Gennadi Ziuganov, líder dos comunistas russos, é graduado em física e matemática e doutor em ciências filosóficas e políticas. Desde 1993 é presidente do Comitê executivo central do Partido Comunista da Federação Russa (PCFR), a força política mais influente e organizada da Rússia. Em 1994 foi eleito deputado no Parlamento (Duma), tendo exercido o cargo de líder da bancada comunista. Como candidato a presidente da República, em 1996, Ziuganov foi ao 2º turno e obteve mais de 30 milhões de votos, 43% do eleitorado.

"Confesso que sonhava visitar o Brasil principalmente porque ele está entre os dez primeiros países mais desenvolvidos no mundo. Estou muito contente ao ver as fortes disposições das esquerdas brasileiras e que vocês mostram o respeito pelos ideais do bem, da fraternidade, do socialismo e pelos homens que produzem todos os valores superiores na Terra.

Durante o século XX, meu país passou por três revoluções, duas guerras mundiais gravíssimas, uma guerra civil e quase 50 anos da guerra fria, que por pouco não passou para uma guerra quente. O nosso país abriu o caminho para as alturas da ciência, conquistou o Cosmo, venceu o fascismo, desenvolveu um dos melhores sistemas de educação e de seguridade social. Isto provocou o ódio do imperialismo e então eles desencadearam contra nós uma poderosa guerra fria.

Na Rússia o socialismo sofreu uma derrota temporária. A tentativa de construir o capitalismo em nossa terra, tomando por modelo os Estados Unidos, trouxe os efeitos infelizes da destruição da economia e a miséria que nunca existira antes. Gorbachev e Ieltsin traíram praticamente os interesses nacionais, do seu povo, de seus aliados e tomaram-se os destruidores do potencial econômico russo, antes imensamente forte. Durante o período da privatização as pessoas perderam suas economias em função da inflação, não registrada pelo governo e não corrigida pelo banco central da Rússia. As conversas sobre o ingresso na "civilização mundial" através da privatização, na realidade, significaram a destruição da ciência e das conquistas sociais. Das conversas sobre o mercado livre – que iria trazer a riqueza – na realidade, o que aconteceu, foi que perdemos todos os mercados que já tínhamos aberto e onde estávamos trabalhado muito bem. Como resultado desta política na Rússia existem hoje 3 milhões de meninos de rua, quando há pouco tempo não havia nenhum. Atualmente existem 6 milhões de pessoas que vivem na miséria e antigamente não existia nenhuma. Há, também, 20 milhões de desempregados, enquanto há sete anos atrás todos tinham emprego e condições de vida garantidas.

Os trabalhadores compreenderam que perderam e estão apoiando ativamente o nosso Partido, que atualmente tem mais de 600 mil membros, publica 300 jornais e tem mais de 7 milhões de apoiadores em todo país. Durante os últimos dois anos, nas eleições para governadores, vencemos em 45 regiões dos 89 estados. Criamos um grande território sob direção política da oposição que abrange as regiões mais desenvolvidas do país, de Moscou até o Extremo Oriente. Em muitas delas foi restabelecido o Poder do povo, os Sovietes e retomadas as conquistas dos trabalhadores. Em todas as Reuniões Legislativas locais temos de 30 até 80% de vereadores. Restabelecemos os contatos mais estreitos com 150 partidos da orientação de esquerda no planeta, inclusive assinamos o acordo com o Partido Comunista da China e cumprimos este tratado. No Conselho de Estrasburgo temos um bancada de 41 votos e usamos ativamente as instituições européias para defender os ideais do nosso país.

Conseguimos rejuvenescer a direção do Partido. Hoje existem jovens entre 30 e 40 anos que estão ativamente trabalhando no Partido. Foram restabelecidos os movimentos da juventude patriótica, que abrange milhões de nossos adolescentes e jovens em todo o país. Acredito que a visita da nossa delegação ao vosso maravilhoso país permitirá estabelecer relações e fortalecer laços de amizade com a América Latina.

A Rússia e o Brasil poderiam desempenhar um papel mais importante em todos os processos internacionais. Os nossos partidos da esquerda, trabalhando em conjunto, poderiam desempenhar um papel importantíssimo na defesa dos ideais do socialismo perante os trabalhadores de todo o mundo. Tenho certeza que vamos encontrar uma linguagem comum em muitas questões, principalmente no desenvolvimento interno do país e também em nível internacional.

Criamos, dentro do parlamento, um forte grupo internacional que vai trabalhar junto com nossos amigos e parceiros brasileiros. Editamos mais de 300 jornais e revistas e eles – com prazer – levarão ao público as informações sobre a vida de nossos amigos brasileiros e sobre os países latino-americanos, melhorando o serviço de informação.

Os próximos meses decidirão que caminho a Rússia seguirá. Hoje, 90% da população estão insatisfeitos com a política que o governo realiza e criamos uma poderosa União Patriótica, uma coalizão de centro-esquerda. Na nossa União Patriótica ingressaram o Partido Comunista, o Partido Agrário, "o poder do povo", o movimento feminino, dos jovens, dos veteranos, e outros, e é o mais forte no momento.

Atualmente existem algumas possibilidades de desdobramento da situação da Rússia. A primeira é o prosseguimento contínuo da situação atual – o que levaria ao caos o país, e possivelmente o mundo (na Rússia há em tomo de trinta mil ogivas nucleares e não nucleares espalhadas em todos os partes do território). A outra possibilidade é que Ieltsin e seu círculo recorram à ajuda americana para impor a ditadura, que também inevitavelmente levaria ao caos e à guerra civil. A terceira variante é o restabelecimento do governo popular, o governo da confiança popular com apoio das amplas massas, um governo da esquerda e do centro.

Pedimos o impeachment para o presidente Ieltsin, devido à destruição do país e aos crimes cometidos contra o povo russo. A luta dos brasileiros contra Collor nos inspirou

Para poder realizar esta variante nós pedimos o impeachment para o presidente Ieltsin, devido à destruição do país, aos crimes cometidos contra o próprio povo, à corrupção sem precedentes e ao banditismo. Para nós foi muito interessante a experiência que houve no Brasil com o impeachment do presidente Collor, que permitiu a alta corrupção e foi deposto. O documento que apresentamos contra Ieltsin para iniciar o processo de impeachment foi assinado praticamente pela metade dos deputados do Parlamento. Esperamos que as massas populares e o povo apóiem essa luta e esse objetivo. Recentemente, junto com os sindicatos, realizamos o ato de protesto em todo o território russo, do qual participaram mais que 15 milhões de pessoas. Acho que teremos pela frente nos primeiros meses do outono – de setembro a outubro – grandes mobilizações que poderão ser decisivas para o nosso país. Contamos com amplo apoio internacional dos nossos amigos em todos os continentes que defendem os ideais do poder do povo e do socialismo. Esperamos conseguir restabelecer todas as garantias sociais dos que trabalham, a educação gratuita, a sustentação dos idosos e das crianças, o respeito pelo homem trabalhador. A solidariedade dos trabalhadores e a solidariedade dos partidos da esquerda é a arma mais importante que foi inventada no planeta.

Nossa primeira medida ao chegar ao poder será baixar os impostos que pararam toda a produção na Rússia. A segunda medida, restringir o poder presidencial, que atualmente é maior do que o do czar na Rússia antiga. A terceira, será colocar o poder executivo sob controle dos representantes votados pelo povo. A quarta, será tomar as medidas extraordinárias para lutar contra a corrupção, contra o crime organizado que se instalou no país. Outra medida será devolver aos estudantes o direito à educação gratuita e completa até o nível superior. Faremos todo o possível para restaurar a União desmoronada, antes de tudo, entre a Rússia, a Bielorússia e a Ucrânia e vamos aproveitar a experiência que passamos.

O PCUS não conseguiu criar um sistema eficiente de preparo de sucessores e de transmissão de poderes para gerações futuras na escala superior do Poder. Como resultado tivemos o abuso do poder a partir de Kruschev e depois Gorbachev e Ieltsin, em que a estrutura do Partido foi quebrada.
No que se refere ao atual governo da Rússia, durante os sete anos de poder de Ieltsin o gabinete de ministros foi trocado cinco vezes. Eles fazem a política do FMI e transformaram o país em uma filial deste FMI. Os representantes do nosso Partido não votaram em Kiriyenko – o novo chefe do governo. O objetivo de Kiriyenko é destruir o sistema de garantias sociais, destruir e vender a preço de banana o sistema de educação, quebrar o monopólio público do setor elétrico e de transportes. Tenho certeza que este governo é provisório e no outono – de setembro a novembro – entrará na sua maior crise. Já o primeiro mês de existência do seu mandato começou com os protestos em massa dos professores, médicos e mineiros.

Ieltsin trabalha duas ou três horas por dia, de duas a três vezes por semana. Ele teve três infartos e praticamente é um inválido. O tempo dele passou, ele está completamente esgotado. Hoje na Rússia, nove em cada dez pessoas estão insatisfeitas com Ieltsin. Ele não cumpriu nenhuma das suas promessas pré-eleitorais e é considerado o principal culpado pela violação das Leis do país. Desencadeou a guerra na Tchetchênia onde pereceram 100 mil pessoas.

Sobre o papel do nosso povo durante a segunda guerra sabe-se que conquistamos uma grande vitória, libertando dos invasores fascistas não somente o povo soviético, mas também toda a Europa. Agradecemos ao Brasil que foi o único país da América Latina que enviou um corpo militar para lutar contra os agressores nazi-fascistas na Europa. Quando os americanos tentavam chantagear o mundo com a arma atômica, nosso país conseguiu desenvolver a sua e foi estabelecido o equilíbrio no planeta.

A queda do socialismo na Rússia está ligada a causas internas e externas. O motivo externo foi a política agressiva dos Estados Unidos e seus aliados contra a pátria socialista os quais tinham por objetivo o nosso desmoronamento. Foram usadas armas de informação e financeiras. Atualmente o processo começou a se reverter: a Rússia e a Bielorússia pretendem criar a União e acredito que este processo de reunificação contará com o apoio de todas as ex-repúblicas soviéticas. Os sindicatos das indústrias e o povo nos apóiam ativamente. Muitos sindicatos fazem parte da União Patriótica.

Dentro da nossa União foi criado o movimento feminino pela justiça e pelo socialismo. Temos a única fração no Parlamento (Duma) onde há 20 mulheres deputadas. Apoiamos muito o movimento feminino e a colocação das mulheres nos postos de direção. As mulheres sabem realizar uma política mais prática, mais sensata. Criamos uma rede enorme de organizações juvenis, de escoteiros e organizações culturais. Os jovens participam ativamente do nosso trabalho e participaram do Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes em Cuba. Os russos mais que nunca sofrem com essa política. Durante mil anos da nossa História os russos já foram conquistados uma vez, mas jamais foram um povo dividido em partes. Hoje 25 milhões de russos se encontram fora das fronteiras do seu país por causa da política de desmoronamento realizada por Ieltsin. Minha esposa é ucraniana e a metade dos meus parentes mora lá. Agora estamos proibidos de nos comunicar com nossos parentes. Os russos sempre foram adeptos dos ideais da justiça e do socialismo. Isto faz parte do nosso caráter e da nossa História.

Do país foram levados de US$ 300 bilhões a US$ 500 bilhões. Sou a favor da aprovação de lei que permita, em condições favoráveis, trazer de volta estes recursos. Para realizar isso tem que haver uma política muito inteligente. Yeltsin não é capaz de uma política desse tipo.

Nós tínhamos o orgulho do nosso sistema de ensino. Na minha família, no mínimo, dez pessoas foram professores universitários e escolares. Nossos estudantes, nossos alunos que chegavam aos outros países, mostravam resultados maravilhosos. Por enquanto este sistema ainda está conservado, mas sofre um potente ataque. As últimas greves dos professores e estudantes foram um sinal de protesto contra a destruição do sistema da educação. Para o outono está marcada a nova manifestação geral dos professores e estudantes em todo o território da Federação Russa contra a política de destruição de Ieltsin. O socialismo simplesmente é inimaginável sem a ótima formação e sem o alto nível cultural. Por isso Ieltsin e sua equipe, antes de mais nada, tentam acabar com a instrução e a estrutura da cultura. Durante mil anos de existência, os professores e instrutores russos nunca se encontraram na situação de não receber seus salários.

O exército sofre o ataque contra o sistema de defesa de mísseis nucleares que foi construído durante 30 anos. Os emissários americanos, toda semana, visitam o país, tentando convencer o governo a ratificar o tratado sobre o aniquilamento do potencial nuclear. Se a Federação Russa fizer isso eles irão nos tratar como Iugoslávia, Somália, Iraque e outros. Nós somos pessoas pacíficas e quase não atacamos ninguém. Entretanto a Rússia é uma ponte entre a Ásia e a Europa, sua fronteira estende-se por cerca de cinquenta mil quilômetros. Durante mil anos da sua História, a Rússia foi obrigada a passar quinhentos anos em guerras defendendo as suas fronteiras. Os nossos vizinhos tentavam nos vencer: os alemães, polacos, suecos, turcos, japoneses, americanos. E nós defendemos a nossa independência.

Estou muito contente com o Brasil que, já há cem anos, não entra em guerra com ninguém e mostra um raro espírito pacífico. Nosso povo é também pacífico, mas em nosso país cada família perdeu alguém na última guerra. Do povoado da minha terra natal cem homens foram para guerra e somente uns dez voltaram para casa. Eu prestei serviço militar durante vários anos, usava o uniforme de oficial no Exército de combate contra arma nuclear, química e bacteriológica. Sei como elas explodem e já experimentei todos os sistemas modernos. Deus me livre que qualquer dessas armas sejam usadas contra a Humanidade. Por isso somos a favor da paz e esperamos, com o Brasil, juntar nossos esforços pela paz, pela democracia e pelo socialismo".

* Líder do PC russo.
O presente texto reproduz trechos da palestra de Gennadi Ziuganov realizada em São Paulo (maio de 1998). Tradução de Alia G. Dib.

EDIÇÃO 50, AGO/SET/OUT, 1998, PÁGINAS 37, 38, 39, 40, 41