reflexivas. Por exemplo, E. Shrodinger insistiu em que a noção de identidade não possui sentido pleno para os elétrons e, em geral, para as partículas elementares. Não se trata de não se poder saber quando um elétron é idêntico ou diferente de outro; trata-se, isto sim, da circunstância de que não parece ter sentido lógico exato afirmar que um elétron é idêntico a outro ou que é distinto desse outro. Porém, o princípio de identidade mostra-se válido, entre limites, para os objetos macroscópicos. Logo, ele vige no mundo da física clássica, embora não reja o universo das partículas elementares. Existem sistemas lógicos não-reflexivos extremamente fortes e que englobam a lógica tradicional a título de caso especial. É óbvio que os sistemas não-reflexivos divergem basicamente da lógica tradicional, possuindo sintaxes e semânticas incomparáveis com as da lógica padrão. Uma das dificuldades ligadas à semântica dos sistemas não reflexivos refere-se aos recursos para edificar uma semântica dessa natureza; com efeito, na construção das semânticas mais comuns, lança-se-mão da teoria clássica dos conjuntos, mas no caso das lógicas não-reflexivas, isto não funciona, porquanto na teoria em apreço permanece verdadeira a lei da identidade.

As lógicas não-reflexivas não provam que Schrodinger tenha razão em suas concepções sobre as interconexões entre identidade e partículas elementares, embora tornem claro que sua posição não pode ser excluída apenas por motivos de índole lógica.

Há outras lógicas não-reflexivas que provieram de discussões e de problemas completamente diversos. Assim, determinados sistemas lógicos que formalizam o operador de descrição (introduzido como símbolo primitivo), ou seja, o artigo definido, tal qual ele ocorre nas frases “O atual rei do Brasil” e “O dobro de quatro é oito”. Quando o artigo origina uma descrição semelhante a “O atual rei do Brasil”, que realmente não descreve coisa alguma, é conveniente, por diversos motivos, inclusive razões de ordem técnica, que para essas descrições não se aplique a lei de identidades. Derroga-se o princípio da contradição na maioria das lógicas chamadas de paraconsistentes. Para definirmos os sistemas paraconsistentes necessitamos de alguns esclarecimentos preliminares.

Uma teoria dedutiva T diz-se inconsistente se entre os seus teoremas há pelo menos dois, um dos quais é a negação do outro; em caso contrário, T denomina-se consistente. A teoria T chama-se trivial (ou supercompleta) se todas as proposições formuláveis em sua linguagem forem teoremas de T; na hipótese contrária, T diz-se trivial. Patentemente, as teorias triviais não apresentam interesse direto no prisma lógico: nelas não podemos separar as proposições que são teoremas das que não são.
Um dos traços marcantes da lógica tradicional é o de que qualquer teoria dedutiva nela baseada, que for inconsistente, será também trivial. Essa lógica não permite que se separem os conceitos de trivialidade e inconsistência. Para permitir essa separação, foram criadas as lógicas paraconsistentes, que são lógicas capazes de servir de fundamento para as teorias inconsistentes e não triviais. Em tais teorias, podem ser teoremas uma proposição e, ao mesmo tempo, sua negação, sem que a teoria deixe de ser importante do ponto de vista lógico. Ou seja, a teoria não colapsa na trivialidade, muito embora contenha inconsistências.

Se, porém, numa teoria fundada sobre uma lógica paraconsistente podem existir contradições, isto é, segundo vimos, teoremas cujas negação são também teoremas, isto não implica que todas as preposições infrinjam a lei da contradição, sendo todas elas e suas  negações verdadeiras. As teorias inconsistentes de relevância são aquelas que contêm não apenas proposições “mal comportadas”, tais que elas e suas negações incluem-se entre teoremas, mas encerram, além delas, proposições “bem comportadas”, que são verdadeiras, embora suas negações não o sejam.

Evidencia a lógica paraconsistente que as teorias inconsistentes não devem ser descartadas unicamente por se evidenciarem inconsistentes, por infringirem o princípio da contradição. Este fato possui as mais variadas consequências filosóficas, destruindo um paradigma que vem governando a razão humana há dois milênios. A lógica paraconsistente encontra aplicações em tentativas feitas com o intuito de se formalizar parcialmente a dialética; outras aplicações surgiram na matemática e na filosofia da ciência (I. Lackatos chamou a atenção dos filósofos da ciência para a existência de teorias físicas que foram aceitas, mesmo se manifestando inconsistentes; exemplo de teoria desse tipo é a do átomo de Bohr. Outra possível aplicação da lógica paraconsistente vincula-se com a dualidade onda-corpúsculo e o princípio da complementaridade de Bohr).

Lógica intuicionista invalida a lei do terceiro excluído da semântica clássica
Os sistemas lógicos paraconsistentes mais fortes englobam a lógica tradicional como caso especial, regendo as proposições bem comportadas, e constituem o fundamento de teorias de conjuntos e de matemáticas paraconsistentes tão inclusivas quanto as teorias de conjuntos clássicas e a matemática comum.

Surpreendentemente, as lógicas paraconsistentes, pelo menos as mais destacadas, possuem semânticas razoáveis, que estendem as concepções semânticas padrão.
A lógica paraconsistente teve dois precursores dignos de menção: o lógico polonês J. Lukasiewicz e o filósofo russo N. A. Vasilev, os quais, simultânea, mas independentemente, em 1910, procuraram estabelecê-la. Porém, devido a variadas circunstâncias, ela só se constituiu a partir dos trabalhos do lógico polonês S. Jaskowiski e do autor deste artigo que, a partir de 1948 e de 1953, começamos a investigar sistematicamente os sistemas paraconsistentes mediante os instrumentos e técnicas da lógica contemporânea. As perquirições de Jaskowski e as nossas se iniciaram de maneira independente, embora houvesse convergência posterior. Hoje, a lógica paraconsistente inclui-se entre os temas de estudo mais ou menos correntes do domínio da lógica, algo indiscutivelmente  inconcebível há 25 anos.

Denomina-se paracompleta uma lógica que derrogue a lei do terceiro excluído. Em tais lógicas, ou melhor, em teorias nelas fundamentadas, pode haver proposições tais que nem elas nem suas negações sejam verdadeiras.
Exemplo de lógica paracompleta é a lógica intuicionista de L. E. J. Brouwer e A. Heyting, formalizada na década de 1930. A semântica de tal lógica diverge completamente da semântica clássica, o que tem como corolário a invalidade da lei do terceiro excluído. Não podemos entrar em detalhes sobre essa lógica aqui, a qual surgiu de uma concepção filosófica de matemática bem afastada da postura tradicional. Limitaremo-nos, apenas, a sublinhar que a lógica intuicionista é susceptível de ser encarada como a lógica do raciocínio matemático construtivo, em que a existência de um número, por exemplo, só é provável mediante a construção desse número, de sua exibição.

Para Brouwer, Heyting e seus seguidores, a matemática é uma atividade construtiva de nosso pensamento e a lógica tem por finalidade catalogar as regularidades dessa atividade construtiva. A lógica apropriada para a matemática construtiva deve ser a lógica intuicionista e não a clássica, essencialmente irreconciliável com os raciocínios construtivos do matemático. A lógica intuicionista, pois, foi proposta como rival da clássica, com o objetivo de substituí-la no campo do pensamento matemático construtivo. (Aliás, somente existe a matemática construtiva; a matemática tradicional, intrinsecamente não-construtiva, deveria ser abandonada como pseudociência.)

Sem procurarmos discutir com mais profundidade o intuicionismo e sua lógica, lembraremos, apenas, que esta última tem sido utilizada em vários domínios do saber, como, recentemente, na teoria da decisão.
Outro tipo de lógica paracompleta digno de referência é a lógica polivalente, criada, de modo independente, porém simultâneo, por Lukasiewicz e E. L. Post por volta de 1920. Nesta categoria de lógica as proposições podem assumir valores de verdade entre o verdadeiro e o falso.

Um terceiro valor diverso da verdade e da falsidade: lógica trivalente
Lukasiewicz chegou à formulação da lógica polivalente motivado por um problema filosófico, o problema dos futuros contingentes de Aristóteles. Em síntese, a questão é a seguinte: certas proposições contingentes, referentes ao futuro, v.g., “em dez anos haverá uma guerra mundial”, não parecem poder ser, hoje, verdadeiras ou falsas, sem isto acarretar uma forma de determinismo estrito. Se todas as proposições relativas a contingências futuras forem, agora, verdadeiras ou falsas, o futuro pareceria estar determinado pelo estado presente do mundo e, por conseguinte, o futuro seria determinado pelo passado, não havendo livre-arbítrio etc. Logo, uma espécie de lógica compatível com alguma categoria sensata de indeterminismo tem que conferir, em qualquer momento, às proposições concernentes e acontecimentos futuros, de caráter contingente, um terceiro valor lógico, diverso da verdade e da falsidade: elas seriam indeterminadas. Assim, o grande lógico polonês foi conduzido a elaborar uma lógica trivalente (com três valores de verdade) e, após, as lógicas polivalentes em geral, algumas com infinitos valores de verdade. As lógicas polivalentes têm sido empregadas nos mais variegados complexos; por exemplo, na programação de computadores, na teoria dos circuitos elétricos (particularmente por G. Moisil), na linguística e na teoria da probabilidade. H. Heichenbach intentou utilizá-la na fundamentação da mecânica quântica.

Acabamos de debater apenas algumas da lógicas ditas rivais da clássica. Existem numerosas outras, tais como a lógica molecular (originada pela mecânica quântica e estudada especialmente por J. Kotas), a lógica livre, a lógica relevante e a lógica intuicionista sem negação de Griss.
A conceituação de lógica clássica, por nós apresentada, não se mostra precisa. Com efeito, a lógica hodierna evoluiu tanto e está sendo palco de avanços tão revolucionários, que se torna impossível caracterizá-la de maneira precisa. Em decorrência, os conceitos de lógica complementar da clássica e de lógica heterodoxa também se evidenciam algo vagos. Assim, exemplificando, afigura-se difícil enquadrar certos sistemas lógicos na classificação delineada, como acontece com os sistemas lógicos de S. Lesniewski e com a lógica combinatória (M. Schonfinkel. H. B. Curry…). Todavia, isto não tem importância; não se pode, efetivamente, definir de maneira exata e precisa qualquer ciência viva e progressista. E tal fenômeno se passa com a lógica em nossos dias, em cujos domínios se processa atualmente uma transformação fecunda, análoga à que ocorre nas ciências aparentemente mais progressistas, como a física e a genética.

O estudo da lógica em nossa época nos induz a formular indagações profundas, envolvendo perguntas filosóficas de extraordinária significação, como as seguintes:
1- Racionalidade e logicidade de algum modo coincidem?
2- Se há várias lógicas, existem, em decorrência, vários tipos de razão?
3- As lógicas heterodoxas são, de fato, rivais da clássica? No fundo não seriam, talvez, apenas sistemas complementares do clássico?
4- Quais as relações existentes entre a lógica, a linguagem e as ciências empíricas?
5- A lógica, em seu estado de desenvolvimento hodierno, compromete-nos com posições filosóficas, em particular com estruturas ontológicas definidas?

Essas e outras questões preocupam presentemente lógicos e filósofos. Elas se converteram em problemas agudos depois da descoberta e da proliferação das lógicas não-clássicas, aparecidas há tão pouco tempo e prenunciando uma revolução na história da cultura, como jamais houve outra antes.
Por tudo isso, é deveras significativo observar que no Brasil se tem contribuído para o desenvolvimento das lógicas não-clássicas com uma parcela apreciável de resultados técnicos e de idéias filosóficas. Aliás, a primeira revista do mundo dedicada exclusivamente às lógicas não-clássicas começou a ser publicada em nosso país o ano passado, intitulando-se The Journal of Non-Classical Logic, e sob os auspícios do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Universidade Estadual de Campinas. Quiçá o Brasil, jovem que é, país do futuro na expressão de S. Zweig, possa se converter na terra do futuro da lógica.

Publicado no Folhetim (encarte da Folha de S. Paulo), 22 de maio de 1983, n. 331.

* Professor da Faculdade de Filosofia da USP e titular do Instituto Internacional de Filosofia – Paris, França.

Newton Costa

Newton C. A. da Costa, paranaense, 60 anos, atualmente professor da Faculdade de Filosofia da USP e titular do Instituto Internacional de Filosofia de Paris, é um dos mais destacados lógicos e matemáticos da atualidade, com reconhecimento internacional. Conta com mais de 150 trabalhos publicados em Lógica, Filosofia, Matemática, Fundamentos da Física e Ciência da Computação, especialmente no exterior.

Seu trabalho de maior projeção é a criação de uma das lógicas não-classistas formuladas neste século, a Lógica Paraconsistente.

Esta lógica, desenvolvida independentemente por Newton Costa e pelo polonês S. Jaskowski, diferentemente da lógica clássica, admite e opera com proposições logicamente contraditórias e é hoje estudada e desenvolvida em várias partes do mundo.
Uma boa apresentação do pensamento de Newton Costa encontra-se na sua obra Ensaio sobre os fundamentos da lógica, editado pela Hucitec em 1980.

Olival Freire Jr.
Edélcio Gonçalves de Souza

EDIÇÃO 23, NOV/DEZ/JAN, 1991-1992, PÁGINAS 64, 65, 66, 67, 68, 69