A Ombudsman da “Folha” e o “linchamento midiático”

Ela inicia o texto indagando se a saída de seis ministros do governo da presidenta Dilma Rousseff é “sinal de pujança da mídia ou de execração pública desenfreada”. “A verdade está no meio do caminho”, escreve. Segundo Suzana Singer, não há como negar “o bom trabalho de jornais e revistas — especialmente o da Folha e o da Veja — na revelação de falcatruas com o dinheiro público, de enriquecimento suspeito ou de vaidade extremada (caso de Nelson Jobim)”. Peremptória, a Ombudsman sentencia que “não há dúvida de que, no mínimo, uma série de irregularidades germinava no Ministério do Esporte, o que pode ser considerado motivo suficiente para trocar o titular”.
As derrapagens da introdução são corrigidas quando ela entra no mérito da questão. Suzana Singer relata que no dia 18, na esteira do UOL, a Folha e seus “concorrentes” publicaram “reportagens” sobre a compra de um terreno em Campinas pelo ex-ministro. “Ressaltou-se o montante pago à vista: R$ 370 mil, o que não é uma cifra astronômica para um funcionário público no topo da carreira e que afirma não ter outros imóveis”, diz ela. E comenta a descabida “suspeita” de que a Petrobras havia favorecido Orlando Silva, retirando da área dutos de gás que passam por ali. Para ela, nada havia, portanto, a denunciar — ou seja, nada que merecesse ser publicado.
Segundo Suzana Singer, a praga do “linchamento midiático” atacou de novo quatro dias depois, quando a manchete da Folha trazia mais uma acusação: “Esporte cobrou 10% de propina, afirma pastor”. O denunciante, lembra a Ombudisman, filiado ao PP, dizia que funcionários do Ministério do Esporte o procuraram para pedir propina depois que um convênio da sua ONG foi aprovado. O entrevistado não apresentou provas e tinha muitos motivos para ter raiva: as contas de sua entidade foram rejeitadas, e a renovação do contrato com o governo, indeferida.
Interesses contrariados
O mesmo, escreve Suzana Singer, poderia ser dito do policial João Dias, que desencadeou a fritura de Orlando Silva, mas ele tinha acesso à cúpula do Ministério, citava vários nomes e apresentou depois gravações. “Se dependessem de fontes idôneas, os repórteres estariam em maus lençóis. A maioria dos malfeitos emerge de interesses contrariados, quase sempre de aproveitadores do erário em surtos momentâneos de cidadania. Isso não pode ser álibi, porém, para estender o microfone a qualquer um que levante a voz contra os políticos”, afirma.
A Ombudsman lembra também que dias antes a precipitação ”denuncista” se manteve com a história de que Apolinário Rebelo, irmão do novo ministro, Aldo Rebelo, foi citado como beneficiário de um suposto esquema de desvio de dinheiro. “Era outra acusação, sem provas, do policial falastrão, que merecia um registro, mas nunca o destaque dado: foi o texto principal em uma página de Poder e ocupou, por horas, a manchete da Folha.com”, escreve ela.
Suzana Singer encerra sua coluna dizendo que é preciso cuidado com a cultura do escândalo. “Acusação baseada em uma só fonte, sem documentos, é o início do trabalho do repórter, não o seu fim — mesmo no noticiário político, onde, infelizmente, se atira a esmo e se acertam mais corpos do que se esperava”, conclui.
Reflexos na vida política
A dedução óbvia do que escreve Suzana Singer é de que no mundo das coisas sérias, a realidade é mais complexa. O alerta que ela faz, portanto, tem alta relevância. Uma denúncia, mais uma denúncia, mais outra denúncia não criam uma “faxina”. Criam um golpe. Essa lógica é cristalina. O que há é uma corrida em que um adversário tenta aniquilar o seu concorrente. Quando se desmacara o “linchamento mediático”, fica evidente que Orlando Silva, que não cometeu delito algum, não deve desculpas a ninguém.
As teorias sem fatos da mídia revelam com nitidez que por trás do “linchamento midiático” está a luta inexorável pelo poder. A opção pelo vale-tudo decorre de um fato novo na vida brasileira dos últimos tempos, que é a entrada em cena de novos atores. O Estado passou a atender novos interesses, além dos antigos. Passou a favorecer mais segmentos sociais ou simplesmente a conviver harmoniosamente com forças novas e mobilizadas.
Todas essas contradições, evidentemente, provocam reflexos na vida política. Houve, na verdade, amadurecimento político proporcionado pelo novo cenário, no qual as classes definem precisamente os seus campos e mobilizam-se para a defesa de seus interesses — intervindo na escolha eleitoral e na composição das forças que constituem o poder. É o mundo político se movendo.
Os piquetes antinacionais, reforçados pelo “esquerdismo” e seus panfletos equivocados, tentam fazer da questão nacional uma bandeira que poucos seguram, um exército de poucos soldados. Com isso limitam a democracia — a premissa dos direitos e deveres iguais para todos. Esse é um aspecto relevante do “linchamento mediático”. Podendo, a mídia cassa os direitos dos seus adversários — como ocorre em relação ao “caso Orlando Silva” e aos ataques ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Como se uma situação de confronto ou de disputa permitisse, possivelmente por algum direito divino, a esse tipo de jornalismo abrir mão de todos os parâmetros de conduta ética.
Lei dos rendimentos decrescentes
O direito à voz do outro, ao contraditório, à visão oposta é uma prerrogativa fundamental do jornalismo. Mas, não raro, esse é o primeiro direito do outro que a mídia revoga unilateralmente. Podendo calar o oponente, em nome de vencer no grito ou de encerrar mais rapidamente uma discussão que não lhe interessa, esse tipo de jornalismo o faz. Ao abdicar do princípio ético, ele abdica da democracia. E, por conseguinte, da própria civilização.
Vista na perspectiva dos últimos dias, parece evidente que hoje a produção de denúncias e escândalos está se enquadrando naquilo que os economistas chamam de “lei dos rendimentos decrescentes”. (Essa “lei” diz que, a partir de um certo valor, o aumento da quantidade de uma variável, mantendo-se as outras fixas, é contraproducente.) Uma hipótese é que esse rendimento decrescente pode ser compreendido pelas condições da oferta e da procura no mercado de escândalos.
Pelo lado da oferta, é preciso considerar que a qualidade das denúncias chega a ser vergonhosa. Além de estar recheada de falsificações grosseiras, ela é movida por demagogia e más-intenções. Pelo lado da procura, a redução do atrativo se deve à consolidação de uma linha do governo que puxa o país para o desenvolvimento, capitaneada pela presidenta da República, Dilma Roussef — como ela fez questão de registrar na posse do novo ministro do Esporte, Aldo Rebelo.
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Editor do Portal Grabois