Os grandes meios de comunicação têm desempenhado com competência o papel de desinformar. Para quem tem a necessidade de decidir, basear-se em informação errada, distorcida, viciada ou simplesmente falsa significa, freqüentemente, tomar decisões equivocadas ou deixar de tomar decisões certas.

A conseqüência, na vida real, é, para muitos, a perda de rumo, de oportunidades e eventualmente da própria perspectiva. Há algum tempo, a Folha de S. Paulo publicou uma sugestiva carta de um leitor. "Desculpe, mas acabou a minha capacidade de absorver só notícias negativas. A Folha há muito deixou de praticar um jornalismo investigativo e entrou firme no jornalismo denunciativo, que não leva a nada", disse ele.

O leitor estava comunicando a perda da paciência com um determinado tipo de jornalismo. Ele não é o único nem a Folha de S. Paulo a única publicação a colocar como prioridade de sua estratégia editorial a busca do pior em tudo. A má informação na mídia brasileira se manifesta de diversas maneiras, mas seu foco mais visível está na obsessão de apresentar um quadro de catástrofe terminal para o governo.

A mídia raramente consegue ver uma nuvem sem logo anunciar uma inundação. A overdose de denúncias, acusações e condenações sumárias resultantes disso acaba por provocar sérias distorções na qualidade de informação que o público recebe. Não que a realidade brasileira seja maravilhosa — e ninguém diz isso. Ela é apenas diferente da realidade traçada pela mídia.

Hoje, para a mídia, a realidade é só aquilo que aparece em seu noticiário — o que está lá existe; o que não está não existe. Isso é claramente percebido em certas entrevistas. Responder às perguntas de determinados jornalistas, hoje, vai se tornando um exercício cada vez mais parecido com uma partida de xadrez, onde é necessário antecipar os três ou quatro lances seguintes do adversário.

Soldado

A pergunta não é simplesmente uma pergunta: muitas vezes é uma armadilha destinada a extrair alguma declaração que será usada contra o entrevistado nas perguntas à frente. A pessoa que está sendo inquirida precisa, assim, calcular cuidadosamente tudo o que diz. Se disser A, será perguntada adiante a respeito de B ou C; se disser Y, abrirá espaço para que lhe perguntem sobre X ou Z, e assim por diante. Entrevistas supostamente jornalísticas se transformam em interrogatórios.

O fato é que muitos jornalistas, quando se dirigem a alguém, não querem realmente obter uma informação. Querem apenas obter alguma forma de confirmação ou justificativa para aquilo que já decidiram divulgar — por já terem decidido, seguindo a lógica da mídia, que sua visão pessoal das coisas equivale à realidade.

Declarações, fatos ou números que se contraponham a ela são ignorados; só é levado ao público o que combina com aquilo que esse tipo de jornalista quer dizer. As acusações, convenientemente, baseiam-se em fontes anônimas. E, quando a mídia tenta apresentar testemunhas capazes de provar alguma coisa, tudo o que aparece são obscuros personagens que não testemunham nada e dizem, no fundo, apenas ter ouvido falar da história — como faz esse soldado banda podre e astro da mídia, João Dias. Mas isso não é suficiente para coibir o frêmito acusatório.

Desafio

O controle da liberdade de imprensa no Brasil pelo poder econômico está alicerçado nos princípios do golpe de 1964 — promovido pelos grupos privados para assaltar o Estado e moldá-lo à sua imagem e semelhança. Os grupos que controlam com poderes ditatoriais a liberdade de expressão no Brasil pretendem controlar, ao mesmo tempo, as verbas publicitárias, o trabalho dos jornalistas, os meios audiovisuais de comunicação, a produção cultural, as informações prestadas por funcionários federais, os sigilos bancário e fiscal dos cidadãos e as ações do Ministério Público. A conclusão é inescapável: os grupos que controlam a mídia brasileira fogem da democracia como o Diabo da água benta.

Esse episódio fez ressaltar no panorama brasileiro uma séria distorção na democracia. Liberdade de expressão não é um direito hierarquicamente superior aos demais direitos e garantias individuais e coletivas. Na Constituição está no mesmo patamar o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. Todos igualmente invioláveis e indispensáveis.

É preciso haver um equilíbrio entre eles. A defesa da liberdade de expressão exige protegê-la contra abusos como estes. Na democracia, são tarefas conciliáveis. O desafio é enfrentar essa distorção. Esse debate pode ganhar densidade se começar a abordar com ênfase a importância de democratização da comunicação, com meios públicos e veículos de massa dos partidos progressistas e das entidades populares.

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Editor do Grabois.org.br