Os diplomatas continuam a constrangê-la, como fizeram quando o Código tramitava na Câmara, a não escolher opções que obscureçam seu grande momento internacional na Conferência Rio+20 com uma agenda negativa do Meio Ambiente. Mas isso não é argumento a se considerar, o Itamaraty não costuma olhar para o Brasil. O ex-ministro Antonio Palocci alegou a força da pressão internacional na fase final de negociação, momento tardio em que o governo resolveu tomar conhecimento do assunto.

O que a presidente pode contar, de diferente, agora, é com informação realista e conhecimento apurado do problema. As duas novas ministras que convidou a participar do núcleo do governo, na Presidência, Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti, conhecem profundamente os problemas dos agricultores que foram atendidos em suas preocupações nas negociações do Código até aqui. Gleisi, que conheceu o Código na vida real do seu Estado, o Paraná, já se manifestou objetivamente a favor do projeto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), aprovado na Câmara, fazendo pequena restrição e anunciando a necessidade de um ou outro ajuste. Ideli, de Santa Catarina, fez campanha ao governo do Estado cruzando com a agricultura de beira de rio que domina a região a quem interessa que o Senado mantenha os termos finais da negociação.

O Itamaraty não costuma olhar o Brasil

Terão condições de municiar a presidente não só para enfrentar as falsas críticas internacionais do "faça o que digo não o que faço", instrumentos de que o Itamaraty não dispõe, como também de compreender e combater o que há de propaganda e interesse na essência do lobby ambientalista e ruralista nacionais. Dilma terá condições melhores para buscar o equilíbrio com mais segurança do que demonstrou na votação da Câmara. Naquelas negociações, o governo cometeu muitos erros, na forma e no conteúdo. Equívocos que, hoje, muitos dos seus líderes atribuem à falta de convicção da presidente, à época, e por consequência disso à desinformação.

Um, por exemplo, foi não considerar que o projeto do Código Florestal é uma regulação, não um assunto administrativo. Não interferia no governo. Não se tratava de algo semelhante ao projeto de reajuste do salário mínimo, com suas implicações em Previdência, inflação e funcionamento da economia. É, resumidamente, uma regulação de atividades de agricultura e preservação ambiental, em área privada. Todo o resto está disciplinado já e não passa pelo Código: Amazônia, floresta pública, unidade de conservação, terra indígena, parque.

Uma segunda distorção foi tratar o assunto como algo que pudesse dividir a Câmara entre governo e oposição, provocar a divisão da base que não conseguia juntar de um lado e, depois, dividir os partidos da própria aliança. Só no fim percebeu que este é um assunto pluripartidário, de interesse das relações de um Poder, o Legislativo, com a sociedade, no qual o governo pouco podia influir apesar da sua enorme bancada no Congresso. Tanto é uma questão fora da disputa político-eleitoral que o próprio Executivo sempre atuou dividido em tudo o que diz respeito ao tema: de um lado, o Ministério da Agricultura; de outro, o do Meio Ambiente.

Quando os líderes dos partidos da aliança do governo e da oposição partiram para as conclusões de negociação, suas bases nos Estados e municípios já haviam formado consensos muito antes. A Câmara resolveu a maioria dos problemas considerados insolúveis na discussão do Código: o registro da reserva legal segundo a lei da época, a soma da reserva legal com a APP, autorização aos pequenos a declarar a reserva que tinham em 2008, entre outros. Resta um problema, grande, porém um, contido na Emenda 164, dos próprios partidos governistas, que permite a consolidação da agricultura em área de APP. O problema está na APP de beira de rio, apenas, mas são 2 milhões de proprietários na beira do rio, 99%, pequenos.

O governo vive o paradoxo: não admite anistiá-los, mas não tem como não admitir, não pode fazer uma guerra de extermínio. Porém, nem a anistia a desmatadores (e esses pequenos desmataram) contida no projeto significa perdão a criminosos contrabandistas de madeira, retratados na imagem de caminhões de toras roubadas ao Brasil do Oiapoque ao Chuí, como se quer fazer crer na propaganda contrária ao Código, nem há muita saída para o Senado e para a presidente além do modelo a que se chegou no projeto.

O Itamaraty quer o menor ruído possível na Rio+20, em junho de 2012. O lobby ambientalista avisou aos interessados que rotularia o projeto do Código de anistiador de madeireiro da Amazônia, e começou em seguida campanha internacional contra após a votação na Câmara. A ex-senadora Marina Silva exige que a presidente Dilma vete o Código se o Senado não fizer essa tarefa. Dilma tem agora melhores condições para decidir que antes.

Um telefonema de abalizada figura, para mais de uma autoridade do governo federal e de um Estado importante da federação, tira o sono dos responsáveis pela conquista da Copa do Mundo para os estádios brasileiros. João Havelange, eterno cartola internacional, do sossego de sua aposentadoria como ex-presidente da Fifa, tem informado, direta e secamente que a Alemanha está pronta para sediar o campeonato. A decisão pode ocorrer até na véspera do mundial que haverá condições perfeitas de fazer a transferência. Se foi só uma pressão para agitar as providências no paquidérmico complexo de preparação da Copa, funcionou. Estão todos com taquicardia.

A política brasileira ainda não perdeu, apesar das vicissitudes, o grau mínimo de civilidade, como provam duas iniciativas esta semana: a carta de estadista com que a presidente Dilma Rousseff cumprimentou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) pelo aniversário de 80 anos; e a presença do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), na posse da ministra da Casa Civil, sua conterrânea e adversária em campanhas eleitorais, Gleisi Hoffmann (PT).

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onte: Valor Econômico