Visita

      Bateram na porta. Quem será? – perguntou para si mesma a Marieta, enquanto enxugava a mão em um pano de prato e, sem tirar o pensamento no almoço que estava fazendo, caminhava até a porta. Bateram de novo. “Já ouvi. Estou abrindo.”Abriu. Era o Lúcio. O Lúcio? Sim, o Lúcio, sorrindo. Ela parou de enxugar as mãos. Parou de respirar. Parou de pensar. Só olhava para a cara do cara e, numa atitude tipicamente vegetal, fotossintetizava aquela informação. Talvez o leitor deva estar se perguntando quem é o tal. Um assassino? Um ex-namorado? O irmão distante? Cabe a mim, narrador, citar, apenas, que, todos os sentimentos facilmente relatáveis para situações similares, todo o rol de sentimentos de rápido acesso, ficam exclusos de tal cena, uma vez que, na segunda (era sexta) ela havia estado no enterro do Lúcio.

      Mas será o Lúcio? Claro. Nós nos esquecemos da fisionomia de nossos mortos com o tempo, é normal, mesmo dos mais amados, mas, em três ou quatro dias, era impossível se esquecer. Era sim o Lúcio e ele estava sorrindo bem na frente da Marieta que, nessa hora, já conseguia, aos poucos, expressar alguma reação provando não estar morta, ao contrário dele: morto e enterrado. Enquanto ele não dizia nada, ela já conseguia criar algumas situações mentais, teses e tentativas de explicar aquilo, antes de correr e gritar. Tentou procurar marcas de barro nas roupas dele pois, se saiu da cova, deveria estar sujo.

      Estava limpo. Nem estava com a roupa do velório. Respirou. Talvez, tenha tomado um banho. Relutou para não apelar ao mundo das fantasias. Não poderia ser um fantasma. Fantasmas não existem. Mas e o Lúcio? Ele estava morto, morto e enterrado. Ela viu. Foi ao enterro. Colocou a mão sobre a testa dele e acariciou, como fazemos nos velórios, conversou com as pessoas presentes, seguiu o cortejo, chorou no enterro. Não havia nenhuma possibilidade dele estar vivo. Seu cérebro já não conseguia mais criar teses. Esgotou-se. Ele ainda estava com o mesmo sorriso. Talvez todo esse relato não corresponda a mais de três ou quatro segundos de cena. Respirou bem fundo. Oi, Lúcio. Oi, Marieta. Ele fala! Pico de desespero. Vale de calma. Pico de desespero. Vale de calma. As ondas humanas em oscilação.

      Respirou novamente. Entra, Lúcio. Faço um almoço para você. Com licença, Marieta. Ele senta-se na poltrona verde, antiga, na sala. Ela vai até a cozinha, abaixa o fogo, confere o molho, volta, acomoda-se em frente. Lúcio, fique calmo, pode começar a contar. E adverte: mas conte tudo. 

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 Luiz Henrique Dias é escritor, membro do Núcleo de Dramaturgia do Sesi, estudante de Arquitetura e Urbanismo e comunista (convicto). Escreve todas as terças neste espaço e diariamente em seu blog acasadohomem.blogspot.com . [email protected] . @luizhdias .