Desse modo, eles nos fazem sentir que somos parte de um todo maior, de um mundo global e, ao mesmo, tempo, de um mundo local, com costumes, contradições e uma cultura própria. Esses dois aspectos da realidade – o local e o global – povoam então o cotidiano de todos os cidadãos, onde quer que estejam, e criam sem dúvida uma tensão com a qual temos de nos defrontar diariamente: a de nos sentirmos cidadãos do mundo e, ao mesmo tempo, integrantes de pequenas comunidades, com todas as suas especificidades. Vale ressaltar que essa é uma sensação nova, desconhecida há poucas décadas atrás.


 


Naturalmente, como a globalização econômica acentuou os desequilíbrios mundiais e regionais, ela acabou se convertendo num processo que beneficia a poucos e marginaliza a muitos cada vez mais. Nessa lógica, a midia de massa se tornou propriedade de grandes grupos econômicos e isso determina a seleção do que é mostrado por eles e de quem se beneficia com essa seleção. Sabemos muito bem, como já afirmaram vários sociólogos, que nenhuma instituição pode transmitir pensamentos ideológicos de um modo tão sedutor como os meios de comunicação de massa que utilizam a imagem, de modo constante e permanente, podendo assim homogeneizar pensamentos, opiniões, gostos, modas, valores etc.


 


Nesse início do terceiro milênio, o poder da informação e da indústria cultural na sociedade contemporânea é uma arma tão ou mais poderosa, no processo de dominação em escala global, que as tradicionais armas de guerra. Basta ver como agem os americanos no Iraque: apesar do assassinato de mais de 130 mil iraquianos, temos acesso somente às imagens mais light desse genocídio, já que prevalece a hegemonia americana na distribuição mundial das informações.


 


Por outro lado, os meios de comunicação podem ser um importante instrumento para a construção de um mundo mais justo e humano, uma ferramenta eficaz no processo educacional e cultural, democratizando o acesso às informações e contribuindo de maneira ampla para aproximar indivíduos de todas as nacionalidades e origens aprofundando o processo de comunicação entre diferentes povos e culturas. A revolução tecnológica a que assistimos impulsiona também a criação de novos paradigmas, afinal ela não só nos permite fazer as mesmas coisas de uma maneira mais ágil, como também nos permite fazer coisas até há pouco consideradas inimagináveis. Mas é preciso não esquecer que a cultura sempre é algo mais que uma mera atividade econômica, uma vez que projeta e difunde percepções do mundo, valores e cria a sensação de pertencimento a um grupo, a uma comunidade, a uma cidade, a um Estado, a um país.


 


O pensador italiano Antonio Gramsci, certa vez, ao abordar a difusão da produção cultural numa comunidade, falou de um tripé extremamente importante para a circulação e a democratização do conhecimento e dos valores culturais. Num ponto colocou os intelectuais, os artistas e criadores de valores culturais; noutro, os educadores, responsáveis pela disseminação desses valores e pela elevação cultural da população, e por fim a mídia, fundamental para a difusão ampla das informações tornando-as acessíveis a todos. Em função do interesse econômico, da centralização das riquezas e do poder concentrado em poucas mãos, sabemos que as coisas não ocorrem exatamente desse modo na realidade brasileira, marcada pela desigualdade hedionda e pela larga exclusão social.


 


No entanto, as mídias deveriam exercer um papel fundamental não só na democratização do saber, mas sobretudo na construção da identidade, promovendo o acesso aos bens culturais e à valorização das manifestações culturais locais.


 


Quando tentamos situar nesse contexto o artista brasileiro e a mídia, é preciso perguntar que artista, que arte, e que mídia? Referimo-nos à arte massificada, que aliás já possui o seu espaço nos grandes veículos de comunicação? Ou àqueles que produzem uma arte de qualidade e que contribui para a evolução cultural de sua comunidade. Quanto aos meios, devemos considerar somente à televisão e ao jornal? Ou também ao rádio, à internet e às mídias alternativas, tais como as rádios comunitárias e às redes virtuais que gradativamente vão se formando em nosso país e em todo o mundo?


 


No tocante à chamada grande imprensa, na maioria dos Estados brasileiros, as diferenças não são expressivas: os meios de comunicação estão nas mãos de poucos grupos econômicos e retransmitem um padrão estabelecido por suas respectivas matrizes no Rio de Janeiro e/ou em São Paulo. O pouco espaço que sobra, de acordo com esse padrão, é dedicado aos acontecimentos locais, que normalmente se resumem a alguns poucos fatos ocorridos na capital do Estado, ou a alguma catástrofe interessante no interior. Pelo próprio tempo concedido à nossa realidade, vê-se então que ela é de pouca importância, afinal nessa lógica perversa, é mais importante conhecer o produto mais consumido em Miami do que algum fato relevante da própria cidade. A mesma estrutura compartimentada caracteriza os jornais e as rádios. Na divisão dos assuntos, a cultura vem em geral no final, nos segundos cadernos, ou cadernos B, que além das agendas de praxe constam quase que somente de colunas sociais – alguma explícitas outras dissimuladas – e de matérias de comportamento – e esse conceito tão vasto pode abarcar os mais diversos assuntos, mas sempre mantém em primeiro plano o elemento pitoresco e/ou exótico que, segundo dizem, atrai o público.


 


Nas TVs a programação local prioriza – tal como nos jornais – o colunismo social explícito ou dissimulado e, além da divulgação natural de eventos comuns na cena cultural de uma cidade, sobra pouco espaço para a elaboração de um imaginário cultural mais amplo e canalizador de uma identidade comunitária.


 


Como curiosidade, seria bom lembrar aqui que, segundo as últimas estatísticas, 88% dos brasileiros ouvem rádio e vêem TV todos os dias, mas 68% não lêem revista, 62% não lêem jornal e 79% não lêem livros além dos obrigatórios na escola.


 


Falta, é claro, um espaço para o exercício da crítica e do discernimento no seu sentido pleno, e por conseguinte da discussão de valores estéticos que ultrapassem a mera banalização do fazer artístico. E por quê? De um lado – pode-se afirmar – a grande imprensa carece de profissionais devidamente capacitados para exercerem essa função; de outro, talvez não seja do interesse da própria mídia – tal como ela está organizada hoje – fomentar a consciência crítica e difundir critérios estéticos que venham, quem sabe, a colocar em xeque os valores que ela própria propaga. As TVs educativas, por sua vez, não preenchem totalmente esse espaço, pois passam por um processo de redefinição e acabam esbarrando na falta de recursos, de um apoio efetivo e de uma visão mais ousada dos governos aos quais estão subordinadas, mas de qualquer modo cumprem um papel importante na divulgação do produto cultural, na ainda pequena programação local.


 


Como então buscar uma aproximação entre a grande imprensa e o artista? De um lado, artistas, produtores e gestores culturais não podem continuar voltados unicamente para si mesmos, pensando apenas em suas dificuldades individuais, e sim a passar a ver a cultura como um processo maior, considerando o seu potencial de transversalidade e de relações com outras áreas da vida social. De outro, criar caminhos de trabalho conjunto com os profissionais da mídia, vendo neles parceiros imprescindíveis para a construção de uma identidade cultural brasileira plena e em constante processo de transformação.


 


Nota


 


Artigo originalmente publicado no site:
http://www.culturaemercado.com.br/setor.php?setor=3&trid=53