Goiânia é um susto. Assustou os descampados da Campininha, quando Pedro Ludovico chegou e, em nome do Estado Novo, ordenou: Faça-se a cidade! Susto maior Goiânia deu no velho Goiás. Mudou rumos, ensinou caminhos, mudou rosto e fala. Puro susto, Goiânia escapou das mãos de Pedro, de Atílio Correia Lima, de Venerando de Freitas. Seguiu assombrando sertões e estirando o olhar de moça faceira para o resto do país. Insatisfeita, namorou o mundo. Exibiu vezos de Capitu para japoneses, italianos, gregos e troianos. Cativou a todos. E foi se enchendo a cidade, sempre de espantos, sustos e novidades. Desembestou no planalto. Perdeu os freios, sacudiu o cabresto. Espalhou-se numa largueza a perder de vista. Com sua prosápia de moça fácil, Goiânia enche os olhos dos incautos. É apenas misteriosa. Quando a agridem, desrespeitando seus predicados de donzela fidalga, apenas esquece. Ou deixa o nominho do ofensor tão miúdo, chulo, amorfo que esvaece sem deixar rastro. Já foi linda jóia arte decô. Infância de cidade-jardim. Pensou que podia ir crescendo, aumentando seu bem-querer, para além do desenho original. A cruz Anhanguera-Goiás tomando rumos de horizontes. Caberia todo mundo atapetando de casas e edifícios as planuras e colinas. Mas chegaram bárbaros. Chegaram gentios. Chegaram vândalos. Para esses não sobra lugar para espetar uma placa, levantar um espigão, semear um artefato de mau gosto. Nos últimos dias, apareceu um edil. A palavra servia para nomear um magistrado no império romano. Cuidava de inspecionar e conservar as coisas. Daí vem o nosso vereador. Criação dos portugueses, que tem mais ou menos as mesmas funções. Este daqui quer cassar a estátua do Bandeirante, que há muito está de pé na praça de igual nome. Bem ali, no centro da cidade. Não há goianiense ou chegante um pouco atento que não tenha este ponto como referência. Ali os estudantes se reuniam, quando ainda eram capazes de indignação e sonho. Ali se faziam os comícios da democracia aprendiz. Sempre foi reprovada, mas sempre pôde voltar a soletrar. Espetáculos de música, comemorações, festas. Por isso, a praça com sua estátua estão gravadas na lembrança, na paisagem afetiva do goianiense. Se nossos mortos têm memória, nossos pais, mães, avós levaram para o outro mundo o postal de Goiânia deste jeito. Com a praça do Bandeirante e o garboso paulista, de bacamarte, olhando para o oeste. A saga bandeirante foi cruel e árdua, como foi a conquista e saque da América Latina. Esses aventureiros carregavam um pensamento, uma crença que sustentava sua ambição. Sem eles talvez não estivéssemos aqui. Nem mesmo o ilustre vereador. Ao que se sabe, não é Xavante Carajá ou Craô. Podemos passar muita coisa a limpo. A começar pela explicação à sociedade sobre o que alguns políticos eleitos, inclusive vereadores, estão fazendo de seu mandato em favor do povo que os elegeu. Ora, deixem o Bandeirante, a cidade em paz!