Aos 47 anos, o carioca Tiago Santiago tem em mãos um trunfo capaz de romper de vez com uma teledramaturgia viciada em remakes e tramas inspiradas no velho clichê do “quem matou quem”. Momento histórico oportuno para isso não falta ao jovem dramaturgo. Afinal, quando uma ex-guerrilheira assume a Presidência do Brasil, ele anuncia que vai levar à telinha, via SBT/Alterosa, Amor e revolução, a primeira novela brasileira a abordar, sem medo, o golpe militar de 1964.

A trama também será a primeira da emissora de Sílvio Santos a ser exibida enquanto estiver sendo escrita, além de inaugurar o apropriado horário das 22h30 para discussão de tema tão profundo e polêmico. Definida pelo próprio autor como um “Romeu e Julieta à brasileira”, a novela vai narrar a história de um grande amor entre Maria Paixão (Graziella Schmitt) e José Guerra (Claudio Lins). Anteriormente, o próprio Tiago havia escrito o remake de Uma rosa com amor para o SBT.

Filha de pai comunista, a protagonista da nova trama de Tiago irá se envolver com um militar, filho de general linha-dura, porém democrata por convicção, que deserta do Exército para se juntar à luta armada contra a ditadura, depois da edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968. A partir deste momento, o casal guerrilheiro passa a ser perseguido pela repressão, trazendo à tona momentos dramáticos da histórica contemporânea brasileira, que deverão ser revistos caso seja aprovada a proposta da ministra Maria do Rosário, da Secretaria dos Direitos Humanos, que pretende criar, via Congresso Nacional, a Comissão Nacional da Verdade.

A estreia de Amor e revolução está prevista para depois do carnaval, entre o fim de março e o início de abril. “A minha expectativa é de que seja a melhor novela da minha vida”, afirma um empolgado Tiago Santiago, que, para tanto, além de elenco estelar, irá conta com a direção do ex-global Reynaldo Boury, com quem trabalhou durante sua passagem pela emissora carioca. Apesar de se passar no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, com direito a cenas na ilha de Cuba, a nova novela do SBT, que já começou a ser gravada nos estúdios do Complexo Anhanguera, em Osasco, na Grande São Paulo, deverá ser totalmente filmada no Brasil.

Como escreveu em seu blog (veiculado no site www.tiagosantiago.com.br), não se trata de economia imposta pelo SBT, mas porque não há necessidade de levar uma equipe para Cuba simplesmente para simular um treinamento de guerrilha na mata. “Podemos fazer aqui mesmo”, afirma Tiago Santiago. A possibilidade de a novela, cuja trama se passará entre os anos 1960-1970, ganhar uma segunda temporada, não é afastada pelo autor, que já experimentou algo do gênero em Caminhos do coração/Os Mutantes, da Record.

Antes de iniciar as gravações, por sugestão do produtor Sergio Madureira, o SBT promoveu um workshop sobre a ditadura militar para o elenco, com a participação de personalidades diretamente envolvidas com os fatos. Em 1997, ainda na Globo, Tiago Santiago teria proposto uma trama do gênero à emissora carioca que, entretanto, não se interessou. Em entrevista por telefone, direto de São Paulo, Tiago falou sobre a novela, elenco e outros temas, manifestando interesse, inclusive, em ter um depoimento da presidente Dilma Rousseff em Amor e revolução. Confira, a seguir, os principais trechos.

INTERESSE PELO TEMA

“Na verdade, todo brasileiro foi, de alguma forma, atingido por esta história. Na minha família propriamente dita não houve ninguém que fosse para a luta armada. Vim de uma família de classe média, que repudiava a ditadura, e consumia muita literatura. Acabei me formando em ciências sociais, fazendo mestrado em sociologia, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Meu irmão Gerardo já era muito revolucionário e por causa dele acabei participando de reuniões da Libelu (Liberdade e Luta), em 1977, quando tinha 14 anos, e da Convergência Socialista. Me impressionei muito porque era uma mobilização semelhante a antigos movimentos que pretendiam implantar o socialismo no Brasil. Enfim, como todo brasileiro que nasceu em 1963, cheguei a pegar toda a minha infância sob o governo dos generais. E eu sei que este é um período da história muito rico em conflito, que é a mola mestra da dramaturgia.”

Claudio Lins interpreta José Guerra, filho de militar que se apaixona por Maria Paixão, filha de um comunista, vivida pela atriz Graziella Schmitt

PERSONAGENS E FATOS REAIS

“Os personagens da novela serão ficcionais, porém fatos e personagens reais da história do Brasil serão citados sempre. Já no primeiro capítulo, haverá o golpe militar. Maria Paixão e José Guerra se conhecem durante o incêndio da UNE (União Nacional dos Estudantes), em 1º de abril de 1964. A fuga do Jango (João Goulart), a autodenominação de Costa e Silva como comandante supremo da revolução, a posse do general Castello Branco, todos os atos institucionais, a decretação da extinção da UNE, a posse do general Costa e Silva e depois do Médici, a morte do estudante Edson Luís e os principais eventos do movimento estudantil, as passeatas, a guerrilha, muitos fatos reais serão citados, já que vamos acompanhar a trajetória de vários brasileiros, de 1964 ao começo da década de 1970. Vamos ter depoimentos de um a dois minutos, ao final de cada capítulo, com passagens emocionantes vividas por personagens reais do período.”

RECUSA DA GLOBO

“Cheguei realmente a propor uma novela semelhante a Amor e revolução, em 1997, à TV Globo, por incentivo do falecido e saudoso Herval Rossano, que foi quem acreditou no meu talento, depois de me conhecer no Você decide. Ele já queria me dar a oportunidade de ser autor titular de novelas, mas naquela época eu era ainda muito jovem, tinha trabalhado apenas como colaborador em novelas como Vamp, de Antonio Calmon, e concorria sempre com gente muito mais experiente.”

COMISSÃO DA VERDADE

“É muito interessante pensar que a novela vai acontecer bem na época em que haverá a discussão no Congresso sobre a Comissão Nacional da Verdade. Esta sincronicidade ou coincidência não foi proposital, mas vejo aí uma conspiração do destino. Isso mostra a importância do tema. Para os familiares de mortos e desaparecidos, não ter o direito à verdade, ao corpo do parente, é uma tortura sem fim. Creio que a sociedade está preparada para isso. Muitos fatos já vieram a público nos últimos 40 anos. Os nomes de muitos torturadores, as circunstâncias em que se deram muitos crimes já vieram à tona.”

PARTICIPAÇÃO DO PÚBLICO

“Pela primeira vez, no SBT, vamos gravar e exibir a novela, enquanto ela é escrita, com pouca frente de capítulos, o que permite ajustes de acordo com a vontade do público, por exemplo, para encontrar a intensidade certa para falar de tortura, no horário. Aumentar o que cai no agrado popular e diminuir ou mudar o que for eventualmente rejeitado ou até contrariar expectativas, para gerar novas surpresas, como se faz na concorrência.”

ELENCO e PERSONAGENS

“O elenco é maravilhoso. Lucia Veríssimo e Licurgo Spínola vão ser um casal de líderes comunistas históricos, perseguidos desde o primeiro momento do golpe; Jayme Periard vai viver um delegado torturador; Claudio Cavalcanti volta às novelas, como um líder camponês, preso e torturado; Luciana Vendramini será uma advogada que luta pela libertação de presos políticos; Patricia de Sabrit também volta às novelas como a mulher de Nico Puig, um torturador que leva duas meninas, filhas de desaparecidos, para casa; Marcos Breda e Gabriela Alves farão participações especiais como os pais dessas meninas. Reynaldo Gonzaga vai ser o general linha-dura, casado com Glauce Graieb, irmã da Nívea Maria, que também volta às novelas, assim como Mário Cardoso, no papel de um jornalista comunista; Fátima Freire, professora, mãe da mocinha; Gisele Tigre, como a dona do jornal O Brasileiro; Joana Limaverde, como uma atriz; Cacá Rosset, como ator e dono de cantina; Carlos Thiré, como diretor de teatro; ao lado de muitos outros jovens lançamentos.”

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Fonte: blog Notícias da TV brasileira