Deus entrava em choças, em romarias, em ruas e praças. Deus nunca deu bola para carro de luxo, avião ou navio. Movia-se primitivamente no cosmo sem se preocupar com possíveis confortos e necessidades. O supremo provedor, o criador de seres e de nadas nunca sentiria falta de coisas tão efêmeras. Deus ia bem em seu ser mundo. Contemplava uma galáxia, um buraco negro, morte e nascimentos de nebulosas e estrelas. De longe em longe deixava cair um olhar para terra, onde deixara tudo certinho. Mares separados, rios correndo, as estações, os climas e toda sorte de plantas e bichos. Na verdade, nunca custou nada a Deus cuidar deste planetinha. Por isso, pelos séculos, milênios e eternidades nunca pensou em colher qualquer coisa em retribuição por sua obra. Pura doação. Vento, chuva, colheitas, flores, peixes. Tudo na celestial gratuidade. Porém, há sempre alguém pondo reparo em sua criação. Se for um bom artista, pensador, marceneiro, cirurgião plástico, tudo bem. Aceita a ajuda e não se sente ofendido, aliás, já tinha considerado estas possibilidades quando se inventou mundo. Alguns querem emendar a divina obra, a seu jeito, sem consideração ao projeto original. Disparam a engendrar sistemas políticos, religiões crenças. Tais invenções acabam sempre em guerras, já que ninguém quer dar o braço a torcer, por se julgar o dono da verdade, intérprete autorizado de Deus. Utilizam um dialeto manquitola que ninguém entende. Vão atribuindo a Deus isso e aquilo, que precisa ser explicado porque o populacho não entende a palavra de Deus. Tudo bem, se a plebe ouvisse graciosamente. Mas, nada disso. Tudo tem preço. Deus cobra por seus serviços, dizem seus intérpretes. Se achar insuficiente as graças diárias do universo e quiser uma proteçãozinha extra, tem que pagar. O carro novo, a mansão, o iate, o jatinho, sucesso na política e nos negócios, tem que pagar. E não é pouco, para o sujeito não achar que a bondade divina não tem valor. A graça vai depender da oferta, da proposta que se fizer a Deus. Não pode ser de pouca monta, porque Deus não é negociante de varejo. Quem quiser se aproximar de seu trono, de sua benemerência tem que entrar com o dízimo, que não é muito considerado, por ser obrigatório. Tem que aportar ao tesouro sagrado ofertas polpudas. Afinal, Deus não vai dar uma casa, um apartamento, um iate em troca de prece, genuflexão ou peregrinação. Tem que ser coisa concreta, valiosa, que possa despertar o interesse divino. Pode ser a casa, o carro ou um cheque polpudo. Assim, o indivíduo passa a ser credor de Deus, com direito à cobrança e execução. Já não serve essa forma de arrastar a rodo a dinheirama. Não querem mais passar as bandejas, envelopes, sacos nos estádios cheios, que isso é coisa de pequena valia e não condiz com a modernidade do tempo. Deus precisa se aliar à rede bancária. Emitir cartões de crédito para que se torne mais fácil sua arrecadação. Deus precisa se modernizar.