Não chore por Wall Street

Bem, eu gostaria que ele não tivesse dito isso – e não apenas porque Obama realmente precise, por uma questão política, assumir uma postura populista, colocar alguma distância pública entre ele e os banqueiros. O fato é que Obama deveria estar tentando fazer o que é certo para o país – ponto final. Se fazer isso fere os banqueiros, não importa.
Mais do que isso, a reforma realmente deveria ferir os banqueiros. Um crescente número de análises sugere que uma indústria financeira excessivamente grande está prejudicando a economia. Reduzir o tamanho dessa indústria excessivamente grande não faria Wall Street feliz, mas o que é ruim para Wall Street seria bom para os Estados Unidos.
Agora, a reforma que está em discussão – a qual eu apoio – pode acabar sendo tão boa para a indústria financeira como para o resto da sociedade. Mas isso é porque trata apenas de uma parte do problema. A reforma tornaria a atividade financeira mais segura, mas pode não torná-la menor.
Qual o problema com a atividade financeira? Começa pelo fato de que a indústria financeira moderna gera enormes lucros e salários, ainda que proporcione poucos benefícios tangíveis.
Lembra-se do filme “Wall Street”, de 1987, em que Gordon Gekko diz: “ganância é bom”? Pelos padrões atuais, Gekko seria um cauteloso. Nos anos que prepararam o caminho para a crise de 2008, a indústria financeira respondia por um terço dos lucros domésticos totais – quase duas vezes a sua participação de duas décadas antes.
Esses lucros se justificavam, segundo nos disseram, porque o setor estava fazendo grandes coisas pela economia. Estava canalizando o capital para usos produtivos; estava pulverizando o risco; estava reforçando a estabilidade financeira. Nada disso era verdade. O capital foi direcionado não para empresas inovadoras geradoras de emprego, mas para uma bolha imobiliária insustentável; o risco foi concentrado, não distribuído; e, quando a bolha imobiliária estourou, o supostamente estável sistema financeiro implodiu, com a pior recessão global desde a Grande Depressão como um efeito colateral.
Então, como os banqueiros acumularam dinheiro? Minha opinião, refletindo os esforços dos economistas financeiros para entender a catástrofe, é que foi principalmente especulando com o dinheiro dos outros. A indústria financeira assumiu grandes e arriscadas apostas com recursos emprestados – apostas que pagaram altos retornos até que se deterioraram -, mas foi capaz de tomar dinheiro barato porque os investidores não entendiam o quão frágil era o setor.
E quanto aos alardeados benefícios da inovação financeira? Estou com os economistas Andrei Shleifer e Robert Vishny, que argumentam, em um artigo recente, que muito dessa inovação consistiu em criar a ilusão de segurança, oferecendo aos investidores “falsos substitutos” para os velhos ativos convencionais, como os depósitos bancários. A ilusão finalmente fracassou – e o resultado foi uma desastrosa crise financeira.
A própósito, em seu discurso de quinta-feira, Obama insistiu – duas vezes – que a reforma financeira não sufocará a inovação. Péssimo. E esta é a questão: depois de levar um grande golpe imediatamente após a explosão da crise, os lucros da indústria financeira estão decolando novamente. Parece muito provável que o setor logo voltará a jogar os mesmos jogos que nos colocaram nessa confusão em primeiro lugar.
Então, o que deve ser feito? Como eu disse, apoio as propostas de reforma da administração Obama e de seus aliados no Congresso. Entre outras coisas, seria uma vergonha ver a campanha antirreforma promovida pelos líderes republicanos – uma campanha marcada por estarrecedora desonestidade e hipocrisia – ter sucesso.
Mas essas reformas devem ser apenas o primeiro passo. Precisamos também reduzir o poder do setor financeiro.
E não são apenas os críticos externos que estão dizendo isso (não que exista algo errado com os observadores externos, que estiveram muito mais certos do que os supostamente bem-informados executivos com informações privilegiadas; ver Greenspan, Alan). Uma proposta curiosa está prestes a ser anunciada pelo – quem diria – Fundo Monetário Internacional.
Em um artigo preparado para uma reunião nesta semana que acabou vazando para a imprensa, o fundo propõe um Imposto sobre Atividades Financeiras – sim, um IAF – que incidiria sobre os lucros e remunerações das instituições financeiras.
Tal imposto, argumenta o fundo, poderia “mitigar a excessiva tomada de risco”. Também “tenderia a reduzir o tamanho do setor financeiro”, o que o fundo apresenta como uma coisa positiva.
A proposta do FMI é, na verdade, bem conservadora. Entretanto, se chegar a se concretizar, Wall Street vai esbravejar.
Mas a verdade é que devotamos uma enorme parcela de nossa riqueza e muito do talento do país ao negócio de tramar e vender esquemas financeiros complexos – esquemas que tendem a arruinar a economia. Acabar com esse estado de coisas vai ferir a indústria financeira. E daí?
________________________________________________________________
Fonte: The New York Times, na Terra Magazine