O que você está achando da Conferência?

A Conferência está muito forte, muito expressiva da vontade das mulheres de efetivamente assumirem a luta pela emancipação. Isso é resultado de uma decisão da direção do PCdoB. Esta Conferência é um avanço enorme não apenas para o nosso Partido, mas também para o conjunto das forças políticas. Quer dizer, o PCdoB teve a decisão de investir nas mulheres, de empoderar as mulheres, de garantir que as mulheres elevem o seu papel na sociedade, entendendo que a emancipação da sociedade brasileira, e da sociedade mundial, passa pela emancipação das mulheres.

Portanto, é uma luta estratégica. E o PCdoB não só reconhece, do ponto de vista da declaração, mas também da ação. Quer dizer, é definir isso como concepção partidária e a ao mesmo tempo realizar ações que possam mover a roda da história, e garantir que as mulheres efetivamente possam se emancipar.

A emancipação da mulher é um princípio básico do Partido desde a sua fundação. Como você vê a influência dessa história num evento como este que, digamos assim, é o pico, o ponto mais elevado do debate sobre a emancipação da mulher dentro do Partido?

É exatamente isso. A Conferência representa o debate mais elevado. Porque não é apenas estar nos documentos, ter a compreensão. Essa questão nasce com o Partido. Ou melhor, o Partido nasce com essa compreensão, porque essa é uma concepção que o marxismo recepcionou. Marx, no livro A ideologia alemã, já dizia que a escravidão começa em casa, no lar, se referindo à escravidão da mulher.

E nós vemos que estamos hoje na II Conferência. Quer dizer, o Partido tem 90 anos, e acumulou um conhecimento, um saber sobre isso. E deu exatamente um salto organizativo. Porque uma coisa é ter isso na sua concepção, outra é mover ações no que diz respeito à organização política das mulheres. E penso que a Conferência é o mais elevado estágio que o Partido conseguiu alcançar.

E nós mulheres negras estamos também incluídas nesse debate, trazendo a necessidade de a concepção abarcar a dimensão racial, a dimensão do racismo, já que o nosso Estatuto define a luta contra o racismo como uma luta estratégica.

E isso é uma política mais recente da história do Partido, mas que revela um avanço, um salto de qualidade na nossa concepção política e na compreensão do que é o Brasil. Não é possível fazer a luta pela emancipação da mulher sem entender a dimensão do racismo no aprofundamento das desigualdades de classe, e das desigualdades de gênero. Então, a Conferência foi um palco que possibilitou às mulheres negras a gritarem: “Nós também estamos aqui e temos um elemento que aprofunda as amarras, que nos impede de chegar a uma sociedade efetivamente igualitária”.

E esse debate foi muito rico, foi muito importante ter acontecido mais uma vez no palco da Conferência. Nós queremos que na próxima Conferência consigamos elevar ainda mais o papel das mulheres negras, ao lado das mulheres não negras. O país tem na sua gênese a presença de povos europeus, mas de povos africanos maciçamente, que serviram ao trabalho escravo, e também os povos originais indígenas que já estavam quando europeus e africanos chegaram. Houve um processo desigual, brutal, muito duro, de formação da sociedade brasileira.

E, portanto, o nosso hoje tem a ver com o nosso ontem. A Abolição tem apenas 124 anos. Existem pessoas vivas ainda que têm 124 anos. A obra da igualdade tem múltiplas dimensões. A erradicação do machismo, dessa ideologia patriarcal, também precisa se dar, entendendo a dimensão da ideologia racista, do racismo, como elemento que estrutura as relações sociais no Brasil.

Você acha que o documento chegou aqui com uma lacuna nessa questão da mulher negra?

Sim, com certeza, chegou. E isso foi identificado, houve emendas. Diversas mulheres fizeram emendas, chamaram a atenção para essa questão. Penso que temos que ter a capacidade de transversalizar essa dimensão porque isso é algo que já conseguimos acumular no seio do movimento social, e também nas políticas de Estado. Quer dizer, no Brasil de hoje, o presidente Lula, a presidente Dilma, ao convocar conferências nacionais sobre a questão da mulher, necessariamente a discussão sobre a mulher negra é contemplada.

E os documentos, o plano de ação elaborado no pós-conferência, em todas as conferências que aconteceram no país, levaram em conta não apenas os avanços da plataforma de Pequim, mas também da plataforma de Durban, da Conferência Mundial contra o Racismo que aconteceu em 2001. Hoje temos avanços importantes no desenho das políticas públicas do Estado brasileiro. E isso obviamente precisa desaguar no PCdoB, o nosso Partido, que é vanguarda na luta dos movimentos sociais.

Você vê uma pressão inconsciente do racismo da sociedade numa situação como essa?
O que eu vejo é que o Partido é um destacamento da sociedade, é o destacamento mais elevado da sociedade. Embora o Partido conceba uma nova sociedade, aqueles que lutam por isso também vivem nessa sociedade que nós queremos negar. É o jogo da contradição, que a dialética nos ensina. Portanto, é “natural” que essas incompreensões existam, mas é mais natural ainda que num partido marxista haja ações efetivas no sentido de elevar a compreensão ideológica sobre o que representa o racismo, e elevar a nossa atuação prática pela sua eliminação. Afinal, é a prática o critério da verdade.

O Partido tem uma teoria libertária, que vem dos clássicos. Você vê uma preocupação do PCdoB em atualizar essa teoria para a realidade do Brasil hoje?

Sim, com certeza. O Partido tem feito ações importantíssimas na correção de limitações, que é absolutamente natural. Quer dizer, o Partido não pode ser estático. Nós não temos uma concepção do que deve ser o socialismo à luz do que foi em outros países onde foram implantados, e vamos transplantar isso para o Brasil. O Partido hoje tem uma ação, desenvolveu a sua ação política aprendendo com erros, consolidando os seus acertos e buscando mergulhar na alma brasileira, buscando apreender o que é o Brasil. E o que deve ser o socialismo no seio desta sociedade historicamente determinada, desta sociedade concreta.

Então, o Partido não é estático, ele vem efetivamente estabelecendo essa diretriz de que para mudar o Brasil, para conduzir o povo brasileiro a um Estado socialista é fundamental entender o que é esse povo, entender o que é essa nação, o que foi a história do Brasil, e aonde podemos chegar, e com que feição será o socialismo à moda brasileira.