NOS SERTAO DO BRASIL

 Crónica em «caipirês»

As coisa num ia bem! Sór brabo pra mais de quatro mêis. Lá nos piquete, o gado magricela e os matungo, era só pele e osso. Até no córgo do brejão, já se via os efeito da estiage. No poção, bem na curva do córgo, adonde as traíra vão tomá sór e os lambari de rabo vermêio e os tambiú acudia aos magote até quando uma fôia caía nágua, era só desolação.

Tudo o que as vista arcança e vê agora é aquele mundão de meu Deus de pexes boiano, tudo de barriga pra cima, puxano o fôrgo sem ar. Arguma coisa o cão fez pra ficá assim! Eu era um bacurim e vi isso tudo. Eu tava dijunto cum a minha mãe e as cumadre dela e mais um mundão de criança e muié dos colonho da fazenda. Nóis tudo carregava uma garrafa dágua cada um. Nóis tava numa porcissão pra São Pedro fazê chovê, rezano e cantano uns hino.

…«Nossa Senhora saiu/com seu manto na cabeça/Nossa Senhora saiu/Com seu manto na cabeça/O manto dela caiu/Bem na rua da tristeza/ A seca tá muito grande/Chuva Deus num qué mandá/A seca ta muito grande/Chuva Deus num qué mandá/Manda as chuva que nos móia/Nem si fô pra consolá »…

E nóis seguia as estrada de terra batida, os carreadô, as senda. Tudo quanto era Santa Cruz das estrada nóis parava, rezava dez Ave-Maria e Deiz Padre-Nosso e cantava os hino. Quanto acabava, despejava um poco da água da garrafa em cima da santa cruz.

Era nosso desejo que Deus mandasse chuva; e que São Pedro ajudasse. Me alembro que numa dessas ocasião, tarveis devido a sêca, começô uma epidemia de tifo. E o tifo espaiô mais que rastío de pórva. Naquelas parage, só tinha dois médico dotô que pudia atendê nóis.

Na verdade um dêis só ficava na cidade (ele era cheio de bosta de galinha); o ôtro, bão que nem um pão, atendia nóis direto nas fazenda. I quage num cobrava de ninguém; noís dava um leitãozinho, uma galinha gorda, uma réstia de áio, e anssim por diante. Naquêis tempo, os remédio era feito nas própria farmácia. E era tanta gente com tifo, que o farmacêutico num conseguia de dá conta de tanto remédio.

Me alembro que certa ocasião, eu fui dijunto com o dotô e meu pai, visitá o Simão Bilu, que tava duente. O Simão Bilu trimia de frio! O corpo dele tava quente que nem tição e sentia pisadêra i dôr; muita dôr. O dotô disse que ele táva entrano em coma.

Num sabia o quê era coma, mais fiquei assuntano; achava que era os estrimilique da morte. O dotô abriu a mala e pegô uns vidro com uns pózim colorido e pois encima da mesa. Passô arco na mesa da sala e forrô com esparadrapo. Em cima do esparadrapo pois um pratinho donde misturô uns poquim dum e do ôtro. Ele disse pro meu pai que era um purgante forte, que ele ia intentá sarvá o Simão Bilu.

O dotô chamô Sá Luciane pra espricá que o remédio tinha mercúrio. Deu o remédio pro Simão Bilu. Dispois de uma meia hora, o Simão Bilu abriu os zóio. O dotô falo pra ele drumí. I ele drumiu mêmo! O dotô avisô Sá Luciane que quando o Simão acordasse, désse comida prêle, mais tinha uma coisa: – num pudia dá sár prêle, de jeito e manêra.

-Nada de sal, entendeu Sá Luciane?

–Intendí, disse ela!

Aí o dotô lavô as mão cum sabão de soda e dispois dispejô árco na mão e abanô a mão, pra móde secá.

  Logo que saímo da casa do Simão Bilu, o dotô falô pro meu pai que us remédio do Simão devia de dá resurtado e que ele ia ficá bão logo. Meu pai preguntô sobre o caso de num dá sár na cumida do pobre. O dotô espricô que o sár fervia quando misturasse cum mercúrio da receita do purgante, adonde formava um veneno que matava até cavalo.

Dispois que saímo da casa do Simão Bilu, nóis fumo percorrê a colonha de casa em casa, pra móde vê se tinha arguém duente. Adispois, o dotô foi armoçá cum nóis. Quando acabemo de chegá em casa, minha mãe já começô a pô a mesa do armoço. Curioso, eu vortei na colonha enquanto que o dotô i meu pai armoçava e vi que o Simão Bilu tinha miorado tanto, que tava até tocano o pandero africano que ele tinha.

Falei isso pro dotô, quando vortei em casa. O dotô ficô feliz da vida cum a notiça. Logo que acabemo de armoçá, chegô um moleque, meu amigo. Ele chamô o dotô i foi logo dizeno que o Simão Bilu tinha morrido! Saímo nóis trêis mais o moleque na maió vula, i fumo correno direto pra casa do Simão Bilu, que agora tava cheia de gente. Quando cheguemo o dotô perguntô pra Sá Luciene:

-A senhora deu comida sem sal para ele, não deu?

-Num regulei de dá sár ninhum, disse a Sá Luciene. Só ponhei uma pontinha de cavo de cuié no macarrão do pobre. Foi só um tiquinho, que nem carecia de tê dado!

Do zóio do dotô e do meu pai cairo as lágrima. Os dois se oiaram e me chamaram pra saí dali com eis. As carpidera i a tiradêra de terço, iam dá o úrtimo banho no Simão Bilu. Ainda escuitei o dotô falano pro meu pai que sentia muito que a medicina tava tão atrasada; que num izistia remédio pro tifo. Do meu pai escuitei u contraponto:

-Dotô, cum atraso ô cum avanço da medicina, o que mais me entristece é que a medicina não cura a inguinorânça do povo!

– Eu, ACAS, levei uns vinte ano pra intendê o quê meu pai quis dizê!

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Mensagem 2 de 232

 

 

 Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.