Dobrando a esquina, Doninha esbarrou com a vida. Chamam-na assim de Doninha porque, registrada Ana Maria, quando menina, era Aninha. Cresceu, encorpou, casou com Joaquim Francisco, rábula recém-formado e filho de fazendeiro. Virou Dona Ana e, na seqüência, Donana. Morreu o sogro, morreu o marido, definhou-se a riqueza, fez-se Doninha.

      Hoje, mirrada de fortuna e carnes, habita uma casinha sobrante dos tempos glórios – ela, mais um gato, dois cães e a menina Mila – Emília, de batismo. Sobrenome, ninguém sabe. Vive de bordados e da horta – e dos fiados perdoados por seu Dinho, seu enamorado nos tempos de solteira. Nunca lhe deu confiança, que não ia se arranchar com homem que nem de seu tem as frieiras dos pés. Agora, ele é dono de bodega e ela, de seu, só as lembranças.

      Pois neste dia que se narra, Doninha quebrou à esquerda e esbarrou com aquele boi enorme de vermelho, parado no meio da viela estreita, empatando o tempo. Depois do susto, fez menção de voltar por onde veio, mas o olho, o porte, a cor, o não sei que diga do bicho estatuou-a ali, com a tarde por cima de tudo.

      O boi avançou, manso. Chegou a baba e a narina de junto do vestido florido. Na altura do seio de Doninha, expeliu ar quente pelas ventas. 

      Doninha ardeu. Uma seiva derreteu-lhe por dentro e revigorou seus talos extremes. Um líquido quente escorreu-lhe dos olhos e, por um instante, ela não cabia mais nas roupas. Num acesso, rasgou-as e foi postar-se sob o animal, pernas abertas. O bicho, como que encantado, evolou-se em poalha rubra, transmudou-se em rodamunho bem sobre o umbigo da mulher e, num espoco, desfez em chuva de sangue sobre o corpo dela.

      Muitos suspiros depois, Doninha ergueu-se. Assim nua e vermelha, foi-se pela viela deserta. Ao cabo, ficava sua casa. Entrou, banhou-se, vestiu seu melhor conjunto de domingo, perfurmou-se e dirigiu-se à bodega de Dinho, anunciar que estava grávida.

      De um boi? De um deus? De quê?