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A sociologia brasileira perde Luiz Werneck Vianna

21 de fevereiro de 2024

O professor de sociologia da PUC-Rio faleceu no Rio de Janeiro com 86 anos

Por Theófilo Rodrigues

Nesta quarta-feira (21/02), a sociologia brasileira perdeu um de seus maiores expoentes. Luiz Werneck
Vianna faleceu com seus 86 anos de idade. Nascido no Rio de Janeiro de 1938, Werneck foi
atuante no Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC da UNE), foi
militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e foi presidente da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). Soube, portanto, aliar com equilíbrio a
pesquisa acadêmica de ponta com a militância política, a intervenção intelectual no debate
público com a participação ativa na sociedade civil.

Um jovem comunista no CPC da UNE

Criado em Ipanema, estudante de colégios como Santo Inácio, Andrews, Pedro II e Anglo
Americano, Werneck tinha tudo para ser formado como um jovem conservador de elite. Mas
foi o mundo dos subalternos e dos comunistas o que mais o estimulou em sua juventude.

Entre 1958 e 1962, Werneck cursou Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro –
atual UERJ, mas que na época possuía outro nome. Após o golpe militar, fez Ciências Sociais na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) entre 1964 e 1967. Ali, nas ciências sociais da
UFRJ, foi colega de Lincoln Bicalho Roque, militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
que foi assassinado pela ditadura militar no Rio de Janeiro alguns anos depois. Diga-se de
passagem, na comparação entre as biografias de Roque e Werneck podemos ver também as
diferenças entre o PCB e o PCdoB naquele momento de luta contra a ditadura. “Lincoln Bicalho
Roque é um dos desaparecidos aí. Esse era o meu colega de turma, era um jovem inteligente,
mas obstinado por essa coisa de luta armada e denúncia da esquerda anterior”, relembra
Werneck em uma entrevista (1). Diferentemente de Roque e do PCdoB que optaram naquele
momento pela luta armada, Werneck e o PCB decidiram pelo caminho da política aberta de
massas, pela transição democrática. Sobre esses dois projetos distintos, vale a pena ler um
texto que escreveu em fins da década de 1980 intitulado “O Ocidente incompleto do PCB” (2).

Foi no fim de sua graduação em direito, entre 1961 e 1962, que entrou no PCB, no CPC da UNE
e no ISEB. Nesse período conheceu um de seus grandes amigos, o fundador do CPC Carlos
Estevam Martins. Sobre a atuação de Werneck no CPC, Estevam relata que sua tarefa era criar
CPCs fora do Rio (3).

Após esse período, já ganho para as ciências sociais, Werneck virou professor de sociologia da
PUC-Rio e entrou para o mestrado no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
(IUPERJ) em 1969. Era a primeira turma do IUPERJ. Contudo, não chegou a apresentar uma
dissertação, pois teve que se exilar do país em 1971. Recordo-me de Werneck contando em
sala de aula sua aventura: “a polícia foi atrás de mim na PUC, mas eu consegui fugir por uma
passagem secreta”. Infelizmente, nunca descobri que passagem secreta era essa.

Primeiro fugiu para São Paulo, mas não ficou lá por muito tempo. Logo foi para o exílio no
Chile em 1971. Era o Chile de Salvador Allende, o presidente socialista eleito pela democracia
liberal, mas que foi golpeado em 11 de setembro de 1973. Werneck também não ficou muito tempo por lá e retornou para o Brasil no mesmo ano de 1971. Como consequência, foi preso por cerca de seis meses.

Ao sair da prisão em 1971, foi para São Paulo bater na porta do amigo Carlos Estevam Martins
que estava no Cebrap. “Como você está?”, teria perguntado Estevam ao receber o amigo na
porta de casa. “Sem emprego” respondeu Werneck. Estevam articulou então com Fernando
Henrique Cardoso a entrada de Werneck no Cebrap (4).

“Liberalismo e sindicato no Brasil”: a tese de doutorado na USP

Foi a partir de Estevam, no Cebrap, que Werneck conheceu Francisco Weffort. Esse encontro foi
determinante, pois foi a partir dali que Werneck foi aceito no doutorado na USP, em 1973, sob
a orientação de Weffort e com bolsa da FAPESP.

Intitulada “Liberalismo e sindicato no Brasil”, sua tese de doutorado foi defendida em 1976.
Trata-se de um verdadeiro clássico de interpretação sociológica do Brasil. Esse era o espírito
do tempo para a sociologia brasileira na década de 1970. Naquele mesmo momento foram
publicadas obras como “A revolução burguesa no Brasil”, de Florestan Fernandes, e
“Capitalismo autoritário e campesinato”, de Otávio Velho. “Liberalismo e sindicato no Brasil”
está inserido nesse contexto.

Ali, a grande contribuição de Werneck foi inserir de forma pioneira Antônio Gramsci nos
debates sociológicos da USP e do Cebrap sobre a interpretação do Brasil. Werneck articulou
com precisão os conceitos de via prussiana de Lênin, de revolução passiva de Gramsci e de
modernização conservadora de Barrington Moore para demonstrar como o Brasil
representava mais um caso de modernização capitalista feita pelo alto, de forma autoritária,
sem o moderno. Dito de outra forma, as elites agrárias tradicionais organizaram acordos e
impulsionaram o capitalismo no Brasil, sem grandes alterações na estrutura de classes (5).

Werneck sempre dava um jeito de encaixar essa sua grande temática em seus textos. Algumas
vezes de forma um tanto curiosa. Tenho em mãos, por exemplo, a Ópera do malandro, de
Chico Buarque, que foi publicada como livro em 1978. A apresentação desse famoso musical
de Chico foi escrita por Werneck. “O moderno vinha à luz pelo ventre do arcaico e do tradicional.
[…] O passado reverenciará o moderno, instalando-o, mas cobrando o pedágio da sua
conservação”, são apenas algumas das muitas frases que encontramos na apresentação da
Ópera do Malandro que remetem ao tema de “Liberalismo e sindicato no Brasil” (6).

“Liberalismo e sindicato no Brasil” é uma obra marcadamente marxista. Não é trivial que
Werneck tenha ido para Moscou em 1974, para fazer um curso de teoria política na União
Soviética. Isso tudo pesa na construção daquele magnífico livro que é um verdadeiro clássico
da sociologia brasileira.

O Gramsci de Werneck

Aprendi a ler Gramsci com Werneck, não obstante o seu Gramsci fosse diferente do meu. O
Gramsci de Werneck era o dos Cadernos sobre americanismo e fordismo, um Gramsci mais
tocqueviliano, se é que isso pode ser dito. O meu Gramsci era o dos Cadernos sobre Maquiavel
e o Estado, um Gramsci mais leninista, mais althusseriano. O Gramsci de Werneck é o de uma
forte valorização da sociedade civil em contraponto ao Estado; o meu Gramsci é o que vê a
sociedade civil como um instrumento da luta de classes, como um instrumento para a disputa
do Estado. Werneck chamava os defensores dessa outra interpretação de “partido Maquiavel”. Com efeito, as duas interpretações são marxistas, na medida em que buscam, em
última instância, a superação do Estado. A diferença é que uma leitura valoriza mais o momento leninista da tomada do Estado como etapa de transição do que a outra. Seja como
for, foi com Werneck que aprendi a ler Gramsci.

Embora Gramsci já estivesse presente em seus trabalhos anteriores – como já vimos em
“Liberalismo e sindicato no Brasil” -, foi com “A revolução passiva: iberismo e americanismo no
Brasil”, livro de 1997, que a sua obra ficou registrada como a de um dos principais intérpretes
de Gramsci no país. Essa coletânea reúne alguns de seus artigos publicados originalmente em
revistas como a Dados e a Lua Nova. Nesses textos aparecem de forma mais explícita as bases
do programa de Werneck para o Brasil: as transformações moleculares, sem ruptura, o
reformismo gradual construído pela sociedade civil, em outras palavras, a revolução passiva.

Essa construção é, no entanto, polêmica. Afinal, o próprio Gramsci registrou no Caderno 15
que: “Portanto, não teoria da ‘revolução passiva’ como programa, como foi nos liberais
italianos do Risorgimento, mas como critério de interpretação, na ausência de outros
elementos ativos de modo dominante” (7). Ou seja, de acordo com o próprio Gramsci, a
revolução passiva não era um programa político a ser adotado, mas sim um instrumento para
a avaliação do processo histórico de desenvolvimento de determinadas formações sociais.
Seja como for, o fato é que “A revolução passiva” o registrou como o
grande intérprete de Gramsci no Brasil. De fato, ele já era reconhecido assim bem antes. Não é pouco lembrar que foi Werneck quem escreveu o prefácio de “O conceito de hegemonia em Gramsci”, do italiano Luciano Gruppi, em 1978.

A judicialização da política e as relações entre política e direito

A partir da década de 1990, Werneck passou a ter um interesse cada vez maior pelo tema da
sociologia do direito. Em parceria com Maria Alice Rezende de Carvalho, Marcelo Burgos e
Manuel Palácios, publicou três importantes trabalhos dentro dessa temática: “O perfil do
magistrado brasileiro”, em 1996; “Corpo e alma da magistratura brasileira”, em 1997; e “A
judicialização da política e das relações sociais no Brasil”, em 1999. Em 2015, foi a vez de
publicar “Ensaios sobre política, direito e sociedade”, coletânea em que reuniu seus artigos
sobre o tema.

Aqui, o ponto que merece maior atenção é o da judicialização da política. Em “A judicialização
da política e das relações sociais no Brasil”, Werneck trata esse processo por uma chave
positiva, em que a judicialização surge como promotora de uma agenda cívica no país. Essa era
a sua opinião em 1999. Em 2010, Werneck mantinha essa mesma opinião. “Eu vejo esse
processo de forma positiva e, a essa altura, eu diria que a torcida do Flamengo também”,
relatou em uma entrevista (8). Contudo, após a Operação Lava Jato, a sua interpretação sobre
aquele fenômeno começou a mudar. Em suas palavras, “tenentes de toga” “começaram a ter
comportamentos bizarros” (9). A judicialização passou a ser interpretada pela chave negativa.

O intérprete da conjuntura política

Como já disse, Werneck sempre teve a preocupação de intervir no debate público. Era, de fato,
um intelectual público. Essa intervenção se dava, principalmente, por meio de seus artigos na
imprensa tradicional, mas também com ensaios que circulavam de formas distintas. De
tempos em tempos, esses textos eram reunidos em coletâneas que faziam sucesso entre seus
alunos.

Entre esses livros, registro: “A classe operária e a abertura”, seu primeiro livro de análise de
conjuntura que saiu em 1983; “Travessia”, livro de 1986 que cobre o período que vai da
abertura até a Constituinte; “A transição”, livro de 1989 que trata do período entre a constituinte e a eleição presidencial de 1989; “De um plano Collor a outro”, livro de 1991 que trata do governo Collor; “Esquerda brasileira e tradição republicana”, publicado em 2006 e que
cobre os governos de FHC e Lula; “A modernização sem o moderno”, sobre o segundo governo
Lula; e, por fim, “Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual” coletânea de 2018 com entrevistas
de Werneck que foram publicadas no período dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer.

Todos esses livros são fundamentais para a compreensão de cada uma das conjunturas
analisadas. Mas destaco com maior importância o último capítulo presente em “De um plano
Collor a outro”. Intitulado “Ator, tempo e processo de longa duração em análises de
conjuntura”, esse capítulo de 44 páginas é uma verdadeira aula sobre como realizar uma
análise de conjuntura. Nele, Werneck perpassa os grandes mestres da análise de conjuntura
política: Maquiavel, Tocqueville, Marx, Lênin e Gramsci. Trata-se, em minha opinião, de um
texto que deveria ser obrigatório em cursos de introdução à ciência política.

Um formador de cientistas sociais

Ao longo de sua trajetória, Werneck orientou dezenas de doutores no IUPERJ e na PUC-Rio –
salvo engano, foram cerca de 30 no total. Entre 2013 e 2017, tive o prazer e honra de tê-lo como orientador em meu doutorado
realizado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio. Corro o risco de esquecer alguns nomes, mas entre
os colegas que também foram orientados por ele no doutorado estão Alessandra Maia, Alexandre Veronese, Andre Videira, Carla Soares, Felipe
Maia, Fernando Perlatto, Gisele Cittadino, Igor Suzano, Leonardo Puglia, Leonardo Vilardi, Luiz
Eduardo Motta, Manuel Palácios, Marcelo Burgos, Marcelo Diana, Marcelo Rosa, Marilson
Santana, Maro Lara Martins, Mirela Silva, Paula Velloso, Rafael Abreu e Rubem Barboza Filho
entre tantos outros. De maneiras distintas, por vezes contraditórias, o pensamento de
Werneck tem longa vida em seus discípulos.

Luiz Werneck Vianna, presente!

Notas:

1 – WERNECK VIANNA, Luiz. Luiz Werneck Vianna II (depoimento, 2012). Rio de Janeiro,
CPDOC/Fundação Getulio Vargas (FGV).

2 – WERNECK VIANNA, Luiz. A transição: da Constituinte à sucessão presidencial. Rio de
Janeiro: Revan, 1989.

3 – MARTINS, Carlos Estevam. Entrevista com Carlos Estevam Martins concedida à Hélgio
Trindade em julho de 2002. In: TRINDADE, Hélgio. Ciências Sociais no Brasil: Diálogos com
mestres e discípulos. Brasília: ANPOCS; Liber Livro Editora, 2012.

4 – WERNECK VIANNA, Luiz. Entrevista. In: LOUREIRO, Maria Rita et al. (org.). Conversas com
sociólogos brasileiros: retórica e teoria na história do pensamento sociológico do Brasil. Rio de
Janeiro, FGV, 2008.

5 – WERNECK VIANNA, Luiz. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

6 – WERNECK VIANNA, Luiz. O americanismo: da pirataria à modernização autoritária (e o que
se pode seguir). In: BUARQUE, Chico. Ópera do malandro. São Paulo: Círculo do livro, 1978.

7 – GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. V. 5. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011, p.
332.

8 – ARAÚJO, G.; LYNCH, C.; ROUCHOU, J.; HERCULANO, A. Luiz Werneck Vianna – entrevista.
Fundação Casa de Rui Barbosa, Escritos IV, ano 4, nº 4, 2010.

9 – WERNECK VIANNA, Luiz. Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual. Brasília: Verbena, 2018.

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