Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que amanha, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendo para todos, no toldo
(a manhã), que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, ele eleva por si: luz do balão.

 

Obra Completa João Cabral de Melo Neto
Edição Organizada por Marly de Oliveira com assistência do autor
Editora Nova Aguilar – primeira edição, 1994
Digitação Camila Ferreira.